• Agronegócio: conceito

  • Renato Buranello

  • Tomo Direito Comercial, Edição 1, Julho de 2018

A análise conjunta do Direito, da Economia e das Organizações tem relevância por possibilitar entendimento mais profundo da complexidade da realidade de determinados segmentos. Sendo assim, o Direito e a Economia exercem papel fundamental na formação de instituições e organizações. Estas, por sua vez, influenciam a transformação do sistema jurídico e a consecução de resultados econômicos. Portanto, o Direito, ao estabelecer regras de conduta que modelam as relações intersubjetivas, deverá levar em conta os impactos econômicos que delas derivam, pois gera efeitos sobre a distribuição ou alocação dos recursos e os incentivos que influenciam o comportamento dos agentes econômicos privados. Esta perspectiva gerada pela visão sistêmica tem contribuído para o desenvolvimento do agronegócio através da organização de arranjos cada vez mais complexos, mas invariavelmente mais eficientes e cooperativos.

1. Desenvolvimento histórico da atividade agrícola


As primeiras civilizações que se dedicavam à agricultura e ao pastoreio surgiram às margens dos rios Nilo, Tigre, Eufrates, Indo e Amarelo que, devido às cheias regulares, depositam seus sedimentos no solo, fertilizando-o e tornando-o propício para o desenvolvimento da agricultura. Com o passar do tempo, a produção agrícola aumentou devido à utilização da irrigação e também pelo melhor aproveitamento da terra e pela diversificação de culturas. Os cereais eram cultivados de acordo com o tipo de solo e clima de cada região; assim, em 800 a.C., o trigo e a cevada eram plantados no Oriente Médio, o arroz na China e no sudeste asiático, determinada variedade de trigo no vale do Indo e, por volta de 300 a.C., o milho já era cultivado nas Américas. Os animais como ovelhas e vacas eram criados para fornecer alimentos e lã, e os cavalos e muares ajudavam o homem na lavra da terra e no transporte de pessoas e mercadorias. Em decorrência da melhoria no cultivo e criação de animais, os lavradores passaram a produzir mais do que era consumido por suas famílias e animais, o que levou as comunidades a acumularem riquezas e a realizarem outras atividades relacionadas à produção agropecuária de caráter comercial.

Com o fim do Império Romano do Ocidente, no ano 476 de nossa era, a Europa se fechou gradualmente sobre si mesma com o feudalismo em um universo de quase autossuficiência. As diferentes moedas e seus valores variavam de localidade e o comércio era praticado com base na troca direta de produtos, esse escambo se destinava a resolver eventuais problemas de abastecimento. Eram montadas feiras semanais, sempre à sombra de algum castelo ou mosteiro. As mercadorias eram constituídas por ovos, fiambres, lã ou pequenas quantidades de fendo feito em casa, negociado por pequenos grupos de comerciantes amadores, pois, mesmo com produção reduzida, formavam pequenos excedentes. Além desse tipo de comércio, existia um outro praticado por profissionais – os mercadores judeus – que traziam especiarias e tecidos do norte da África ou do Império Bizantino. As mercadorias eram transportadas por longos caminhos em lombo de animais ou em carroças. Uma dificuldade existente é que não havia um padrão de pesos e medidas aceito por todos e, em razão disso, os cálculos feitos para consumação das trocas eram de difícil realização, pois o algarismo arábico somente chegou à Europa no século XIII.

Nas regiões intertropicais, por meio de um sistema de cultura em terrenos desflorestados, a maioria das lavouras eram cultivadas sob antigas florestas temperadas e tropicais, processo continuo durante séculos na África, na Ásia e mesmo na América Latina. Nas regiões temperadas da Europa, depois do desflorestamento, a agricultura criou novo sistema de cultivo, plantavam-se pastagens e criava-se gado, utilizando para isso ferramentas manuais. Na Idade Média, surgiu o que podemos chamar de agricultura organizada, pois nos campos europeus, entre o século XVI e XIX, foram desenvolvidas culturas de cereais e forrageiras, enriquecidas pela introdução de novas espécies trazidas de outros continentes, como a batata e o milho, que eram cultivados nas regiões temperadas da América do Sul, da Austrália e da Nova Zelândia. Ao mesmo tempo, nas regiões tropicais, foi desenvolvido o cultivo de produtos para exportação, principalmente os produtos mais procurados pelos europeus, como o açúcar, o algodão, o café, o cacau etc. 

Nessa época, os europeus começaram a buscar um caminho alternativo para as Índias, de onde os mercadores árabes traziam valiosos artigos, como tecidos e especiarias. Com o surgimento da economia monetária, surgiram outros produtos de grande aceitação comercial, o que despertou o mundo feudal quanto às formas de cultivo e de comercialização praticados, passando, a partir daí, a desenvolver o comércio de outra forma e a buscar novas terras para colonização e exploração. Os portugueses partiram na frente e, à medida que passava o século XV, o Brasil mais se aproximava do seu horizonte histórico. Para colonizar o Brasil, os portugueses de valeram da experiência no cultivo da cana e na produção de açúcar, utilizando, para isso, mão-de-obra escrava. 

A experiência adquirida pelos portugueses tinha sua origem no cultivo de cana e na produção de açúcar na Ilha da Madeira e São Tomé, atividades que tiveram êxito até a segunda metade do século XV, época em que os venezianos ainda conservavam intactas suas fontes de abastecimento do Mediterrâneo Oriental. Contudo, por primeiro, a metrópole explorou o pau-brasil, atividade econômica desenvolvida por mais de 370 anos, até que o corante extraído da madeira deixou de interessar à indústria têxtil. Posteriormente, a cultura da cana tornou-se a principal atividade, tendo sido explorada por vários séculos e, por muitas vezes, o valor das exportações de açúcar era maior que o das remessas de ouro e de pedras preciosas para a metrópole. Os portugueses produziam também a cachaça e o fumo, produtos que eram trocados por escravos e, em menor escala, exploravam o algodão e o cacau. 

No período colonial, a agricultura de exportação foi parte do novo processo mundial de expansão capitalista, pois na época predominavam o monopólio e a exclusividade da metrópole para o comércio de tudo o que era produzido. Empregava-se o sistema do uso extensivo do solo e de técnicas rudimentares para a produção de alguns gêneros, o que causava prejuízos à economia da colônia, pela exaustão da terra. Os gêneros alimentícios destinados à exportação eram produzidos em larga escala, devido à facilidade de acesso à terra, que existia em grande quantidade, e a produção se apoiava na tríade monocultura, latifúndio e escravidão. Assim, o açúcar, após o declínio da exploração do pau-brasil, foi o grande produto de exportação produzido na colônia, tendo seu apogeu em Pernambuco no período de 1570 a 1650. 

A indústria açucareira da época processava a cana e exportava o açúcar, produto líder das exportações até as primeiras décadas do século XIX. Em meados do século XVIII, algodão, tabaco e cacau foram exportados e, no século XIX, surgiu um produto novo, o café. Primeiramente foi plantado na região do Vale do Paraíba fluminense e paulista e no sul de Minas Gerais e, nos anos de 1870 e 1880, no oeste paulista e sudeste de Minas Gerais. O café suplantou o açúcar como principal produto de exportação, posição que foi mantida até a década de 30. Outro produto importante foi a borracha, explorada na região amazônica, com importante participação nas exportações brasileiras, principalmente no final do século XIX e início do XX.

Com a abertura dos portos brasileiros, em 1808, houve o fim do ciclo colonial. Iniciou-se o processo de internacionalização do Brasil, o que deu aos principais centros da ex-colônia, especialmente os portuários, um caráter cosmopolita. Ao longo do século, houve um despertar geral de consciência em torno da possível constituição de um estado moderno, com a consequente organização e melhoria do comércio, desenvolvimento dos meios de transporte e de comunicação, bem como a instalação de indústrias e investimentos na produtividade agrícola. No início do século XX, o espaço territorial encontrava-se nas mãos de proprietários de grandes plantações, cujos produtos eram destinados aos mercados internacionais. Lavouras como as de café, cana, algodão, borracha, cacau e fumo, respondiam por mais de 85% das exportações, mesmo com a falta de comunicação entre as regiões produtoras e a formação de novos centros econômicos. Assim, aleatoriamente surgiram regiões onde predominava o cultivo do café, como em São Paulo e Rio de Janeiro, áreas de produção de cacau, na Bahia, e áreas de produção de cana, em Pernambuco.

Em decorrência da acelerada industrialização ocorrida entre 1930 e 1980, o estado brasileiro foi reestruturado e suas áreas de atuação ampliadas. Neste período ocorreram dois fatos econômicos marcantes na economia interna e internacional: excesso de produção de produtos agrícolas destinados à exportação e o crash de 1929, com a consequente desaceleração da economia mundial. Com a intervenção autoritária do estado após 1930, foram criadas diversas autarquias com a finalidade de regular os vários setores da economia agrária, como o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), para a indústria açucareira, o Instituto Brasileiro do Café (IBC), para o café, além de uma política de controle da produção, que comprava e estocava o excedente. 

A partir da década de 60, com a expansão das fronteiras agrícolas, preconizada desde 1930, e a execução do plano de metas elaborado pelo governo JK, concretizou-se a projetada industrialização do Brasil, com o surgimento de moderno parque industrial e políticas voltadas para a condução de uma nova agricultura de exportação. Após 1964, tais autarquias reguladoras foram esvaziadas e desapareceram durante o governo Collor. A chamada modernização da agricultura brasileira, a rigor, somente ocorreu durante o regime militar, que buscou atender as demandas do setor estabelecendo políticas públicas voltadas para a criação de uma agricultura altamente técnica. As novas diretrizes consistiam na expansão das fronteiras agrícolas, modelo de concessão de créditos e subsídios para o setor, utilização de modernas tecnologias e privilégios aos produtos de exportação ou vinculados a programas energéticos, como o Proálcool. 

Essas transformações ganharam o nome de revolução verde, focadas no intenso processo de mecanização da agricultura e da pecuária, o que pôde ser percebido pela quantidade de máquinas e fertilizantes usados e também pelo grande consumo de sementes selecionadas, rações, medicamentos veterinários etc., empregados nas diversas fases de cultivo e criação de animais. Em consequência, os novos produtores rurais, adotando o novo padrão econômico, dominando modernas técnicas de produção e execução das atividades produtivas. A partir da década de 80, já se notava a nova realidade do setor rural e de sua exploração em moldes empresariais, surgindo daí o que hoje chamamos agroindústria. 

O processo de industrialização proporcionou consideráveis ganhos de produção, principalmente nos setores voltados para o comércio agrícola mundial. Essa modernização da agricultura refletiu-se na expansão do trabalho assalariado no campo e no considerável aumento no uso de equipamentos, como tratores, máquinas e insumos agrícolas, reflexos do progresso técnico. Assim, a visão do processo agrícola como complexo agroindustrial, representado pela fusão das cadeias de produção com as cadeias agroindustriais, se integrou às empresas processadoras de alimentos e as exportadoras, utilizando-se de programas de financiamento para o seu desenvolvimento, trazendo uma nova dinâmica que se refletiu também no setor de serviços. 

Assim, o atual modelo agrícola não é mais pensado como um modelo fechado, como uma corporação una existente no imenso território nacional, representada pela política vigente no início do século XX, mas desenvolvido, pela formação de grandes cadeias industriais, compostas por empresas fornecedoras de insumos, por produtores rurais, por indústrias processadoras, distribuidores, armazéns, certificadoras, operadores logísticos, visando atender o consumidor em suas novas e crescentes demandas, com a necessária participação de agentes públicos e participação do mercado financeiro.

Respondendo pela implantação de um novo conceito, esses são os chamados sistemas agroindustriais, programados para integrar a produção agrícola e com a participação indissolúvel da indústria. A crescente implantação de sistemas agroindustriais permitiu a integração de capitais agrícolas, comercial, industrial e financeiro que, hoje, mostram o grande desenvolvimento do mercado agrícola. O novo conceito trouxe métodos para a transformação da agricultura tradicional, associando a isso a constante preocupação dos empresários com a gestão administrativa e econômica, a colaboração de profissionais especializados nas diversas atividades imprimindo maior controle, gestão e governança na maximização de resultados.


2. Teoria da organização e o modelo agroindustrial


A análise da produção agrícola ganha novo contorno quando observada pelo prisma dos estudos organizacionais. Os sistemas agroindustriais são vistos com diferentes graus de agregação,1 mas o essencial é a agregação na indústria, ou seja, tem por principal objetivo a compreensão da inter-relação contratual entre os atores específicos da agricultura e a indústria de alimentos, fibras e bioenergia. Esse enfoque dos sistemas agroindustriais pode contribuir para o conhecimento da nova realidade da agricultura, suas relações comerciais e suas relações com a sociedade.

A hipótese citada parece ainda mais útil à realidade do agronegócio quando um mesmo sistema agroindustrial, constitui diferentes arranjos institucionais que coexistem e se moldam de acordo com as características dos atores envolvidos e das transações. Em outras palavras, sistemas que podem refletir um procedimento comum, estratégias compartilhadas e rotinas que se desenvolvem entre os agentes produtivos. O que se percebe é a atividade agroindustrial focada na economia das organizações, nas relações entre os atores, a abordagem dos arranjos institucionais, de modo peculiar à sua complexidade.

A evolução da atividade acontece com a ciência desses fatores, sendo importante conhecer as razões dessas diferentes formas de organizar a produção, a fim de elaborar estratégias compartilhadas e permitir a criação de políticas públicas fortes e capazes de enfrentar as reais externalidades negativas do setor, inclusive fundamentando pesquisas e ensinos voltados a produção agrícola, permitindo assim a superação de entraves atuais e o aumento dos ganhos reconhecidos. Numa melhor análise, a abordagem dos SAGs (sistemas agroindustriais) nos auxilia na compreensão dos arranjos institucionais específicos, que na verdade são estruturas contratuais de produção de base agrícola. Apesar de tais estruturas serem complexas e com suas diferenciações, se tem quatro elementos centrais: os setores produtivos, o ambiente institucional, o ambiente organizacional e as transações que conectam os agentes produtivos.

Os setores produtivos são aqueles envolvidos na produção e distribuição, nos quais se observa a estrutura de mercado, medidas de grau de concentração industrial, identificação de firmas dominantes e os padrões de concorrência, por exemplo. Em verdade, são um dos pilares para uma efetiva análise dos sistemas agroindustriais. Pode-se, por exemplo, a partir de então, criar um estudo de competitividade de sistemas agroindustriais. A estrutura de mercado e a descrição das condições de concorrência representam um ponto fundamental para a definição da estratégia compartilhada, dentro dos próprios SAGs.

O ambiente institucional é essencial para a tomada de decisões dos agentes produtivos. As instituições2 como sendo as regras adotadas pela sociedade, representadas pelas normas legais e normais informais pautando as relações entre os agentes é o que interfere diretamente no ambiente institucional. Espera-se que os agentes produtivos tenham a tendência em proteger seus ganhos, alterando as regras do jogo, pois de fato as normas exercem sobre os arranjos contratuais bastante influência. As transações são as relações especializadas entre os agentes em determinado sistema que podem ser feitas puramente no mercado, onde são regidas pelo sistema de preços.3 O contrato representa mecanismos de troca de direitos de propriedade com o intuito de gerar valor por meio de transações formais ou informais. São, portanto, onde ocorrem trocas de direitos e tecnologias a fim de agregar valor e perceber ganhos.

No Brasil, por exemplo, a lei de proteção de cultivares certamente incentivou os agentes que pretendiam explorar tal atividade, sob tudo dando segurança aos investimentos privados na área da genética vegetal. Os arranjos de produção foram diretamente influenciados, inclusive com a adoção novos padrões contratuais, como os contratos de licenciamento do uso de germoplasma, formas de cobrança pelo uso das sementes. Mais evidente ainda é as mudanças institucionais provocadas no setor financeiro pela responsabilidade ambiental advindas do Código Ambiental, na qual a responsabilidade é compartilhada com a concedente do crédito, obrigando-o a certificar-se que as normas legais estão sendo cumpridas pelo agente produtivo. Fica ressaltado a relevância das instituições que atingem os arranjos provocando mudanças e alterações nos arranjos contratuais e mecanismos de governança.

O ambiente organizacional, como parte do sistema agroindustrial, é também característica assim como os setores produtivos e as instituições. O ambiente organizacional não se trata da empresa, mas das estruturas de representação setorial ou sistemas de produtos, organizados com base no território onde atuam. Nesse ambiente, as organizações podem ser como as cooperativas, instituições de pesquisa, agentes financeiros. A atuação dessas organizações provoca ganhos a medida de sua interlocução com o governo e outros setores, gerando margens e defendendo margens, atuando na forma de lobby setorial. Na verdade, a abordagem feita pelos SAGs não pode ignorar sua existência, operação e eficiência são afetadas por organizações que atuam à margem do sistema.4

Nos SAGs, as transações entre os agentes produtivos se realizam entre agentes em presença de acentuada assimetria informacional, e ainda, com investimentos elevados em seu grau de especificidade. A realidade nos remete a comportamento oportunista dos agentes, quebras contratuais, entre outras imperfeições que se traduzem por custos de transação positivo.5 O entendimento central da economia dos custos de transação é de que, na presença de ativos específicos os agentes criarão formas de governança no intuito de proteger a tecnologia ou estratégias associadas ao valor dos investimentos específicos. Os sistemas agroindustriais, pela sua especificidade e complexidade demanda formas de coordenação das cadeias produtivas para, não só o desenvolvimento da atividade, mas como o aumento da margem de ganho para o agente produtivo, como o bem-estar do consumidor. Nesse sentido, o papel dos custos de transação é central para uma operacionalização mais eficiente dos sistemas agroindustriais. 

A formação ao menos basilar dos SAGs se configura em uma perspectiva a fim de mudanças e adaptações em prol da evolução do setor agrícola com a coordenação e governança dos agentes produtivos. Considera-se a questão da governança como aquela apta a geração de incentivos para a cooperação entre os setores, visando o aumento na geração de valor como ponto inicial. Ainda são contemplados com a questão de criação de novos e eficazes meios de compartilhamento de valor agregado, ou seja, novos contratos capazes de atender as expectativas da produção agroindustrial atual. Tanto uma falha na geração de incentivos para cooperação como nos novos mecanismos de troca de valor agregado afetam o valor latente, e, portanto, não disponível. 

A atividade produtiva se torna eficiente e capaz de gerar riquezas na medida que as ofertas de incentivos para produzir, como a garantia de direito sobre parte do valor gerado na produção, necessitam instituições eficientes, sinalizando aos agentes produtivos incentivos adequados para o engajamento da atividade produtiva.6 A construção dos arranjos institucionais adequados cabe aos agentes produtivos, ao lado das organizações, cuja comunicação e formulação conjunta de estratégias tem papel fundamental.

A formação da estratégia e do próprio sistema agroindustrial se dá fortemente caracterizado pela criação de incentivos das instituições e nas formas atuais de governança dos agentes produtivos. Se as instituições não criam incentivos para cooperação, a existência do valor latente e a desorganização dos sistemas aconteceram e a perda da competitividade se tornará material. Além disso, o desenho contratual inapropriado pode gerar estruturas poucos estáveis, tendendo a não se instalar como planejado, ou ainda a desorganização total levando ao fim da atividade. Os padrões contratuais adotados podem penalizar uma das partes, levando à necessidade de se ampliar o estudo acerca dos padrões contratuais exatamente para prevenção de casos assim, e para corrigir falhas organizacionais, a fim de tornar mais claro o poder de mercado dos agentes produtivos, como por exemplo nas relações entre pecuaristas e frigoríficos nos sistemas agroindustriais da carne bovina.

A superação dos obstáculos e o aperfeiçoamento da governança dos sistemas agroindustriais exige que sejam identificadas as falhas institucionais e as falhas organizacionais, compreendendo sua natureza a fim de implementar ações capazes de correções. Nesse ambiente de correções, se faz necessário o controle dos custos de transação, para que os agentes possam transacionar e realizar investimentos compartilhados em condições de risco. Nesse contexto, ainda, os controles dos custos serão determinados pelas instituições informais, normas privadas, ou ainda por mecanismos relacionais informais, entre as partes que transacionam. Assim sendo, os próprios agentes produtivos podem criar mecanismos de governança privados, apropriados a realidade de seus arranjos e sua complexidade peculiar, com base em elementos relacionais ou ainda em normas acordadas entre as partes.

Exatamente essa peculiaridade complexa, composta pela comunhão e diferentes arranjos distintos, que nos permite descrever as transações e seus custos adotado em determinado sistema agroindustrial. A realidade nos mostra que os agentes moldam, aperfeiçoam e criam mecanismos de governança típicos, resultando em diferentes formas contratuais. É nesse sentido que se pode afirmar a existência da evolução da produção agrícola, que se inicia com a função da produção neoclássica, passa pela Teoria da Organização Industrial que se aplica aos SAGs e aos seus subsistemas estritamente coordenados. O mecanismo para materialização de quase todos esses elementos, ou seja, a abordagem contratual, a fim de adaptá-la às necessidades, criou uma perspectiva aplicada aos Estudos das Organizações.

Também por existir essa multiplicidade de arranjos, nos quais casa sistema agroindustrial possui complexidades próprias, cabe indagar a respeito da maior eficiência entre eles, em termos de correções às falhas organizacionais. Além dos incentivos que colocam o conjunto do sistema em coordenação e avanço na atividade, é preciso o monitoramento e a adoção de práticas que inibem os comportamentos pontuais e falhas de governança. Exatamente como mecanismos privados, aptos a penalizar situações que elevem os custos de transação sem justificativa, ou ainda quebras contratuais, através de mecanismos de controle e exclusão, como se observa na área de denominação de origem e nos selos de certificação. Ou seja, o mecanismo de incentivos impetrados pela governança, gera valor e controle da captura de valor, por uma das partes.

Com o compartilhamento de estratégias entre os sistemas o que se verifica muitas vezes é a padronização contratual existente, que depois de se difundirem entre os agentes produtivos, são melhorados a ponto de tornarem-se mecanismos eficientes e padronizados ao mesmo tempo, se verifica a existência de mais de um padrão dentro do próprio sistema agroindustrial. O contexto da governança nos SAGs influencia diretamente os sistemas como o surgimento de plataformas de negociações continuada, o aparecimento de uma nova geração de prestadores de serviços e formas associativas. Hoje, os mercados agrícolas representam mecanismos especializados representam as importantes relações de troca e cooperação, onde também são negociados aspectos distributivos de maneira continuada. Não representam soluções automáticas, mas permitem o desenvolvimento e evolução de práticas relacionais. 

Por fim, sabe-se que a relação entre a governança e o papel do Estado afeta diretamente os custos de produção e transação em uma economia. Os sistemas agroindustriais brasileiros estão sujeitos às mesmas imperfeições que os demais sistemas produtivos, basta verificar o sistema de titulação das áreas agrícolas, a formação dos vínculos de trabalho, a complexa malha fiscal e o novo regime de proteção ambiental, que influenciam na instalação de inúmeros conflitos de interesse sujeitos a disputas judiciais. As falhas do Estado, como o próprio caso da insegurança jurídica, geram desincentivos para a produção, dificultando a realização e operacionalização dos contratos e aumentando os custos de transação na sociedade.


3. Conceito atual de agronegócio


Até aqui e procurando ordenar as características dos sistemas agroindustriais, podemos destacar: a) sucessões de operações de transformação encadeadas passíveis de serem separadas ou ligadas entre si por um procedimento técnico; b) conjunto de relações comerciais e financeiras que estabelecem, entre todos os estágios de transformação, um fluxo de troca entre fornecedores; c) conjunto de ações econômicas que permitam a valorização dos meios de produção e asseguram a articulação de operações. Esse processo de transformação da agricultura foi adequadamente retratado e sistematizado com os estudos dos professores da Universidade Harvard, John Davis e Ray Goldberg em 1957, e coloca a matriz insumo-produto no centro dos negócios agrícolas.7 

O conceito atual de agronegócio apoia-se nessa matriz que integra diversos processos produtivos, industriais e de serviços, que o define como a soma das operações de produção e distribuição de suprimentos, das operações de produção nas unidades agrícolas, do armazenamento, processamento e distribuição dos produtos agrícolas e itens produzidos a partir deles. Ainda, chegamos à conclusão de que o termo mostra uma acepção da qual participam também os agentes que produzem e coordenam o fluxo dos produtos, como os mercados, as entidades comerciais e as instituições financeiras.

De outro modo, analisando os segmentos existentes nas atividades que formam o agronegócio, podemos dividir o sistema agroindustrial em três fases: (a) segmento antes da porteira: engloba todos os insumos para a produção agrícola, pecuária, de reflorestamento ou aquicultura; (b) segmento dentro da porteira: constituído pela produção propriamente dita, desde o preparo para a produção até a obtenção do produto para a comercialização, e por fim; (c) segmento depois da porteira: composto por etapas de processamento e distribuição de produtos, subprodutos e resíduos de valor econômico até o consumo final. 

Desta forma, afastado da clássica divisão da economia entre os setores primário, secundário e terciário, o agronegócio pode ser definido, hoje, como um conjunto  integrado de atividades econômicas, que vai desde a fabricação e o suprimento de insumos, a formação de lavouras e a cria e recria de animais, passando pelo processamento, o acondicionamento, o armazenamento, a logística e distribuição para o consumo final dos produtos de origem agrícola, pecuária, de reflorestamento e aquicultura. Ainda, nessa mesma visão sistemática do moderno negócio agrícola, estão também envolvidas as formas de financiamento, as operações de seguro rural e contratos com as bolsas de mercadorias e futuros, orientadas através de políticas públicas específicas.

Também é importante pontuar que o conceito de sistema agroindustrial envolve além da produção, industrialização e comercialização de alimentos (sistema agroalimentar), o processo de produção de fibras e bioenergia (sistema agroindustrial). A isso podemos acrescentar as operações de fornecimento de insumos, o armazenamento, o processamento e a distribuição de produtos agrícolas e derivados para consumo. No contexto socioeconômico, o agronegócio além de delimitar os sistemas integrados de produção de alimentos, fibras e biomassa, operando desde o melhoramento genético até o produto final, no qual todos os agentes que se propõem a produzir matérias-primas agropecuárias devem invariavelmente se inserir, pequenos, médios ou grandes produtores, também podendo estar representados em qualquer de suas formas associativas.

Contextualizando o referido conceito econômico e a ordem jurídica, o Projeto de Lei do Senado (PLS) 487/2013, que institui o Novo Código Comercial, traz em seu art. 681 o conceito de agronegócio como "a rede de negócios que integra as atividades econômicas organizadas de fabricação e fornecimento de insumos, produção, processamento, beneficiamento e transformação, comercialização, armazenamento, logística e distribuição de bens agrícolas, pecuários, de reflorestamento e pesca, bem como seus subprodutos e resíduos de valor econômico."

A consequência prática dessa regulação do mercado agroindustrial, toma por foco à organização das atividades de tal forma a fazer prosperar a atividade e gerar margens e ganhos aos agentes produtivos e ganho de qualidade aos consumidores, na medida em que a interação entre as curvas de oferta e demanda e os agentes envolvidos não tenham dúvida quanto a ordem jurídica a ser aplicada. Esses diferentes arranjos existentes dos sistemas produtivos, hoje, tomam o regime empresarial na relação com mercado e formação das redes contratuais já destacadas. 

Impulsionada pelo crescimento da renda e pelos processos de urbanização, mudança tecnológica e globalização, a agricultura está se tornando cada vez mais intensiva em capital e integrada aos estágios antes e depois da porteira. Em decorrência desse processo, as diversas cadeias produtivas que compõem o complexo agroindustrial se tornam cada vez mais coordenadas verticalmente por agentes privados. Tais cadeias são organizadas como resposta estratégica dos participantes do agronegócio frente às demandas de mercados cada vez mais diferenciados. Como resultado desse processo de transformação os mercados ficam cada vez mais dependentes de ambientes de negociação seguros e transparentes e mais abertos à competição internacional.

A participação da empresa no processo produtivo, pode ser atingida com o máximo da integração entre as atividades, ou outros arranjos entre as empresas de diferentes elos da cadeia de produção, não somente como estratégia para aumentar seu poder de mercado, mas sim para reduzir incertezas e custos de transação. Dentro do contexto de eficiência, os SAGs devem estar estritamente coordenados de modo a maximizar os ganhos da produção, evidenciando a importância dos contratos nos sistemas agroindustriais e sua contextualização em um mercado organizado. Para que a coordenação atenda as expectativas e objetivos os mecanismos devem ser apropriados para isso, ou seja, os contratos possuem papel central na eficiência dos sistemas. Assim, o contrato como mecanismo de coordenação entre os agentes, ganha maior relevância ainda, diante da complexidade crescente do setor, decorrentes de mudanças estruturais dos mercados e de mudanças institucionais e tecnológicas que devem ser observadas.


Notas

1 ZYLBERSZTAJN Decio; NEVES, Marcos Fava; CALEMAN, Silvia M. de Queiroz. Gestão de sistemas de agronegócios, p. 5.

2 NORTH, Douglass C. Institutions, institutional change and economic performance, p. 184.

3 ZYLBERSZTAJN Decio; NEVES, Marcos Fava; CALEMAN, Silvia M. de Queiroz. Gestão de sistemas de agronegócios, p. 8.

4 ZYLBERSZTAJN Decio; NEVES, Marcos Fava; CALEMAN, Silvia M. de Queiroz. Gestão de sistemas de agronegócios, p. 14.

5 BARZEL, Yoram. Measurement cost and the organization of markets. The journal of law and economics, v. 25, p. 235-236.

6 ZYLBERSZTAJN Decio; NEVES, Marcos Fava; CALEMAN, Silvia M. de Queiroz. Gestão de sistemas de agronegócios, p. 19.

7 Uma cadeia ou sistema de produção é definido a partir da identificação de determinado produto final, em que são aplicados processos técnicos, comerciais e logísticos.


Referências

BARZEL, Yoram. Measurement cost and the organization of markets. The journal of law and economics, v. 25, abr., 1982. Disponível em: <http://www.journals.uchicago.edu/doi/abs/10.1086/467005?journalCode=jle>. Acesso em 30.03.2017.

NORTH, Douglass C. Institutions, institutional change and economic performance. Cambridge: Cambridge University Press, 1991.

ZYLBERSZTAJN Decio; NEVES, Marcos Fava; CALEMAN, Silvia M. de Queiroz. Gestão de sistemas de agronegócios. São Paulo: Atlas, 2015.


Citação

BURANELLO, Renato. Agronegócio: conceito. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Comercial. Fábio Ulhoa Coelho, Marcus Elidius Michelli de Almeida (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/208/edicao-1/agronegocio:-conceito

Edições

Tomo Direito Comercial, Edição 1, Julho de 2018

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