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Princípio da celeridade processual
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Emerson Ademir Borges de Oliveira
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Tomo Processo Civil, Edição 1, Junho de 2018
O processo civil brasileiro não coaduna mais com a vetusta ideia de que um processo deve ser demorado, de cognição plena e exauriente, para que seja justo, mesmo que isso custe a própria sorte dos direitos pleiteados. Muitas vezes, a satisfação, quando chegava, não era mais acompanhada pela mesma necessidade que motivara o autor a ir até o Judiciário.
Já há algum tempo, em vista de compromissos assumidos pelo Brasil no plano internacional, a Constituição e a legislação processual reclamavam a necessidade de previsões específicas para tratar da tutela judicial em tempo razoável, da mesma forma que se reclamava dos Poderes a necessidade de incremento de alternativas e soluções para que o Judiciário pudesse atender tais tutelas enquanto ainda fossem pungentes as violações a direitos.
Nesse aspecto, a criação de procedimentos específicos para a solução de direitos que pudessem ser alcunhados de menos complexos, bem como o maior estímulo à conciliação, redundaram, para atender ao mandamento constitucional (art. 98, I, CF), na Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/1995), bem como em sua larga implementação, na esfera federal e estadual.
Mas especialmente com a Reforma do Judiciário, propugnada em parte pela Emenda Constitucional 45, de 2004, o inciso XXXV do art. 5º da Constituição, que trata da inafastabilidade da jurisdição, viu-se complementado pela necessidade, agora esculpida no inciso LXXVIII do mesmo artigo, de que os processos, judiciais e administrativos, devam chegar à satisfação em tempo razoável, com garantia de celeridade em sua tramitação.
Foi essa mesma lógica que, recentemente, veio a inspirar o novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015), mormente em seus arts. 1º, 3º, § 3º, 4º e 6º, que, além de buscar o amparo constitucional do processo, insistem na necessidade de garantias para a solução satisfativa em tempo célere. É sobre esse tema que iremos discorrer.
1. História e desenvolvimento do princípio no direito brasileiro e a influência internacional
As preocupações que nortearam a confecção do Código de Processo Civil de 1973, de cunho muito mais técnico-cognitivo do que satisfativo, não se enquadram nas diretrizes propugnadas pela nossa Constituição, mesmo desde 1988, como por diversos documentos internacionais ratificados pelo Brasil, os quais, a princípio, tinham força no mínimo legal para se contrapor à injustificável demora processual.
Nesse aspecto, desde 1994, o Código de Processo viu-se submetido a diversas reformas que tiveram o intento de propiciar meios alternativos de satisfação e guarida, frente ao tempo que urge, bem como sincretismos processuais com o escopo de conferir abreviações e romper com interrupções absolutamente desnecessárias no processo.
A propósito, as mudanças legais visavam dar maior valia à força normativa da Constituição, que ganha importância não somente enquanto direitos a serem visados em um exercício de amplo lapso temporal. O tempo da Constituição é o presente e a hermenêutica constitucional é o motor propulsor que convida a repensar todo o sistema instituído e todo o quadro normativo a partir da própria Constituição. A leitura dos Direitos – que não devem ser limitados à lei, já que por vezes lhe contrariam – é refeita a partir da interpretação dos direitos fundamentais.
Enquanto modelo de princípios e valores,1 os direitos fundamentais refletem os anseios da coletividade no tocante aos direitos que devem lhe ser os mais básicos, os primeiros no topo do ordenamento jurídico, dispostos a guiar todos os outros direitos.
Nesse meio é que é possível visualizar, seja pela inafastabilidade da jurisdição, seja pela dignidade da pessoa humana, ou mesmo pela necessidade de um processo em tempo razoável, que a Constituição traz em seu bojo o direito à tutela jurisdicional efetiva, adequada e tempestiva, enquanto um direito fundamental. Mas não um direito fundamental com vistas a proteger outros de seus análogos, e sim o direito fundamental da tutela jurisdicional nos moldes a que nos referimos para qualquer outro direito.2
Assim, a jurisdição sob a ótica constitucional abandona a concepção romana do “dizer o direito”, para “satisfazer o direito”, assim como o Judiciário não mais compartilha da ideia meramente declaratória da vontade legal em sua completude, permitindo-se seu agir político, enquanto poder, a fim de atender os anseios sociais em suas ações.
No plano internacional, a vinculação brasileira ao processo célere data de 1992, ocasião em que o Brasil promulgou a Convenção Americana de Direitos Humanos (Decreto 678, de 6 de novembro de 1992), mais conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, de 22 de novembro de 1969.
Seu art. 8.1 assim se edifica:
“Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou um tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer natureza”.
Nota-se que o dispositivo internacional em questão estabelece cláusulas gerais para os princípios do juiz natural e da celeridade processual, dentre outros, não apenas no tocante ao processo penal, mas em qualquer processo. Ao depois, o art. 1º do Decreto 678, afirma que o Brasil deve cumprir a referida Convenção “tão inteiramente como nela se contém”.
Muito antes, em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de caráter cogente – norma internacional jus cogens –, já proclamava em seu art. 8º que “[t]oda pessoa tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei”.
A preocupação ocorre também no sistema europeu de direitos humanos, sendo que o art. 6º.1 da Convenção Europeia de Direitos Humanos, de 1950, assim se coloca:
“Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela”.
A propósito de tais previsões, como iremos abordar no último tópico, já se colecionam decisões no plano internacional por violações, perpetradas por países signatários, à razoabilidade temporal do processo.
Pois bem.
O acesso à justiça é preocupação latente do constituinte pátrio. Nesse aspecto, tratou de dar enorme amplitude ao tema por meio da previsão do art. 5º, XXXV, CF.
Mas o acesso à justiça, noção tão bem trabalhada por Garth e Cappelletti,3 não quer dizer alcançar o Judiciário, mas sim que este sirva àquele que lhe tem a pretensão com uma tutela do seu direito. Do contrário, não haveria qualquer sentido democrático na tutela jurisdicional. Como salienta Athos Gusmão Carneiro: “[n]os Estados nacionais modernos, a jurisdição é uma das expressões da soberania do Estado, e é exercida em nome do povo (CF, art.1º, parágrafo único, CF)”.4
Mais do que isso, acesso à justiça é a disponibilização por parte do Estado do cabedal suficiente para dar tutela ao direito pleiteado de forma digna, tempestiva, adequada e efetiva. Assim preceituam os autores supracitados:
“De fato, o direito ao acesso efetivo tem sido progressivamente reconhecido como sendo de importância capital entre os novos direitos individuais e sociais, uma vez que a titularidade de direito é destituída de sentido, na ausência de mecanismos para sua efetiva reivindicação. O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos”.5
Logo, não se trata de insuficiência verbal do art. 5º, XXXV, CF, mas de ausência de esforço hermenêutico para compreender que inafastabilidade da jurisdição somente pode ser compreendida se contiver em si a própria satisfação, eis que o mero acesso nada significa em termos práticos aos litigantes.
Nesse sentido, ensina-nos Marinoni:
“Mas o direito de ação não depende apenas de prestações estatais destinadas a remover os obstáculos econômicos que impedem o acesso à justiça, mas igualmente de prestações normativas instituidoras de técnicas processuais idôneas à viabilidade da obtenção das tutelas prometidas pelo direito substancial.
O direito de ação não é simplesmente o direito à resolução do mérito ou a uma sentença sobre o mérito. O direito de ação é o direito à efetiva e real viabilidade da obtenção da tutela do direito material”.6
Daí a preocupação patente em esclarecer, indene de dúvidas, que o mero acesso à justiça em si não basta, sendo necessário patentear a necessidade um processo célere e efetivo. Eis que a Reforma do Judiciário fez constar, nesse sentido, um novo direito fundamental no art. 5º, LXXVIII, CF: o direito fundamental à duração razoável do processo.
Para Samuel Arruda, trata-se de uma mudança de perspectiva. Num primeiro momento, a preocupação era com o alcance quantitativo da jurisdição, proporcionando que mais pessoas pudessem ir ao Judiciário. Num segundo instante, todavia, a preocupação passa a ser com a qualidade, efetividade e tempestividade da tutela jurisdicional prestada.7
O direito à celeridade processual volta-se objetivamente para todos os Poderes, vinculando-os, cada um à sua medida, a dar efetividade ao mandamento constitucional.
No mais, cumpre frisar que o direito a uma tutela em tempo razoável não se confunde, pura e simplesmente, com um processo rápido e nem se visualiza apenas no âmbito do tempo processual. Muito menos, define-se a priori. A análise de tempo razoável se desenha na prática, mormente a partir de três critérios indicados pela Corte Europeia de Direitos Humanos: complexidade da causa, conduta do julgador e conduta dos litigantes.8
“Esses critérios devem ser sopesados de acordo com as peculiaridades do caso; um não é mais importante do que o outro. Trata-se de elementos tipológicos; eles não são individualmente, nem necessários, nem suficientes, para a caracterização da demora irrazoável; vale para a sua configuração a visão de conjunto”.9
Finalmente, a previsão constitucional consolida-se no novo Código de Processo Civil, dando-lhe mais clareza, eficiência, parâmetros e instrumentos, mormente a partir das normas fundamentais da lei processual, como iremos tratar adiante.
2. O atual trato em âmbito constitucional e infraconstitucional
3. O direito fundamental á tutela jurisdicional efetiva
4. Algumas decisões judiciais relevantes
Notas
1 Ver ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales, pp. 138-147.
2 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil, p. 83.
3 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça, pp. 9-13.
4 CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e competência, p. 4.
5 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça, pp. 11-12.
6 MARINONI, Luiz Guilherme. Comentários ao art. 5º, XXXV. Comentários à Constituição do Brasil, p. 361.
7 ARRUDA, Samuel Miranda. Comentários ao art. 5º, LXXVIII. Comentários à Constituição do Brasil, pp. 507-508.
8 Idem, pp. 510-511.
9 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil, p. 109.
10 WEIS, Carlos. Direitos humanos contemporâneos, pp. 25-36.
11 STF, Tribunal Pleno, rel. Min. Cezar Peluso, j. 3.12.2008.
12 CUNHA JR., Dirley da. Curso de direito constitucional, p. 645.
13 “O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código”.
14 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil, p. 578.
15 “O direito fundamental à tutela jurisdicional tem eficácia apenas sobre o órgão estatal, pois se presta unicamente a vincular o modo de atuação da jurisdição, que possui a função de atender não apenas aos direitos fundamentais, porém sim a quaisquer direitos. É importante perceber, com efeito, que o direito fundamental à tutela jurisdicional, exatamente porque incide sobre o juiz, está preocupado com a efetividade da tutela de todos os direitos, e não apenas com a proteção dos direitos fundamentais”. (MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil, p. 83.)
16 MARINONI, Luis Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil, p. 33.
17 BARROSO, Luis Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da Constituição Brasileira, p.117.
18 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição, p. 405.
19 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição, p. 405.
20 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil, p. 114.
21 “Por outro lado, o legislador está consciente, hoje, de que deve dar aos jurisdicionados e ao juiz maior poder para a utilização do processo. É por isso que institui normas processuais abertas (como a do art.461 do CPC), ou seja, normas que oferecem um leque de instrumentos processuais, dando ao cidadão o poder de construir o modelo processual adequado e ao juiz o poder de utilizar a técnica processual idônea à tutela da situação concreta. O legislador, ao fixar tais normas, parte da premissa de que, por ser impossível predizer todas as necessidades futuras e concretas, é imprescindível dar poder aos operadores do direito para a identificação e a utilização dos meios processuais adequados às variadas situações (...) Além disso, as necessidades do caso concreto podem reclamar técnica processual não prevista em lei, quando o juiz poderá suprir a omissão obstaculizadora da realização do direito fundamental à tutela jurisdicional mediante o que se pode denominar de técnica de controle da inconstitucionalidade por omissão”. (Idem, p. 116.)
22 STF, HC 91.041, 1ª Turma, rel. Min. Carmen Lúcia, DJ 05.06.2007.
23 STF, HC 91.048, 2ª Turma, rel. Min. Eros Grau, DJ 14.08.2007.
24 ARRUDA, Samuel Miranda. Comentários ao art. 5º, LXXVIII. Comentários à Constituição do Brasil, p. 512.
Referências
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Madri: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002.
ARRUDA, Samuel Miranda. Comentários ao art. 5º, LXXVIII. Comentários à Constituição do Brasil. J. J. Gomes Canotilho, Gilmar F. Mendes, Ingo W. Sarlet, Lenio L. Streck (coords.). São Paulo: Saraiva: Almedina, 2013.
BARROSO, Luis Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da Constituição Brasileira. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1993.
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 3.ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1999.
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1988.
CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e competência. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 1996.
CUNHA JR, Dirley da. Curso de direito constitucional. 7. ed. Salvador: JusPodivm, 2013.
DIDIER JR, Fredie. Curso de direito processual civil. 19. ed. Salvador: JusPodivm, 2017. Volume 1: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento.
MARINONI, Luiz Guilherme. Comentários ao art. 5º, XXXV. Comentários à Constituição do Brasil. J. J. Gomes Canotilho, Gilmar F. Mendes, Ingo W. Sarlet, Lenio L. Streck (coords.). São Paulo: Saraiva: Almedina, 2013.
MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. Volume 1: teoria geral do processo.
MARINONI, Luis Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. Volume 2: processo de conhecimento.
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil. 3.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. Volume 1: teoria do processo civil.
WEIS, Carlos. Direitos humanos contemporâneos. São Paulo: Malheiros Editores, 2006.
Citação
OLIVEIRA, Emerson Ademir Borges de. Princípio da celeridade processual. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Processo Civil. Cassio Scarpinella Bueno, Olavo de Oliveira Neto (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/188/edicao-1/principio-da-celeridade-processual
Edições
Tomo Processo Civil, Edição 1,
Junho de 2018
Tomo Processo Civil, Edição 2,
Julho de 2021
Última publicação, Tomo Processo Civil, Edição 3,
Novembro de 2024
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