Embora o pagamento espontâneo deva ser considerado como a forma primária e natural do cumprimento de uma prestação, não sendo a obrigação espontaneamente desfeita dessa forma – seja porque o credor se recusou injustificadamente a receber o pagamento ou a dar regular quitação, seja porque o devedor ficou impedido, por motivos alheios à sua vontade, de realizar o pagamento (v. CC, art. 335), seja, ainda, pela impossibilidade de realização do depósito extrajudicial da importância devida, ou da recusa, pelo credor, do depósito realizado pelo devedor –, resta a este último, ou a qualquer outro interessado na extinção da obrigação, a via anormal do pagamento por consignação (CC, arts. 334 a 345).

Nesse passo, nas hipóteses expressamente previstas pela lei civil, o sistema processual coloca à disposição do interessado uma via que lhe permite promover o depósito da coisa ou do valor devidos, que uma vez efetivada lhe confere a quitação da sua prestação, liberando-o da dívida e dos seus respectivos encargos.

O perfil e as questões controversas referentes a esta via processual, denominada tradicionalmente pela lei “ação de consignação em pagamento” e que tem a sua disciplina geral prevista pelos art. 539 até 549, do atual Código de Processo Civil, outras palavras, a seguir será objeto deste verbete.

1. Introdução


1.1. O pagamento por consignação como modo anormal de extinção da obrigação


Na dicção do art. 304 do Código Civil (“CC”), “qualquer interessado na extinção da dívida pode pagá-la, usando, se o credor se opuser, dos meios conducentes à exoneração do devedor, salvo oposição deste”.

Dessa previsão legal extrai-se, primeiro, que o pagamento representa o modo normal de extinção da obrigação, mediante o cumprimento espontâneo da prestação devida. Extrai-se, mais, que não sendo a obrigação espontaneamente desfeita dessa forma – seja porque o credor se recusou injustificadamente a receber o pagamento ou a dar regular quitação, seja porque o devedor ficou impedido, por motivos alheios à sua vontade, de realizar o pagamento (v. CC, art. 335), seja, ainda, pela impossibilidade de realização do depósito extrajudicial da importância devida, ou da recusa, pelo credor, do depósito realizado pelo devedor –, resta a este último, ou a qualquer outro interessado na extinção da obrigação, a via anormal do pagamento por consignação (CC, arts. 334 a 345). 

Então, se, no caso concreto, não é admissível o depósito extrajudicial da prestação1 (v. NCPC,2 art. 539, §§ 1º a 4º), ou, sendo, dele não quiser utilizar-se o devedor (pois facultativa essa modalidade de depósito), deverá valer-se da via judicial para se liberar da dívida e dos respectivos encargos. Em outras palavras, essa modalidade de pagamento assume, nessa hipótese, a forma judicializada de desfazimento do vínculo obrigacional, daí o devedor, ou o terceiro interessado no pagamento, depender da realização do depósito judicial para a liberação da dívida, promovendo a ação de consignação em pagamento.


1.2. Situações autorizadoras do pagamento por consignação


O art. 335 do CC enuncia as hipóteses de cabimento do pagamento por consignação, todas elas atinentes ao mérito da ação consignatória, quando proposta pelo devedor ou interessado que não quis, ou não pôde valer-se do depósito extrajudicial.  Deduzida qualquer dessas situações como causa de pedir fática, sua não comprovação pelo autor-consignante, quando lhe couber o ônus probatório, implicará a rejeição do pedido pelo juiz (NCPC, arts. 373, I, e 487, I).


1.2.1. Recusa do credor 


Tratando-se de dívida portável (portable – CC, art. 327, caput, 2ª parte), caberá o pagamento por consignação se o credor recusar injustificadamente a oferta de pagamento feita pelo devedor ou se negar a dar-lhe a correspondente quitação (v. art. 320). Isto porque, diante dessa recusa em receber a coisa ou quantia ofertada, a inércia do devedor acarretará a sua mora; por outro lado, aceitando o credor a oferta de pagamento, sem, contudo, dar a correspondente quitação, o devedor também deverá proceder ao depósito, judicial ou extrajudicial (quando cabível) do bem objeto da prestação: afinal, não podendo comprovar a quitação da dívida, “pagou mal” e poderá ser compelido, no futuro, “a pagar duas vezes” (v. CC, arts. 308, 310 e 312).


1.2.2. Inércia do credor 


Sendo a dívida quesível (quérable), compete ao credor buscar o pagamento no domicílio do devedor (CC, art. 327, caput, 1ª parte). Não o fazendo no tempo ou no local estabelecidos, nem mandando procurador em seu lugar, igualmente poderá o devedor valer-se do pagamento por consignação para liberar-se da obrigação e de suas consequências (CC, arts. 337 e 400, 1ª parte). O mesmo ocorrerá se a obrigação tiver por objeto a entrega de coisa consistente em corpo certo, a ser entregue no mesmo local onde se encontra (v. g., coisa imóvel – arts. 328 e 341): se o credor não for, nem mandar procurador para recebê-la, o devedor efetuará o pagamento por consignação, neste caso devendo necessariamente promover a ação consignatória, pois inadmissível, por evidente, o depósito bancário de coisa diversa de dinheiro.


1.2.3. Credor incapaz, desconhecido, ausente ou em local desconhecido ou inacessível


Também é autorizada essa modalidade de pagamento quando o credor for incapaz de receber, não seja conhecido pelo devedor, houver sido declarado ausente, ou residir em lugar incerto, ou de acesso perigoso ou difícil.


a) Incapacidade do credor


Sendo incapaz o credor, o pagamento deverá ser feito na pessoa de seu representante legal (no caso de incapacidade absoluta), ou diretamente a ele, mas assistido por seu representante legal (no caso da incapacidade relativa). Ignorando o devedor quem seja o representante legal, ou este recusar-se a receber ou a dar quitação em nome do credor absolutamente incapaz, ou, no caso de incapacidade relativa, a conceder a indispensável assistência, restará ao primeiro valer-se da via consignatória. No entanto, é inadmissível o depósito extrajudicial da quantia devida, pois essa modalidade de extinção da obrigação pressupõe a capacidade civil do credor.


b) Credor falecido


O credor original faleceu e o devedor, por ignorar quem seja seu herdeiro, desconhece a quem pagar. Como o único modo de liberar-se da obrigação é o pagamento, deverá promover ação de consignação em pagamento, pois também inviável, neste caso, o depósito extrajudicial, adiante examinado


c) Credor ausente


O credor foi judicialmente declarado ausente (NCPC, arts. 744 e ss.), ao seu curador competindo receber e dar quitação. Se o devedor desconhece quem seja o curador, ou, mesmo o conhecendo, ignorar se ele tem poderes para receber e dar quitação, poderá valer-se da ação de consignação em pagamento para liberar-se da obrigação, igualmente não sendo possível, neste caso, lançar mão do depósito extrajudicial, pelas razões adiante expostas.


d) Credor em local incerto, ou de acesso perigoso ou difícil


Como nesses casos é impossível ao devedor efetuar o pagamento, a ação consignatória representará a via adequada para a liberação da obrigação, inviabilizado o depósito extrajudicial a que alude o § 1º do art. 539 do NCPC. Observe-se, porém, que a presente hipótese se refere somente à dívida portável; sendo ela quesível, a inércia do credor caracteriza a hipótese acima examinada (supra, item 1.2.2).


1.2.4. Dúvida quanto à titularidade do crédito


Ignorando o devedor a quem deva validamente efetuar o pagamento entre os pretendentes credores, poderá fazer uso do pagamento por consignação, promovendo a ação correspondente, também inviabilizado, neste caso, por evidente, o depósito extrajudicial.

Assim, havendo disputa judicial entre terceiros a respeito de determinado crédito – e tornando-se exigível a prestação no curso do processo, sem que o devedor tenha certeza a quem deva satisfazê-la –, ou ele assumirá o risco do pagamento, pagando a qualquer dos contendores (CC, art. 344), ou procederá à consignação judicial da prestação, isentando-se das consequências da mora (arts. 394, 395 e 399).


1.2.5. Litígio sobre o objeto do pagamento


Mesmo sendo conhecido o credor, poderá haver litígio acerca do objeto do pagamento.

Explicitando: o credor é certo, mas entre ele e terceiro trava-se disputa judicial tendo por objeto a quantia ou a coisa devida; consequentemente, não pode o devedor simplesmente efetuar o pagamento ao credor, pois, se o fizer, assume o risco de pagar mal. Terá, portanto, como única forma de livrar-se da obrigação, o pagamento por consignação, mediante a propositura da correspondente ação judicial, também sendo inviável, nessa hipótese, o depósito extrajudicial.

Tome-se, como exemplo, a situação em que o locador figura como réu em ação de reintegração de posse de imóvel locado e o inquilino é formalmente cientificado da existência do litígio. Ele não poderá simplesmente deixar efetuar o pagamento dos alugueres ao réu, contratualmente seu credor, sob pena de despejo, nem é aconselhável que o pague, pois corre o risco de estar pagando mal, caso vitorioso o autor da ação possessória – que, nessa hipótese, terá direito aos frutos do bem, quais sejam os alugueres. Mas também não pode realizar o pagamento diretamente ao autor, assumindo o risco do pagamento, pois ainda inexiste decisão judicial sobre o pedido possessório (CC, art. 344). Resta-lhe, portanto, nesse caso, proceder ao depósito dos alugueres no próprio processo em curso, sem necessidade de ajuizar a ação de consignação em pagamento.  


1.2.6. Outras hipóteses de pagamento por consignação


Além daquelas até aqui examinadas, há outras hipóteses ensejadoras de pagamento por consignação, como na desapropriação (Decreto-lei no 3.365/1941, arts. 33 e 34, parágrafo único) e na liberação de débito fiscal (CTN, arts. 156, VIII e 164).


2. A ação de consignação em pagamento


2.1. Extinção da obrigação via judicial


Nascida a obrigação, será ela normalmente desfeita, como já salientado, por meio do pagamento, que se opera no momento em que o devedor satisfaça o credor, cumprindo a prestação devida, extinguindo-se, então, o vínculo obrigacional e os encargos e ônus dele eventualmente resultantes (CC, arts. 304 a 333). Mas nem sempre a obrigação é voluntariamente desfeita dessa forma, seja porque o devedor se tornou inadimplente, não ofertando a prestação no tempo, lugar ou modo estabelecidos pela lei ou pelo contrato (mora do devedor ou mora solvendi – CC, arts. 394 ss.), seja porque o próprio credor se recusa injustificadamente a receber o pagamento, ou a dar quitação (mora do credor ou mora accipiendi), seja, finalmente, porque o devedor ficou impedido, por motivos alheios à sua vontade, de realizar o pagamento. 

Nos dois últimos casos (mora accipiendi e impossibilidade de pagamento por motivo alheio à vontade do devedor), poderá a obrigação ser extinta por meio do pagamento por consignação (CC, arts. 334 a 345), que se perfaz com o depósito da quantia ou coisa devida, o qual, sendo aceito pelo credor ou vindo a ser declarado válido e suficiente por sentença judicial, tem o condão de extinguir a obrigação, liberando o devedor.


2.2. A ação de consignação em pagamento


Sendo inadmissível o depósito bancário ou dele não querendo valer-se o devedor, restar-lhe-á apenas a via judicial, com a promoção da ação de consignação em pagamento, também designada como ação consignatória.


2.2.1. Legitimidade ativa


Estão ativamente legitimados a promover a ação consignatória o devedor e o terceiro juridicamente interessado no pagamento da dívida, como o fiador, o sócio etc. (v. CC, art. 304).


2.2.2. Legitimidade passiva


É conferida ao credor conhecido, àquele que alegue tal condição junto ao devedor ou, ainda, sendo desconhecido, ao credor incerto, a ser citado por edital, em seu favor intervindo, se for o caso, o defensor público ou aquele nomeado pelo juiz (curador especial – NCPC, art. 72, II e parágrafo único).  O credor incapaz também figurará como réu, mas representado ou assistido por seu representante legal, também intervindo obrigatoriamente no processo, nesse caso, o órgão do Ministério Público, na qualidade de fiscal da ordem jurídica (NCPC, arts. 178, II).

Havendo dúvida quanto à titularidade do crédito (supra, item 1.2.4 e infra, item 2.11), figurarão como litisconsortes passivos aqueles que se intitulam credores (os pretendentes ou sedizentes credores).


2.3. Foro e juízo competentes


O art. 540 do NCPC estabelece regra de competência de foro, ou territorial, valendo como critério determinativo o lugar do pagamento da quantia ou coisa devida. Juízo competente, por sua vez, será o estadual, federal ou trabalhista, dependendo da qualidade da parte ou da natureza da prestação (v.g., consignatória de tributo ou de verba trabalhista).


2.3.1. Critérios determinativos da competência de foro


Sendo a dívida quesível (CC, arts. 327, 1ª parte, e 337), o foro competente é o do domicílio do autor (devedor); sendo portável (art. 327, in fine), aquele onde se situa o domicílio do credor (réu), ou o contratualmente eleito (foro de eleição: NCPC, art. 63), pouco importando, com base nesses critérios determinativos de competência, a natureza do bem objeto da prestação – tanto que não recepcionado o critério estabelecido no parágrafo único do art. 891 do CPC/1973.

 

2.3.2. A relatividade da competência para a ação consignatória 


A competência territorial ou de foro é relativa, por definição. Logo, se a ação consignatória for ajuizada no foro incompetente, caberá ao réu alegar a incompetência relativa, como questão preliminar da contestação (NCPC, art. 64), sob pena de operar-se a prorrogação da competência (art. 65). O mesmo não se aplica, porém, à competência de juízo, absoluta e improrrogável.

 

2.3.3. A existência de litisconsórcio passivo

 

Poderão figurar como réus duas ou mais pessoas – como na hipótese prevista no art. 547 do NCPC; tendo domicílios diferentes, prevalecerá a regra de competência territorial estampada no § 4º do art. 46 do mesmo Código, podendo a ação consignatória ser proposta no foro de qualquer deles, à escolha do autor. Contudo, se a prestação consignanda for quesível, ou houver previsão de foro de eleição, a competência será, respectivamente, do foro do domicílio do autor-devedor consignante, ou do foro contratualmente eleito pelas partes.


2.4. Ação de consignação em pagamento e prestações sucessivas


Afastando-se da nomenclatura adotada pelo CC – e que foi recepcionada pelo CPC/1973 –, em seu art. 541 o NCPC refere-se às prestações sucessivas (ao invés de periódicas), assim entendidas as oriundas de contratos de trato sucessivo, cujo cumprimento perdura no tempo e compreende prestações também deferidas no tempo, repetindo-se em intervalos, regulares ou não (v. g., alugueres, prestações alimentares, mensalidades escolares etc.).

 

2.4.1. Pedido implícito de prestações sucessivas


Ao promover a ação de consignação em pagamento, o autor deverá indicar na petição inicial, explicitamente, a prestação (ou prestações) vencida, objeto do pedido; neste também se incluem as prestações vincendas, à medida que se tornarem exigíveis e desde que tempestivamente depositadas no curso do processo.


2.4.2. Consignação de prestações sucessivas


Duas hipóteses devem ser consideradas, levando-se em conta a existência, ou não, de depósito extrajudicial antecedente à propositura da ação consignatória (v. NCPC, art. 539, §§ 1º a 4º).

Realizado o depósito extrajudicial da prestação pecuniária, nada obsta, em caso de recusa do credor, que o devedor utilize a mesma conta bancária para a efetivação do depósito da prestação vencida imediatamente em seguida, se e quando, no momento de seu vencimento, ainda não estiver instaurado o processo consignatório. Se, entre a recusa do credor e o ajuizamento da ação consignatória (a ocorrer, no máximo, até 30 dias após aquela) vier a vencer nova prestação (v. g., prestação semanal, quinzenal), poderá o depositante depositá-la na mesma conta bancária, novamente cientificando o credor do depósito. E, tão logo ingresse em juízo com a ação consignatória, deverá instruir a petição inicial também com os documentos comprobatórios desse segundo depósito e da respectiva cientificação do credor. A solução ora preconizada atende perfeitamente ao espírito da lei e possibilita aos interessados, sendo aceitos os depósitos, a imediata satisfação de seus interesses.

Efetivado o depósito judicial, as prestações vincendas deverão ser depositadas, à medida que vençam, no processo a essa altura já instaurado, até cinco dias a contar da data do respectivo vencimento

É evidente a desnecessidade de citação do réu a cada novo depósito, bem como a impossibilidade de reabrir-se prazo para contestação, porque não há nova demanda a ensejar defesa; nada obsta, porém, a que o réu impugne qualquer dos depósitos, decidindo o juiz a respeito. A possibilidade de utilização do mesmo processo para a continuidade dos depósitos encontra sua razão de ser na natureza implícita do pedido consignatório (NCPC, arts. 323 e 541), assim tornando desnecessária a propositura de nova ação a cada vencimento de nova prestação.

Não sendo depositada qualquer das prestações vencidas no quinquídio legal, com o consequente rompimento da cadeia de depósitos, essa prestação inadimplida ainda poderá ser depositada, antes do vencimento da próxima, com os acréscimos legais e ou contratuais, medida que melhor atende aos interesses das partes e aos escopos do processo; emendada a mora, restabelece-se a ordem de depósitos das prestações vincendas, até que sobrevenha a decisão judicial definitiva. Ao contrário, permanecendo a situação de inadimplência, o juiz deverá proceder ao julgamento do pedido consignatório, acolhendo-o em parte, se e quando reconhecer que as prestações tempestivamente depositadas ensejaram o adimplemento parcial da obrigação, com a observância, então, do disposto no art. 86 e seu parágrafo, do NCPC.

Finalmente, apesar de o NCPC omitir-se (como já se omitira o anterior) quanto ao momento em que o processo não mais se prestará ao depósito das prestações vincendas, seria razoável sustentar, por aplicação analógica de disposição expressa da Lei de locação predial urbana (Lei 8.245/1991, art. 67, III), que ele coincidiria com a prolação da sentença; e, mesmo havendo apelação pendente de julgamento, deveria o devedor ajuizar nova ação, se e quando persistisse o estado de coisas determinante da propositura da anterior. Não é esse, no entanto, o entendimento predominante no Superior Tribunal de Justiça, ao decidir que os depósitos dessas prestações possam ser efetuados até o trânsito em julgado, evitando-se a multiplicação de demandas. 


2.5. Valor da causa 


Como a lei exige a atribuição de valor certo à causa, correspondente à sua expressão econômica (NCPC, art. 291), à ação consignatória tendo por objeto coisa será atribuído o seu valor de mercado ou, se for o caso, aquele indicado em contrato; à consignatória tendo por objeto prestação pecuniária única, o valor deverá correspondente ao dessa prestação; havendo prestações vincendas, o valor da causa corresponderá à soma delas, quando a obrigação for por tempo inferior a um ano, ou, finalmente, a uma prestação anual, se por tempo indeterminado ou superior a um ano (§ 2º).

 

2.6. Depósito judicial 


Ressalvada a existência de depósito extrajudicial antecedente à propositura da ação consignatória (e desde que ele esteja comprovado, com a respectiva recusa do credor, por documentos que instruirão a petição inicial), caberá ao autor promover o depósito da coisa ou da prestação pecuniária (em relação a esta, nos casos em que não se valeu do depósito extrajudicial, ou deixou escoar inutilmente o prazo estabelecido pelo art. 539, §§ 3º e 4º do NCPC) no prazo preclusivo de cinco dias, a contar do deferimento da petição inicial (art. 542, I). 

O depósito de quantia certa será realizado em conta judicial, à disposição do juízo, com a incidência de juros legais e correção monetária.

Não realizado o depósito no prazo legal, o juiz decretará a extinção do processo, sem resolução do mérito, porque, na ausência daquele, ficam inviabilizadas quer a oferta de defesa pelo credor-réu (ou a aceitação, por ele, da quantia ou coisa devida), quer a faculdade de eventual complementação pelo autor (NCPC, art. 545). Além disso – e principalmente –, a ausência do depósito contraria a própria razão de ser da ação consignatória, pois é ele o elemento liberatório dos riscos da dívida e instrumento de extinção da obrigação. Afinal, declarada por sentença a sua idoneidade (integralidade e pertinência da quantia ou da coisa depositada), o depósito faz cessar os juros e os riscos da dívida (CC, arts. 400 e 337) e libera o autor consignante do vínculo obrigacional (CC, art. 334).

 

2.6.1. Efeitos do depósito judicial 


Assim que efetivado, o depósito produzirá os seguintes efeitos materiais:

a) a liberação do devedor do vínculo obrigacional: satisfeita a prestação devida, dá-se a extinção da obrigação (CC, art. 334 e NCPC, arts. 539, § 2º e 546, conjugados);

b) a cessação dos juros: feito o depósito da quantia devida e acolhido, ao final, o pedido consignatório, estará o devedor desobrigado dos juros (CC, art. 337 – v. NCPC, art. 540). Há, contudo, divergência se os juros que deixarão de incidir são apenas os convencionais (juros da dívida) ou também os moratórios. Inexiste dúvida, no entanto, de que serão devidos os juros anteriores à satisfação da prestação, daí a necessidade de sua inclusão no depósito; já os juros moratórios não fluem se estiver caracterizada a mora accipiendi (CC, art. 396); 

c) a transferência dos riscos da dívida para o credor: com o depósito, transferem-se os riscos da dívida ao credor-réu, invertendo-se a regra res perit debitoris para res perit creditoris; por outras palavras, efetuado o depósito (e desde que ele seja aceito pelo credor ou judicialmente declarado idôneo), os eventuais riscos derivados da obrigação transferem-se ao credor, que os suportará (CC, art. 337 - v. NCPC, art. 540); se a coisa depositada vier a depreciar-se ou deteriorar-se antes do provimento judicial favorável ao autor consignante, ainda assim o credor-réu suportará os prejuízos daí advindos, pois o efeito declaratório da sentença opera-se ex tunc.


2.7. Citação do réu


Efetivado o depósito, daí – e só então – será ordenada a citação do réu, para que oferte resposta no prazo de 15 dias úteis. Antes de ordenar a citação, deverá o juiz aguardar a realização do depósito, pois a concretização daquele ato processual depende da litispendência do processo e esta, por sua vez, da realização tempestiva do depósito, haja vista a previsão de extinção anormal contida no parágrafo único do art. 542 do NCPC.

Concretizada a citação, em qualquer das modalidades previstas em lei, no prazo legal o réu:

a) não oferta resposta tempestiva e, decretada sua revelia por ausência de contestação oportuna, uma das seguintes hipóteses irá concretizar-se: (i) sendo o revel capaz e tendo sido citado pessoalmente, o juiz acolherá de plano o pedido formulado pelo autor e declarará extinta a obrigação, condenando o primeiro a pagar as custas e os honorários advocatícios (NCPC, art. 355, II), salvo se ocorrente qualquer das hipóteses enunciadas no art. 345 do mesmo diploma legal; (ii) sendo incapaz, o representante do Ministério Público intervirá no processo, sem prejuízo da representação legal do réu assistido (NCPC, art. 178, II, c.c. art. 279); (iii) se o réu não estiver sujeito ao efeito da revelia (v. art. 345) e descouber, ainda, o julgamento antecipado do pedido previsto no inc. I do art. 355, do NCPC, o juiz procederá nos termos do art. 357, segunda parte, do mesmo diploma legal; (iv) estando o réu preso, ou tendo sido citado fictamente (com hora certa ou por edital), o juiz designar-lhe-á defensor público, que deverá ofertar contestação (NCPC, art. 72, II e parágrafo único); 

b) comparece em juízo, por si ou procurador e aceita, sem ressalvas, a quantia ou a coisa depositada, dando a devida quitação; caracterizado, então, o reconhecimento da procedência do pedido, o juiz o homologará por sentença, com a consequente extinção do processo, com resolução de mérito, respondendo o réu pelo pagamento das custas e honorários advocatícios (NCPC, arts. 487, III, a); 

c)  oferta contestação (v., infra, item 2.9). 


2.8. Direito de escolha da coisa devida


Tanto nas obrigações de dar coisa incerta (CC, arts. 243 a 246), quanto nas obrigações alternativas (arts. 252 a 256), é direito do devedor a escolha da coisa a ser entregue ao credor, salvo se estipulado de forma diversa. Daí, as previsões do art. 543 do NCPC a respeito da escolha e depósito da coisa, a saber: tendo o credor-réu o direito de escolher a coisa devida, será citado para (a) exercê-lo no prazo de cinco dias, se outro não constar da lei ou contrato, ou (b) para aceitar que o devedor o faça, fixando o juiz, ao despachar a petição inicial, o lugar, dia e hora em que se dará a entrega da coisa, sob pena de depósito.

Comparecendo o credor-réu (ou terceiro, em seu nome), ao escolher e receber a coisa objeto da prestação devida dará quitação ao devedor, competindo ao juiz proceder, neste caso, de acordo com os termos do parágrafo único do art. 546 do diploma processual; não comparecendo, caberá ao autor a escolha, com a observância do disposto na última parte do art. 244 do CC, efetivando-se então o depósito. Observe-se que o não comparecimento do réu para a escolha da coisa não o impedirá de ofertar resposta oportuna.


2.9. Defesas do réu: o art. 544 do NCPC


Efetivado o depósito e citado o réu (ou apenas citado, no caso de o depósito já haver sido realizado extrajudicialmente), ele poderá (a) aceitá-lo e levantá-lo, (b) permanecer omisso ou (c) ofertar resposta, consistente em contestação e/ou reconvenção (v. NCPC, art. 343). Contestando, poderá deduzir não apenas as defesas de mérito enunciadas nos incisos do art. 544 do NCPC: também lhe é facultado arguir, em sede preliminar, qualquer das defesas de natureza técnica indicadas no art. 337 e, ainda, outras tantas no que tange ao mérito da causa, como a falsidade da afirmação do autor no sentido de que estava em local incerto ou inacessível, ou, ainda, que fosse ignorado por ele o verdadeiro titular do crédito objeto do depósito. Em suma, o art. 544 não esgota o rol das matérias de defesa, embora sejam objeto de exame, nesta oportunidade, apenas aquelas contidas em seus incisos.


2.9.1. A defesa indicada no inc. I

 

Se o réu contestante sustentar a inocorrência de recusa ou de mora no recebimento da quantia ou da coisa devida (e sendo a dívida de natureza portável), é do autor o ônus da prova do fato constitutivo de seu direito (NCPC, art. 373, I), cabendo-lhe demonstrar haver diligenciado, sem sucesso, o pagamento junto ao credor; tratando-se de dívida quesível, bastará ao autor afirmar que o réu não foi, nem mandou buscar a prestação devida, no tempo, lugar e modo convencionados, competindo ao segundo, neste caso, o ônus de provar que diligenciou o recebimento.


2.9.2. A defesa indicada no inc. II 


O réu poderá reconhecer a recusa afirmada na petição inicial, mas fundar sua defesa na justeza de seu comportamento, alegando, por exemplo, a ausência de qualquer dos requisitos do pagamento, à época da oferta da prestação pelo devedor,  circunstância que invalidaria aquele ato extintivo da obrigação; apresentada essa sua linha de defesa, será dele o ônus da prova (NCPC, art. 333, I).


2.9.3. A defesa indicada no inc. III


É lícito ao réu sustentar, em sua contestação, que o depósito de prestação portável não foi realizado pelo autor no prazo ou no lugar do pagamento (CC, arts. 327 a 333 e 394), hipótese que enseja uma série de considerações:

a)  ao referir-se à inadequação do lugar do depósito e à intempestividade de sua ocorrência, o Código autoriza a apresentação de defesa fundada na imprestabilidade da prestação, quando esta tenha por objeto uma coisa, não uma determinada quantia em dinheiro, pois as prestações de natureza pecuniária jamais se tornam inúteis; aliás, ainda que o devedor de prestação pecuniária já esteja em mora, mas queira furtar-se aos seus efeitos, poderá pleitear o depósito, com o acréscimo das importâncias devidas a título de ressarcimento pelos prejuízos impostos ao credor até a data de sua efetivação (CC, art. 401, I). No entanto, se o autor-consignante for devedor de prestação de dar ou de restituir coisa e já se encontrar em mora por ocasião do depósito (sendo inútil, a essa altura, a prestação dele objeto – CC, art. 395, parágrafo único), deverá o credor-réu fundar sua defesa nessa inutilidade da prestação, decorrente da intempestividade do depósito e da inadequação do local onde foi realizado; 

b)  sendo a dívida portável, o local do pagamento é o do domicílio do credor, ou outro lugar por ele designado contratualmente; tendo natureza quesível, o local do pagamento coincidirá com o do domicílio do devedor, ali devendo o credor buscar o pagamento; se o devedor ofertou a prestação portável em local diverso do estabelecido, estará, só por isso, em mora (CC, art. 394), sendo justa, portanto, a recusa do credor em recebê-la. E, efetivado o depósito pelo primeiro, a defesa do segundo também poderá vir fundada no inciso sob exame; 

c)  a circunstância de ter sido o depósito realizado em local diverso daquele do pagamento poderá ensejar ao réu a arguição de uma defesa processual indireta e outra de mérito, isto é, poderá tanto arguir a incompetência de foro (NCPC, arts. 64 e 337, II), quanto apresentar contestação fundada na inadequação do depósito, pois inconfundíveis as defesas relacionadas ao processo, à ação ou ao meritum causae. Ao sustentar que o depósito não foi efetivado no lugar do pagamento (NCPC, art. 544, III), o réu estará deduzindo defesa de mérito, negando o fundamento do pedido deduzido pelo autor; atacando a validade do processo, via arguição da incompetência territorial, ele visa, simplesmente, dilatar a relação processual no tempo, retardando o pronunciamento jurisdicional sobre o mérito. 

Acolhida a primeira defesa, impõe-se o decreto de rejeição do pedido consignatório; acolhida a segunda, o processo será encaminhado ao órgão territorialmente competente para processar e julgar a ação – circunstâncias indicativas de que as regras processuais pertinentes à fixação da competência territorial não se confundem com aquelas de direito material atinentes ao lugar de pagamento. Então, mesmo vindo a ser repelida a arguição de incompetência de foro, ou ocorrendo a prorrogação convencional tácita da competência, nem por isso deverá o juiz reconhecer, ao pronunciar-se sobre o mérito, que o depósito foi adequadamente efetuado no local do pagamento.


2.9.4. A defesa indicada no inc. IV


Finalmente, o réu poderá alegar a não integralidade do depósito, sob o argumento de que a quantia ou a quantidade de coisas depositadas não corresponde à totalidade da dívida. Adotando essa linha de defesa, compete-lhe indicar o montante que repute devido, sob pena de ser desconsiderada a sua alegação (NCPC, art. 544, parágrafo único), até porque, vindo a ser rejeitado o pedido consignatório, o juiz condenará o autor-consignante ao pagamento da diferença reclamada pelo credor-réu, mercê da natureza dúplice, nesta hipótese, da ação consignatória. Por outras palavras, sendo a contestação fundada na insuficiência do depósito, a ação de consignação em pagamento assume natureza dúplice e, rejeitado o pedido formulado pelo autor, o juiz o condenará, independentemente da oferta de reconvenção pelo réu, a satisfazer o montante devido (a diferença apontada na contestação – art. 544, parágrafo único); e como a sentença conterá carga condenatória, valerá como título executivo judicial (art. 515, I), incidindo, então, o disposto nos arts. 520 e ss., do NCPC.

Observe-se, de outra parte, que se a quantia (ou a coisa) depositada for inferior (ou diversa, em qualidade ou quantidade) àquela efetivamente devida, o réu irá defender-se com a alegação de que o depósito não atende à plenitude de seu crédito. Reconhecendo o autor a pertinência dessa impugnação, poderá complementar o depósito, no prazo estabelecido pelo art. 545, salvo se a prestação já houver se tornado inútil ou impossível, a impor a rescisão do contrato.


2.10. Complementação do depósito


Alegando o réu a insuficiência do depósito realizado pelo autor, seja ele o extrajudicial (NCPC, art. 539, § 3º) ou o judicial (art. 542, IV), cumpre-lhe indicar o exato montante que entenda devido, discriminando as verbas (ou os bens) que o integram, pois a não indicação acarretará a pura e simples desconsideração dessa defesa (art. 544, parágrafo único), caso em que estará, tecnicamente, na mesma situação do réu revel, sofrendo as consequências que daí advêm. Além disso, a não discriminação dos elementos integrantes da prestação que o réu considera devida poderá gerar dúvidas que inviabilizem o exercício, pelo autor, da faculdade legalmente assegurada de complementar o depósito já realizado. Finalmente, apenas quando se tratar de prestação líquida (liquidez que diz respeito, neste caso, à diferença existente entre a quantia ou quantidade de coisas já depositadas pelo autor e aquela reputada devida pelo réu) é que existirá o título executivo judicial a que alude o art. 545 em seu § 2º, bastando, quando for o caso, proceder à prévia liquidação.

Reconhecendo o autor a pertinência da defesa calcada na insuficiência do depósito, poderá complementá-lo em dez dias, a contar da data em que for cientificado do teor da contestação. É evidente que nem sempre será possível a complementação, como deflui da ressalva contida no art. 545: se a prestação devida já se tornou imprestável ao réu, não aproveitará ao autor o exercício da faculdade conferida por lei, respondendo ele, isto sim, pelas perdas e danos decorrentes de sua mora (CC, art. 395, parágrafo único). Evidente, ainda, que a prestação só será eventualmente imprestável quando tenha por objeto a entrega ou restituição de coisa (CC, arts. 395 e 399); sendo prestação pecuniária (obrigação de dar dinheiro), ela sempre será útil ao credor.

Convém atentar para duas consequências decorrentes da complementação: (a) se a única alegação do réu foi a insuficiência do depósito, a sua complementação pelo autor implicará a prolação de sentença de mérito, pois o motivo da recusa deixou de existir (NCPC, art. 487, III, a); (b) tendo o réu deduzido outras defesas, a complementação terá apenas o condão de reduzir os limites da controvérsia, mas não o de eliminá-la, devendo o processo prosseguir até a decisão final que solucione as questões remanescentes.

Interessante observar que, nesse caso, a complementação do depósito pelo autor-consignante equivale ao reconhecimento da procedência da defesa pelo autor, hipótese não encartada no rol das decisões de mérito (NCPC, art. 487).

Mesmo que o autor não complemente o depósito, ainda assim poderá o credor-réu levantar a quantia ou coisa depositada, pois a controvérsia estará limitada exclusivamente à diferença por ele reclamada, hipótese em que se justifica o julgamento antecipado parcial do mérito (NCPC, art. 356, I). Essa antecipação permite ao credor-réu, sem prejuízo da contestação ofertada, o levantamento da quantia ou da coisa depositada, com a consequente liberação parcial do autor, prosseguindo o processo quanto à parcela controvertida. Trata-se, pois, de providência extremamente benéfica, quer por ensejar ao autor a sua desoneração dessas prestações, livrando-se, no que a elas respeita, dos riscos e ônus da mora, quer por permitir ao réu a pronta satisfação desses créditos.   

Importante salientar, na sequência, que o levantamento do depósito cabe também na situação do inc. I do art. 544 e não, exclusivamente, em se tratando de contestação fundada na insuficiência do depósito.

 

2.10.1. A não complementação do depósito e suas consequências


Examinemos algumas situações relacionadas à não complementação do depósito:

a) o autor não complementa o depósito, mas o juiz se convence, ao final, da correção e adequação daquele originalmente realizado: deverá acolher o pedido consignatório e declarar extinta a obrigação, arcando o réu com o ônus da sucumbência, pois se revelou injustificada a sua resistência;

b) reconhecida a insuficiência do depósito, o juiz adotará uma, entre as seguintes providências: (i) se o réu não efetuou o levantamento do depósito, facultado (mas não imposto!) pelo § 1º do art. 545, será rejeitado o pedido consignatório, arcando o autor, com exclusividade, com as consequências decorrentes da sucumbência; e, independentemente de dedução de pedido reconvencional pelo réu (mercê da natureza dúplice, neste caso, da ação consignatória), o autor consignante será ainda condenado ao pagamento (ou à entrega) da diferença da quantia (ou da coisa) devida, valendo a sentença como título executivo judicial, a permitir ao credor-réu a sua execução. Apelação que vier a ser interposta à sentença terá o denominado efeito suspensivo (NCPC, art. 1.012), razão pela qual a execução só poderá ser a definitiva, no aguardo do trânsito em julgado material daquele ato decisório; (ii) se o réu levantou o depósito, as consequências serão idênticas às enunciadas no item anterior, seja porque o levantamento atinge apenas as parcelas incontroversas, não autorizando a conclusão de que, ao levantá-las, ele tenha reconhecido a pertinência e a suficiência do depósito, seja porque, caso reconhecida judicialmente, ao final, a não integralidade do depósito, estará demonstrada a correção da conduta do réu ao recusá-lo, nos moldes em que foi efetivado pelo autor, circunstância suficiente, por si só, a ensejar a rejeição do pedido consignatório.


2.11. Ação de consignação em pagamento fundada na dúvida quanto à titularidade do crédito


Ignorando o devedor quem seja o credor ou, ainda, duas ou mais pessoas comparecerem perante ele intitulando-se titulares do mesmo crédito, torna-se impossível, ou potencialmente perigoso, o cumprimento a obrigação, seja por desconhecer a quem efetuar o pagamento (na primeira hipótese), seja por não poder efetuá-lo a qualquer dos pretendentes credores (na segunda), sob pena de pagar mal e sofrer as consequências que daí advirão.  Consequentemente, o devedor deverá promover a ação consignatória, competindo ao juiz decidir, ao final, quem é o legítimo credor (NCPC, arts. 547 e 548).

Interpretação apressada do artigo sob exame poderia levar à errônea conclusão de que ele se refira exclusivamente à hipótese do inc. IV do art. 335 do CC. Assim não é, porém, pois ele também terá incidência no caso de a dúvida resultar do absoluto desconhecimento de quem possua a qualidade de credor.

Conhecendo o autor os pretendentes credores, estes serão pessoalmente citados; não os conhecendo, ou estando em local inacessível, ignorado ou incerto, a citação será realizada por edital, devendo intervir no processo o Defensor Público, caso ocorra a revelia de qualquer deles (NCPC, art. 72, II).


2.11.1. Posturas dos réus 


Proposta a ação consignatória, efetivado o depósito e citados os réus em litisconsórcio necessário – mas não unitário –, uma, entre três hipóteses, poderá ocorrer: (a) nenhum deles comparece no processo; (b) comparece apenas um; e (c) comparecem dois ou mais (art. 548).

a) revelia: não comparecendo ao processo qualquer dos réus, o juiz decretará a revelia de todos e proferirá sentença de procedência, declarando a correção e a integralidade do depósito realizado pelo autor, procedendo-se, em seguida, à conversão do depósito em arrecadação de coisas vagas (NCPC, art. 744);

b) comparecimento de um litisconsorte passivo: nesse caso, demonstrando o comparecente, documentalmente, o seu legítimo direito à quantia ou à coisa depositada, o juiz proferirá sentença de procedência, declarando efetuado o depósito, liberando o autor-devedor da obrigação e deferindo o levantamento do depósito em favor do réu-credor. Cumpre alertar, porém, que apesar de o art. 548, II, prever o julgamento de plano, eventualmente será necessária a instrução probatória, possibilitando ao réu comparecente a comprovação de seu direito por prova diversa da documental; se este não comprovar o seu direito sobre a coisa ou a quantia depositada, declarar-se-á, por sentença, efetuado o depósito e liberado o autor-devedor da obrigação, procedendo-se à conversão do depósito em arrecadação de coisas vagas (v. NCPC, art. 746).

c) comparecimento de dois ou mais litisconsortes passivos: há três hipóteses a considerar:

1ª - O depósito é impugnado, sob o argumento de não ser integral: sendo possível a complementação pelo autor, após a sua realização o juiz procederá nos moldes do art. 545 do NCPC; 

2ª - Há impugnação ao depósito, ao argumento de inexistência de dúvida acerca da titularidade do crédito, ou de ocorrência de qualquer das circunstâncias apontadas no inc. III do art. 544: o processo prosseguirá, com a observância do procedimento comum (art. 316), mantidas as mesmas partes. O mesmo sucederá se, impugnado o depósito por não ser ele integral, for impossível – ou não requerida – a sua complementação pelo autor (NCPC, arts. 544, IV e 545);

3ª - O depósito não é impugnado por qualquer dos réus: o juiz o declarará efetuado e o autor-consignante liberado da obrigação, com sua consequente exclusão do processo; este então prosseguirá unicamente entre os réus, que assumirão, a partir daí, a dupla condição de sujeitos ativos e passivos da relação jurídica processual, adotado o procedimento comum. Por outras palavras, com a exclusão do autor original opera-se a movimentação e a acomodação das partes remanescentes na relação jurídica processual já instaurada e, no mesmo processo, caberá ao juiz decidir a questão pertinente à titularidade do crédito. No regime do NCPC, esse ato liberatório do autor original tem natureza de decisão interlocutória de mérito e, apesar da singularidade da situação, pode ser encartado na hipótese prevista no inciso I do art. 356, comportando impugnação, se for o caso, por agravo de instrumento (§ 5º).

 

2.12. Natureza da sentença


A ação consignatória tem escopo declaratório, pois o autor pretende obter provimento jurisdicional declaratório da idoneidade e suficiência do depósito, ou seja, busca liberar-se da obrigação, mediante o depósito da coisa ou quantia devida, depósito este que tem, ele sim, eficácia desconstitutiva do vínculo obrigacional (NCPC, art. 546).

Depositada a coisa ou a quantia devida, cessam imediatamente os riscos e a responsabilidade derivados da obrigação, sempre que a sentença ao final proferida contenha a declaração positiva da correção e da suficiência do depósito. Rejeitado o pedido consignatório (em razão do reconhecimento, por exemplo, da inidoneidade ou da insuficiência do depósito), permanecerá íntegro o vínculo obrigacional, arcando o devedor com todas as consequências legais e contratuais derivadas da mora ou de eventual inadimplemento absoluto. Não se perca de vista, porém, a situação prevista no último parágrafo do art. 545 do NCPC (condenação do autor ao pagamento da diferença do depósito), quando, então, a sentença também terá carga condenatória e valerá como título executivo judicial (NCPC, art. 515, I).



2.13. Enfiteuse civil e enfiteuse administrativa: resgate do aforamento


Também denominado enfiteuse ou aprazamento, o aforamento civil, incluído no rol dos direitos sobre coisas alheias, era regulado pelos arts. 678 a 694 do CC/1916, representando, na lição de Caio Mário da Silva Pereira, “um direito real e perpétuo de possuir, usar e gozar de coisa alheia e de empregá-la na sua destinação natural se lhe destruir a substância, mediante o pagamento de um foro anual invariável”. 

Essa modalidade de enfiteuse, constituída sobre bem particular ou bem público (aquele de domínio de município), não apenas deixou de ser recepcionada pelo CC, como é expressamente proibida pelo seu art. 2.038, caput, que, não obstante, por também ser regra de direito intertemporal, subordina as já existentes, até sua extinção, às disposições dos aludidos arts. 678 a 694 do CC/1916 (v., ainda, CF, art. 49, §§ 1º e 2º). 

Ficam mantidas as enfiteuses administrativas, constituídas sobre bens públicos dominiais (geralmente, terrenos de marinha e acrescidos) e regidas por legislação própria (v. art. 49, § 3º, Decreto-lei 9.760/1946 e Lei 9.636/1998).

Como previsto no art. 693 do CC/1916, após dez anos de constituição do aforamento era assegurado ao enfiteuta (ou foreiro) o direito de resgatá-lo, pagando ao senhorio direto o laudêmio, equivalente a 2,5% (dois e meio por cento) do valor atual da propriedade, mais dez prestações anuais (foros), ficando assim consolidada a sua propriedade plena sobre o imóvel. Recusado o resgate pelo senhorio direto, o foreiro poderia promover ação consignatória, depositando as quantias correspondentes ao laudêmio e foros.

Tendo em vista o que dispõem o diploma civil e o art. 549 do NCPC, dois alertas são necessários: (i) relativamente às enfiteuses civis ainda existentes, é proibida a cobrança de laudêmio ou prestação análoga na transmissão de bem aforado (CC, art. 2.038, § 1º, inc. I); (ii) a remissão de enfiteuse administrativa, nas restritas hipóteses em que admitida, fica subordinada, primeiro, a expressa autorização administrativa, motivada pela superveniente insubsistência dos motivos que determinaram a aplicação do regime enfitêutico (Decreto-lei 9.760/1946, art. 103, inc. III, incluído pela Lei 11.481/2007) – ou seja, o foreiro não tem direito à remissão – e, segundo, ao pagamento de importância correspondente a 17% (dezessete por cento) do valor do domínio pleno do terreno (idem, arts. 122 e 123, este, com a redação dada pela Lei 9.636/1998).

Dessas previsões legais é lícito extrair-se a conclusão de que o art. 549 do NCPC (simples repetição, em última análise, do art. 900 do CPC/1973) não terá aplicação prática.


Notas

1 Sobre o depósito extrajudicial, confira-se: MARCATO, Antonio Carlos. Procedimentos especiais, nº 26, pp. 85-88.

2 Novo Código de Processo Civil.


Referências

MARCATO, Antonio Carlos. Ação de consignação em pagamento. 6. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2001;

__________________. Procedimentos especiais. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2016.

PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. Rev. e atual. por Guilherme Calmon Nogueira da Gama. 27. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. Volume II: Direitos reais. 

__________________. Instituições de direito civil. Rev. e atual. por Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho. 23. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. Volume IV: Teoria geral das obrigações.


Citação

MARCATO, Antonio Carlos. Ação de consignação em pagamento. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Processo Civil. Cassio Scarpinella Bueno, Olavo de Oliveira Neto (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/171/edicao-1/acao-de-consignacao-em-pagamento

Edições

Tomo Processo Civil, Edição 1, Junho de 2018

Última publicação, Tomo Processo Civil, Edição 2, Junho de 2021