• Jacques Maritain

  • Cláudio De Cicco

  • Tomo Teoria Geral e Filosofia do Direito, Edição 1, Maio de 2017

Na Europa do século XIX, os sonhos igualitários da Revolução Francesa tinham-se transformado em mera retórica, pois, tendo a burguesia industrial e bancária tomado o poder, tratou de reter os operários e camponeses submissos com a ideia de que a lei era igual para todos.

Os intelectuais da nova ordem política e jurídica reescreveram a história da Europa, exaltando a Grécia antiga, desprezando a Idade Média, chamando a atenção para o Renascimento e o Iluminismo como marcos no progresso da humanidade que culminou com a Revolução da qual eram os herdeiros diretos.

Nos colégios e universidades se liam os autores iluministas como Voltaire pai dos liberais e românticos Jean-Jacques Rousseau, Chateaubriand e Victor Hugo, e a reação vinha dos socialistas Saint-Simon, Louis Blanc e Pierre Proudhon ou do materialista Karl Marx. 

Percebeu o papa Leão XIII que era urgente restaurar o ensino da filosofia de São Tomás de Aquino nos seminários, escolas e universidades católicas. 

Pela Carta “Aeterni Patris” de 1879, Leão XIII recomendava o retorno à filosofia medieval, tanto oposta ao liberalismo como ao socialismo modernos. 

A Escola de Louvain, patrocinada pelo Cardeal Joseph Mercier, distinguiu-se pelo esforço em dar ao tomismo um estilo mais aceitável para a época. Mercier se aproximava mais dos textos autenticamente tomistas, sem preocupação de conciliar com certos pontos do Liberalismo.

A encíclica “Rerum Novarum”  de 15 de Maio de 1891, veio completar outros trabalhos de Leão XIII durante o seu papado (Diuturnum Illud), sobre as idéias políticas; Immortale Dei, sobre a constituição cristã dos Estados e Libertas, sobre a liberdade humana) para fundamentar o pensamento social católico sobre a questão operária.

As encíclicas tratavam de questões criadas pelo Liberalismo e a situação operária durante a revolução industrial no final do século XIX. Leão XIII apoiavam o direito dos trabalhadores formarem  corporações, mas rejeitavam o socialismo e defendiam o direito à propriedade privada. 

Criticavam  a falta de princípios éticos e valores morais na sociedade progressivamente laicizada de seu tempo, uma das grandes causas dos problemas sociais. Os documentos de Leão XIII referiam alguns princípios que deveriam ser usados na procura de justiça na vida social, econômica e industrial, como por exemplo a melhor distribuição de riqueza, a intervenção do Estado na economia a favor dos mais pobres e desprotegidos e a caridade dos empresários para com a classe operária. Esta é convidada à calma e perseverança na fé cristã,não se deixando levar para o ateísmo comunista. 

Mas o autor que mais influenciou o meio universitário católico foi o jesuíta Luigi Taparelli d’Azeglio. Todo o esforço de Luigi Taparelli foi no sentido de mostrar que o direito natural de São Tomás e os direitos do cidadão têm mais do que analogia, verdadeira concordância. Isso agradou à elite dominante.

O direito de propriedade assumia agora um lugar que não ocupava no pensamento de São Tomás. O direito de propriedade não tem em São Tomás o caráter de direito natural “primário”, embora seja natural “secundário”, pois existe mais por conveniência, por adequação à natureza. Já para Taparelli, o direito de propriedade é pedra angular do sistema e goza da inamovibilidade, que caracteriza sua noção de direito natural. Aliás, o direito natural inamovível é outra trouvaille do século XVIII encampada pelo neotomismo (ver o Tratado de Direito Natural, de Tapparelli).

De modo que as reações contra o capitalismo liberal ficariam sendo o marxismo, vitorioso na Rússia em 1917 e o fascismo/nacional-socialismo, na Itália em 1922 e Alemanha em 1924, movimentos surgidos após a Grande Guerra de 1914-1918. 

Eram formas de capitalismo de Estado e totalitarismo político que se afirmavam nos grandes centros industriais, digladiando entre si e com a polícia no preparo de uma futura grande conflagração, que viria em 1939, a Segunda Guerra Mundial.

Esta a época dramática em que Jacques Maritain viveu.


1. O drama de dois estudantes da Universidade de Paris


No verão de 1901, no Jardin des Plantes, em Paris, o jovem neto do político Jules Favre, Jacques Maritain e sua namorada, a jovem russa Raïssa Oumançoff, ambos estudantes na Sorbonne, que buscavam uma saída do relativismo reinante, desanimados com a leitura de Nietzsche, que se revelou corrosiva, voluntarista desistindo da procura da verdade, para fazer apologia de uma vontade de potência, resolveram suicidar-se (sic!), se não encontrassem um sentido para a vida.1  

Jacques Maritain nasceu em 18 de novembro de 1882, em Paris. Filho do Secretário de Jules Favre, Paul Maritain com sua filha Genevieve Favre. Jules Favre proclamara a III República na França, após a derrota de Napoléon III contra os prussianos, em 1871. Era descendente de antiga família: o Beato Pierre Favre, um dos primeiros jesuítas; de Antoine Favre, presidente do Senado do Reino de Savoia e amigo íntimo de São Francisco de Sales. Mas Jules Favre era maçom, anticlerical e liberal. Seu genro também não era católico. Do casamento nasceram Jacques e Jeanne Maritain, mas, divorciados os pais quando ainda pequenos, foram educados pela mãe. 

Na época em que Maritain viveu, como se viu, no mundo da cultura universitária europeia, havia o predomínio do Liberalismo Filosófico, de John Locke, Voltaire e Jean-Jacques Rousseau, de um lado: e do Materialismo Histórico de Karl Marx, de outro. Na prática: Capitalismo selvagem x greves e agitações. Muita opulência de uma elite e miséria na classe pobre.


2. A descoberta do espiritualismo


2.1. A filosofia de Henri Bergson


Foi quando encontraram o poeta e jornalista Charles Peguy que, nos seus “Cahiers de la Quinzaine”, criticava duramente o avô de Jacques por ter resistido à Comuna de 1871. O jovem o procurou para tomar satisfações (naquele tempo havia até duelo!). Mas Péguy – percebendo as joias preciosas que tinha em mãos, os convidou para colaborar no seu jornalzinho, pois havia um ponto em comum: os três odiavam a pedanteria dos mestres da Sorbonne... Daí nasceu uma amizade duradoura. 

Por intermédio de Péguy, souberam das conferências de um novo filósofo bem diferente, Henrii Bergson que, no Collège de France, fala do espírito e do Absoluto, dos dados imediatos da consciência, ponto de partida do salto (élan) vital que conduz a evolução criadora, a reboque do conceptualismo rígido dos positivistas, rumo a algo intangível no momento, mas perfeitamente intuído, Deus. A intenção suicidária desaparece em 1902. Os dois se casam em 1904.

Ao mesmo tempo, um jovem oficial do exército, Ernest Psichari, neto de Ernest Renan, declara sua paixão pela irmã de Jacques, Jeanne. Ele se converterá ao Catolicismo renegado por seu avô, e se aproximará do frade dominicano Humbert Clerissac, tornando-se praticante em 1912, até morrer em 1914 no começo da Grande Guerra, na batalha de Rossignol na França.


2.2. A filosofia de São Tomás de Aquino


Isso tudo impressionou Jacques, que se aproxima do frade Clérissac. Este o põe em contato com a obra de São Tomás de Aquino: é o assombro de ler algo tão claro, límpido e lógico, mas também vivo, o realismo intelectualista moderado. Instruídos pelo frade e apoiados por Léon Bloy que acreditava estarem às vésperas de um grande acontecimento, pressagiado por La Salette e pelo santo missionário do século XVIII, Louis Grignion: o renascimento da cosmovisão católica, anterior ao Barroco, une nouvelle Chretienté, uma nova Cristandade, a restauração das categorias tomistas no século que nascia.

Pode-se imaginar a reação do “ensino oficial” quando Jacques começou a publicar artigos nas revistas de filosofia e de política, inclusive algumas de orientação monarquista, como “L’Action Française”. Foi acusado de trair a memória de seu ilustre avô, Jules Favre, de beato e carola, por ter se casado na igreja com sua noiva converter a cunhada, Vera. 

Impávidos, os Maritain prosseguiam. Jacques escrevia “Antimoderne”, Raïssa, “Les moeurs divines” (1921). Logo Jacques foi convidado a escrever um curso de filosofia tomista, para uso dos seminários e colégios católicos.

Quando a “Action Française” foi condenada por Pio XI como neopagã, em 1926, Jacques escreveu “Primazia do Espiritual”, em que mostra que não há política aceitável sem dar importância ao lado espiritual do ser humano.  


3. O humanismo integral


3.1. A herança do iluminismo: o individualismo liberal


Após a Idade Média, o Renascimento trouxera, entre outras imitações da Antiguidade Greco-romana, a doutrina do Absolutismo, com Machiavelli. A Reforma, por sua vez, deu aos Príncipes a ligação direta com Deus, com a doutrina do Direito Divino de James Stuart da Inglaterra e do Estado absoluto do “Leviatã” de Thomas Hobbes, senhor da espada temporal e do báculo espiritual, como se vê na figura do frontispício, no século XVII.

No século XVIII, surgiria, no seio do Iluminismo, a corrente Jusnaturalista que pretendia se opor ao Direito Divino dos reis com a retomada da ideia estoica de um direito universal, racional, permanente e que protegia o indivíduo, contra o Estado e contra o arbítrio dos Césares. Dessa matriz iluminista derivou a “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão” de 1789, na França, recebida com desconfiança pelos católicos por parecer uma revolta contra os deveres para com Deus e para com a moral cristã. 

Acresce que a Revolução de 1789 a 1799 assassinou não só nobres aristocratas, mas muitos bispos, padres e freiras carmelitas sob a acusação de, admitindo o estandarte do Coração de Jesus, se punham contra a “Republique Une et Indivisible” dos Robespierre e Marat, que tentaram introduzir em Notre Dame o culto à Deusa Razão, em substituição ao culto católico. A paz religiosa estabelecida com o golpe militar e a ditadura de Napoleão e a presença de Pio VII, coroando-o Imperador, parecia o fim de um mal-entendido.

Mas recrudesceu com a volta dos liberais ao poder em 1830, piorando com a Revolução de 1848, que passou a perseguir as ordens religiosas em nome da “liberté de conscience”, propugnada por Émile Combes.

  Do lado social, a Revolução Francesa de 1789 inaugurou um sistema político e econômico chamado Liberalismo. Segundo esse sistema, o Estado não deveria intervir jamais no campo das relações econômicas. No conflito de interesses, a norma era laissez faire, laissez passer, que le monde va de lui-même. O individualismo de Rousseau levava a liberdade de iniciativa até a abstenção total do Estado em matéria econômica e de relações de trabalho.

Mas não se previa então a moderna maquinaria. 

Como a Revolução Francesa suprimira em 1792, as corporações de trabalhadores vigentes na Idade Média e no Antigo Regime, sob a acusação de que eram nocivas à liberdade individual, os trabalhadores ficaram desamparados diante das crises que se avizinhavam, pois o modelo liberal individualista foi adotado em quase todos os países do Ocidente.

A Revolução Industrial ia paulatinamente substituindo o artesanato e a manufatura pela máquina. A máquina, não a liberdade, criava problemas. Centenas de operários ficavam sem emprego quando as fábricas adquiriam as máquinas a vapor, os teares de recente invenção, os quais substituíam com lucro o trabalho humano, se bem que com perda de qualidade. A “lei da oferta e da procura” apareceu assim com a maior rigidez; os operários tinham, em muitos lugares, de aceitar condições extremamente árduas de trabalho e baixo salário para poderem trabalhar. Nessas condições, ficaram reduzidas a uma situação de extremo desamparo material e moral, pior que a escravidão, massas de trabalhadores cujos direitos não eram reconhecidos pela legislação saída da Revolução, voltada para os interesses da burguesia.


3.2. A alternativa totalitária


Embora com larga repercussão, a Doutrina Social da Igreja não conseguiu contrabalançar a influência do capitalismo liberal, de um lado, e do socialismo marxista, de outro. Aliás, os abusos do capitalismo criaram o terreno propício para a implantação da luta de classes, que depois Karl Marx erigiria em sistema com a teoria do materialismo histórico e dialético. 

Em grande parte, isso se deveu à pouca divulgação de tudo o que era católico nos ambientes impregnados de anticlericalismo e maçonismo rançoso da primeira metade do século XX.  Também faltava uma colocação nítida do pensamento católico em matéria jurídica e política, independente de qualquer vínculo com o “statu quo”, para efetiva melhora da situação social.

Apareceu, então, como grande solução, o extremo oposto do Individualismo: o coletivismo, já prefigurado pelo “Leviatã” de Hobbes, agora possível com a grande mídia de massa e os aparelhos de controle dos cidadãos pelo Estado. Sob o nome de socialização dos meios de produção, estatizaram-se os meios de produção. Surgiu o Estado-patrão, grande Moloch para governar uma massa sem grupos intermediários, sem comunidades, como grãos de areia, na expressão de Pio XII em sua radio-mensagem de Natal de 1944, em que distingue “o povo que tem vida própria, lideranças legítimas, da massa inerte e anônima, seguindo hoje esta, amanhã, aquela bandeira”. A História mostrou que nos regimes coletivistas se perdeu a liberdade, sem conseguir a igualdade, pois no governo do Estado uma minoria de membros do Partido Único vivia e vive na opulência, enquanto a população sofre todo tipo de racionamentos.


3.3. A terceira posição


Era preciso se criar uma terceira posição, mas como sadio meio termo aristotélico entre dois vícios opostos. Foi o que procurou elaborar Jacques Maritain, restaurando corajosamente a filosofia tomista em plena cidadela da filosofia moderna, no Collège de France, em Paris.

Quando a “Action Française” foi condenada por Pio XI como naturalista e neopagã, em 1926, Jacques escreveu “Primazia do Espiritual”, em que mostra que não há política aceitável, sem dar importância ao lado espiritual do ser humano.

Ele será o grande defensor do conceito de pessoa humana, fundado na imortalidade da alma, e não num humanismo antropocêntrico que conduziu ao individualismo, na esfera religiosa com Lutero, na esfera filosófica, com Descartes, na esfera política, com Rousseau.2   

Mostra que o problema do mundo moderno estava nesses alicerces rachados. Daí o próprio conceito de democracia estar falseado.

Substituindo a expressão “Individualismo” por “Personalismo”, dando à pessoa humana uma dignidade advinda de seu valor transcendente, o filósofo Jacques Maritain escapa do Liberalismo ao falar em animação cristã da ordem temporal, o que pressupõe um reformismo perante o sistema vigente, em função de uma ideia religiosa. Ele era um tomista, não um reacionário...

Tratava-se de uma retomada das concepções de interferência da Moral na ordem temporal, reconhecendo a independência do Estado (laico, mas não laicista) e da ordem natural, mas ao mesmo tempo não aceitando uma hostilidade entre temporal e espiritual (Estado laicista), como na revolução Francesa ou Russa.

Propõe um novo modelo: “o Estado leigo vitalmente cristão”.3 Defenderá um Estado leigo, mas vitalmente impregnado pelo espírito cristão,4 em que a Igreja não se alia a um governo absolutista, farisaicamente cristão, não recebe benesses do governo, mas lucra em autenticidade e independência perante o poder temporal, para cumprir sua missão.

Faz uma revisão completa da ideia de Direitos do Homem, cuja origem deve ser encontrada não nas leis – que apenas os confirmam – mas na própria natureza do homem.5

Pluralista, acredita na “possibilidade de um acordo prático entre seres humanos de diferentes credos, mas que reconheçam a origem supra-estatal da dignidade humana e o fim ultra- temporal do homem”.

A maior parte das noções liberais proclamava os imortais princípios da liberdade, da igualdade e da fraternidade, ideias de origem cristã. Assistiriam as Igrejas, impassíveis, às lutas da “questão social”?

Embora com a intenção de combater o sistema do positivismo legal, o neotomismo do século XIX e começos do século XX teve certa tendência a ver no tomismo apenas seu aspecto intelectualista, esquecendo suas profundas raízes aristotélicas. 

Jacques será o grande defensor do conceito de pessoa humana, fundado na imortalidade da alma, e não num humanismo antropocêntrico que conduziu ao individualismo, na esfera religiosa com Lutero, na esfera filosófica, com Descartes, na esfera política, com Rousseau.6 Vinha ele mostrar que o problema do mundo moderno estava nesses alicerces rachados. Daí o próprio conceito de democracia estar falseado.

Após os horrores da Segunda Guerra, quem teria força para argumentar contra Maritain? Pelo contrário, a “Declaração Universal dos Direitos Humanos” de 1948 reproduz em vários artigos as palavras mesmas de Maritain.

 Entre os seguidores de Jacques Maritain, na Itália, estava o Secretário de Estado de Pio XII, Monsenhor João-Batista Montini, depois Papa Paulo VI. Traduziu várias obras de Jacques Maritain para o italiano e foi uma peça chave para consolidar as determinações do Concílio Vaticano II.

Após a morte de sua amada Raïssa, em 1960, escreve algumas obras para esclarecer os verdadeiros objetivos do Concílio do Vaticano II, como “O Camponês da Garonne” (1966), criticando ao mesmo tempo o rancor dos integristas e a deturpação dos marxizantes da teologia, que acusa de “ajoelhados diante do mundo” (sic).

Em 1970, solicita sua admissão à condição de Irmão na Comunidade dos Petits Frères de Jesus, fundada por Charles de Foucauld, entre os quais falece em 28 de abril de 1973.


4. Repercussão do maritanismo no campo jurídico


4.1. A pesquisa do justo


Em termos de pensamento jurídico é uma notável contribuição: a obra de restauração da teoria clássica do Direito Natural devolve ao direito sua missão principal: a pesquisa do justo – distinto e até mesmo oposto ao simples legalismo ou adequação à lei – a justiça deve ser a finalidade mesma do direito. Vejamos em cotejo: 

O jurista serve à ordem, à segurança, à utilidade? Assim pensavam Hume e Bentham (utilitarismo inglês). A justiça é algo de vago, idealizado, quase utópico? Assim pensava Kelsen (positivismo jurídico).

Para o direito natural clássico de Aristóteles, o justo é a essência mesma da justiça. 

Logo, o jurista é o que serve à justiça, não à ordem ou à segurança.  O objeto da justiça e o objeto do direito se confundem em São Tomás e em Aristóteles. 

A justiça não pode ser um conjunto de regras rígidas. A equidade força os estreitos limites da regra legislada; o magistrado é chamado a um esforço criador, tal como os pretores romanos da época clássica. O direito não se confunde com a moral, mas se insere num dos setores mais importantes da Ética, ao lado dela e das normas de decoro ou pequena ética (etiqueta). Foi o positivismo jurídico que obscureceu os laços nítidos entre decoro, moral e direito. 

O método do direito natural é o experimental: ex facto oritur jus – “do fato surge o direito”.  As instituições são regras de razão para realizar o que a natureza estabelece, de modo mais adequado: “per modum conclusionem”. As normas jurídicas não arbitrárias. Referem-se à formalização da instituição. Exemplo: a união dos sexos (dado da lei biológica natural) regulada pelo matrimônio (instituição) é formalizada pelo juiz de paz perante duas testemunhas (norma jurídica).

        

4.2. Direito natural contra o positivismo jurídico 


Percebe-se que uma norma jurídica que contrarie a natureza do ser – que é o mesmo que sua finalidade por Deus estabelecida, acessível à simples razão e ao senso comum – não merece tal nome, pois é uma “lei corrompida” na forte expressão de São Tomás.

Maritain se valerá dessa noção para legitimar o combate a todos os crimes perpetrados em nome do Estado e da lei em vigor, o que está na origem da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, da qual, sem dúvida ele foi um dos principais inspiradores. 

Mostra que o Positivismo nasceu do endeusamento do Estado, desde o século XVII, com o “Leviatã” de Thomas Hobbes, que levou ao Nacionalismo e ao Coletivismo, dois irmãos gêmeos com bandeiras diferentes, mas mesmo fim: aviltar o homem, fazendo-o esquecer de Deus que “está morto” (Nietzsche) ou “deveria ser morto” (Bakunin). 

Notas

1 Cfr. BARRE Jean-Luc. Jacques et Raïssa Maritain, les mendiants du ciel, p. 74.

2 Cfr. MARITAIN, Jacques. Trois réformateurs.

3 Ver: MARITAIN, Jacques. O homem e o Estado; A pessoa e o bem comum; Filosofia da história; Cristianismo e democracia.

4 MARITAIN, Jacques. Humanisme integral.

5 MARITAIN, Jacques. Os direitos do homem e a lei natural.

6 Cfr. MARITAIN, Jacques. Trois réformateurs.

7 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco, Livro V.


Referências

BARRÉ, Jean-Luc. Jacques et Raïssa Maritain, les mendiants du ciel. Paris : Stock, 1996.

DELBEZ, Louis. Les grands courants de la politique française depuis le XIX siècle. Paris: Librairie de Droit et Jurisprudence, 1970.

MARITAIN, Jacques. Trois réformateurs. Paris: Librairie Plon, 1925.

__________________. Primauté du spirituel. Paris: Librairie Plon, 1927.

__________________. Principes d’une politique humaniste. Paris: Éditions Maison Française, 1944.

__________________. Humanismo integral. Trad. por Afranio Coutinho. São Paulo: Dominus Editora, 1962.

__________________. O homem e o Estado. Trad. por Alceu Amoroso Lima. Rio de Janeiro: AGIR, 1966.

__________________. A filosofia moral. Trad. por Alceu Amoroso Lima. Rio de Janeiro: AGIR, 1973.

__________________. Os direitos do homem e a lei natural. Trad. por Afranio Coutinho. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora. Reimpressão do fac-simile: São Paulo: Cultor de Livros, 2016. 


Citação

DE CICCO, Cláudio. Jacques Maritain. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Teoria Geral e Filosofia do Direito. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga, André Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/153/edicao-1/jacques-maritain

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Tomo Teoria Geral e Filosofia do Direito, Edição 1, Maio de 2017