O debate em torno do que seja a proporcionalidade há de ser situado no âmbito da configuração política em se insere, contemporaneamente o direito, que seria bem caracterizada pela fórmula consagrada em nossa atual Constituição, do Estado Democrático de Direito. E nossa compreensão do quanto um Estado Democrático de Direito depende de procedimentos, não só legislativos e eleitorais, mas especialmente aqueles judiciais, para que se dê sua realização, aumenta na medida em que precisemos melhor o conteúdo dessa fórmula político-jurídica, sendo a proporcionalidade de se considerar um desses procedimentos, ou parte essencial daqueles com os quais se decide as questões cruciais que se apresentam na referida configuração.  


1. Contexto histórico


Historicamente, poder-se-ia localizar o seu surgimento nas sociedades europeias, quando saídas da catástrofe da II Guerra Mundial, que representou a falência tanto do modelo liberal de Estado de Direito, como também das fórmulas políticas autoritárias que se apresentaram como alternativa. Se em um primeiro momento observou-se um prestígio de um modelo social e, mesmo, socialista de Estado, a fórmula do Estado Democrático se firma a partir de uma revalorização dos clássicos direitos individuais de liberdade, que se entende não poderem jamais ser demasiadamente sacrificados, em nome da realização de direitos sociais. O Estado Democrático de Direito, então, representa uma forma de superação dialética da antítese entre os modelos liberal e social ou socialista de Estado.1

Em sendo assim, tem-se o compromisso básico do Estado Democrático de Direito na harmonização de interesses que se situam em três esferas fundamentais: a esfera pública, ocupada pelo Estado, a esfera privada, em que se situa o indivíduo, e um segmento intermediário, a esfera coletiva, em que se tem os interesses de indivíduos enquanto membros de determinados grupos, formados para a consecução de objetivos econômicos, políticos, culturais ou outros. 

Há quem veja na projeção atual desses grupos, no campo político e social, como um dos traços característicos da pós-modernidade, quando então as ações mais significativas se deveriam a esses novos sujeitos coletivos, e não a sujeitos individuais ou àqueles integrados na organização política estatal. Indubitavelmente, o problema básico a ser solucionado por qualquer constituição política contemporânea não pode mais ser captado em toda sua extensão por aquela formulação clássica, onde se tinha um problema de delimitação do poder estatal frente ao cidadão individualmente considerado. Hoje entidades coletivas demandam igualmente um disciplinamento de sua atividade política e econômica, de modo a que possam satisfazer o interesse coletivo que as anima, compatibilizando-o com interesses de natureza individual e pública, com base em um “princípio de proporcionalidade”. Aqui não é o local para explorar em toda sua extensão as propriedades teóricas - e práticas - desse princípio. Um estudo anterior, pioneiro entre nós,2  demonstrou, por exemplo, que ele pode ser considerado o “princípio dos princípios”, dentre todas as normas jurídicas, uma vez que é a ele, em última instância, que se recorre para resolver, em “casos difíceis” (hard cases), o conflito entre diversos valores e interesses, expressos em outros princípios fundamentais da ordem jurídica. Isso porque o princípio da proporcionalidade é capaz de dar um “salto hierárquico” (hierarchical loop), ao ser extraído do ponto mais alto da “pirâmide” normativa para ir até a sua “base”, onde se verificam os conflitos concretos, validando as normas individuais ali produzidas, na forma de decisões administrativas, judiciais etc. Essa forma de validação é tópica, permitindo atribuir um significado diferente a um mesmo conjunto de normas, a depender da situação a que são aplicadas. É esse o tipo de validação requerida nas sociedades hipercomplexas da pós-modernidade. Nela se misturam criação (legislação) e aplicação (jurisdição e administração) do Direito, tornando a linearidade do esquema de validação kelseneano pela referência à estrutura  hierarquicamente escalonada do ordenamento jurídico em circularidade, com o embricamento de diversas hierarquias normativas, as “tangled hierarchies” da teoria sistêmica.3  Concretamente, isso significa que assim como uma norma ao ser aplicada mostra-se válida pela remissão a princípios superiores, insculpidos na Constituição, esses princípios validam-se por  serem referidos na aplicação daquelas normas. É o princípio da proporcionalidade, então, que permite realizar o que os norte-americanos chamam “balancing” de interesses e bens. A mesma idéia de sopesamento, ponderação, é expressa pela “Abwägung” dos alemães.4   A sua valorização viria suprir o déficit da teoria jurídica e do próprio Direito, que Luhmann denunciava já no final da década de 1960, por não jurisdificarem a relação entre meio e fim, deixando seu tratamento para a administração e economia.5  Ladeur, em sua auto-proclamada “teoria pós-moderna do direito”,6  considera que a Abwägung aponta para a característica mais saliente do paradigma jurídico na atualidade, uma vez que permite oferecer soluções adequadas a cada caso em particular.Mas este A. adota aqui uma das atitudes mais características de seu mestre, N. Luhmann: a disposição para gerar paradoxos e fazer um uso teórico criativo deles, transformando-os em tautologias, tornando assim mais complexas nossas representações da realidade, que já percebemos como hipercomplexa.8   Por fim, vale lembrar, com Broekman,9  que “proporcionalidade”, “sopesamento”, equilibrium, são ideias inerentes ao pensamento jurídico e a contrapartida necessária de uma "justiça poética”, necessária para se atingir a "beauté géométrique" do Direito enquanto uma arte.10 


2. Contexto teórico


Para resolver o grande dilema que aflige os que operam com o Direito no âmbito do Estado Democrático contemporâneo, representado pela atualidade de conflitos entre princípios e direitos dotados de fundamentalidade, aos quais se deve igual obediência, por ser a mesma a posição que ocupam na hierarquia normativa, é incontornável o recurso a um “princípio dos princípios”, que em paráfrase a Edmund Husserl qualificamos assim, por representar algo assim como “a principialidade dos princípios”, enquanto decorrente de sua relatividade mútua. Trata-se do princípio da proporcionalidade, tal como concebido no campo jurídico na tradição germânica, como um princípio, também, de “relatividade” (verhältnismässig), o qual determina a busca de uma “solução de compromisso”, respeitando-se mais, em determinada situação, um dos princípios em conflito, e procurando desrespeitar o mínimo ao(s) outro(s), sem jamais lhe(s) faltar minimamente com o respeito, isto é, ferindo-lhes o “núcleo essencial”, onde se encontra entronizado o valor da dignidade humana, princípio fundamental e “axial” do contemporâneo Estado Democrático. O princípio da proporcionalidade, embora não esteja explicitado de forma individualizada em nosso ordenamento jurídico, assim como o da dignidade da pessoa humana (art. 1o., inc. III, CR), é uma exigência inafastável da própria fórmula política adotada por nosso constituinte, a do “Estado Democrático de Direito”, pois sem a sua utilização não se concebe como bem realizar o mandamento básico dessa fórmula, de respeito simultâneo dos interesses individuais, coletivos e públicos.

 A exata compreensão do significado do princípio da proporcionalidade requer uma transformação do próprio modo de se conceber a tarefa da ciência jurídica, como diversa da mera interpretação e aplicação de normas jurídicas com a estrutura de regras.11  As regras trazem a descrição de dada situação, formada por um fato ou uma espécie (a fattispecie a que se referem os italianos) deles, enquanto nos princípios há uma referência direta a valores. Daí se dizer que as regras se fundamentam nos princípios, os quais não fundamentariam diretamente nenhuma ação, dependendo para isso da intermediação de uma (ou mais) regra(s) concretizadora(s). Princípios, portanto, têm um grau incomensuravelmente mais alto de generalidade (referente à classe de indivíduos à que a norma se aplica) e abstração (referente à espécie de fato a que a norma se aplica) do que a mais geral e abstrata das regras. Por isso, também, poder-se dizer com maior facilidade, diante de um acontecimento, ao qual uma regra se reporta, se essa regra foi observada ou se foi infringida, e, nesse caso, como se poderia ter evitado sua violação. Já os princípios trazem ínsitas “determinações de otimização” (Optimierungsgebote, na consagrada expressão de Robert Alexy),12  isto é, um mandamento de que sejam cumpridos na medida das possibilidades, fáticas e jurídicas, que se oferecem concretamente - o que já nos remete, de imediato, ao princípio da proporcionalidade, por ele ser a própria expressão deste mandamento e contemplar tal ideia de gradação no cumprimento de um princípio, aí incluindo-se o próprio princípio da proporcionalidade, que também não se pode acatar em termos definitivos, de “tudo ou nada”, como as regras. Essa circunstância já esclarece não poder ele, por hipótese alguma, ser considerado uma regra, de acordo com o que nos parece uma “boutade” que, infelizmente, se produziu como proposta séria entre nós, gerando, inclusive, significativas adesões – mais adiante e novamente ao final retomaremos este ponto. 

 E ainda, enquanto o conflito de regras resulta em uma antinomia, a ser resolvida pela perda de validade de uma das regras em conflito, ainda que em um determinado caso concreto, deixando-se de cumpri-la para cumprir a outra, que se entende ser a correta, as colisões entre princípios resultam apenas em que se privilegie o acatamento de um, sem que isso implique no desrespeito completo do outro. Já na hipótese de choque entre regra e princípio, é evidente que o princípio deva prevalecer, embora aí, na verdade, ele prevalece, em determinada situação concreta, sobre o princípio em que a regra se baseia - a rigor, portanto, não há colisão direta entre regra(s) e princípio(s). 

 O traço distintivo entre regras e princípios, por último referido, aponta para uma característica desses, já mencionada, que é de se destacar: sua relatividade. Não há princípio do qual se possa pretender seja acatado de forma absoluta, em toda e qualquer hipótese, pois uma tal obediência unilateral e irrestrita a uma determinada pauta valorativa - digamos, individual - termina por infringir uma outra - por exemplo, coletiva. Daí se dizer que há uma necessidade lógica e, até, axiológica, de se postular um “princípio de relatividade” (Verhältnismässigkeitsprinzip), que é o princípio da proporcionalidade, para que se possa respeitar normas, como os princípios, tendentes a colidir, quando se opera concretamente com o Direito.13  

 A marca distintiva do pensamento jurídico contemporâneo, que se faz notar em autores como Josef Esser e Ronald Dworkin, antes do já referido Robert Alexy, repousa precisamente na ênfase dada ao emprego de princípios jurídicos, positivados no ordenamento jurídico, quer explicitamente - em geral, na constituição -, quer através de normas onde se manifestam de forma implícita - como é aquela do princípio protetor, em direito do trabalho14  - , quando do tratamento dos problemas jurídicos. Com isso, dá-se por superado um resquício de legalismo que permaneceu no positivismo normativista de Kelsen, Hart e outros, para quem as normas do direito positivo se reduziriam ao que hoje se chama "regras" (rules, Regeln) na teoria jurídica anglo-saxônica e germânica, isto é, normas que permitem realizar uma subsunção dos fatos por elas regulados (operative facts, Sachverhalte), imputando-lhes ou cometendo-lhes a sanção cabível. Princípios, por sua vez, se encontram em um nível superior de abstração, sendo igualmente hierarquicamente superiores, dentro da compreensão do ordenamento jurídico como uma “pirâmide normativa" (Stufenbau), e se eles não permitem uma subsunção direta de fatos, isso se dá indiretamente, colocando regras sob o seu "raio de abrangência”. Ao contrário dessas, também, se verifica que os princípios podem se contradizer, sem que isso faça qualquer um deles perder a sua validade jurídica e ser derrogado. É exatamente numa situação em que há conflito entre princípios, ou entre eles e regras, que o princípio da proporcionalidade (em sentido estrito ou próprio) mostra sua grande significação, pois pode ser usado como critério para solucionar da melhor forma o conflito, otimizando a medida em que se acata um e desatende o outro. Esse papel lhe cai muito bem pela circunstância peculiaríssima de se tratar de um princípio extremamente formal e, a diferença dos demais, não haver um outro que seja o seu oposto em vigor, em um ordenamento jurídico digno desse nome, ou seja, democraticamente legitimado.15 

 Para bem atinar no alcance do princípio da proporcionalidade faz-se necessário referir o seu conteúdo - e ele, à diferença dos princípios que se situam em seu mesmo nível, de mais alta abstração, não é tão-somente formal, revelando-se plenamente apenas quando se há de decidir sobre a constitucionalidade de alguma situação jurídica ou ato normativo, no âmbito próprio do processo constitucional. Esse seu aspecto concretizador, inclusive, já fez com que se referisse a ele como uma proposição jurídica, à qual, como ocorre com normas que são regras, se pode subsumir fatos jurídicos diretamente.  Não se confunda, porém, a proposição jurídica com a norma de que ela é a representação, como já Kelsen, na segunda (e definitiva) edição de sua Teoria Pura do Direito, registrara, reservando para a proposição um lugar no campo das ideias, da ciência, e para a norma um lugar no campo da ação, da política, enquanto sentido de um ato de vontade conformadora de outra(s), por associada a uma sanção. 

 O princípio da proporcionalidade, entendido como um mandamento de otimização do respeito máximo a todo direito fundamental, em situação de conflito com outro(s), na medida do jurídico e faticamente possível, tem um conteúdo que, na doutrina e jurisprudência alemãs,16  é repartido em três “princípios ou proposições parciais” (Teilgrundsätze): “princípio da proporcionalidade em sentido estrito” ou “máxima do sopesamento” (Abwägungsgebot), “princípio da adequação” e “princípio da exigibilidade” ou “máxima do meio mais suave” (Gebot des mildesten Mittels). 

 O “princípio da proporcionalidade em sentido estrito” determina que se estabeleça uma correspondência entre o fim a ser alcançado por uma disposição normativa e o meio empregado, que seja juridicamente a melhor possível. Isso significa, acima de tudo, que não se fira o “conteúdo essencial” (Wesensgehalt) de direito fundamental, com o desrespeito intolerável da dignidade humana, bem como que, mesmo em havendo desvantagens para, digamos, o interesse de pessoas, individual ou coletivamente consideradas, acarretadas pela disposição normativa em apreço, as vantagens que traz para interesses de outra ordem superam aquelas desvantagens.

 Os demais “subprincípios”, como se pode denominar as proposições normativas derivadas do princípio da proporcionalidade (em sentido amplo), são ditos da adequação e da exigibilidade ou indispensabilidade (Erforderlichkeit). O primeiro determina que, dentro do faticamente possível, se preste o meio escolhido para atingir o fim estabelecido, mostrando-se, assim, “adequado”. Além disso, pelo segundo, esse meio deve se mostrar “exigível”, o que significa não haver outro, igualmente eficaz, e menos danoso a direitos fundamentais. 

 Dessa circunstância, de ter seu conteúdo formado por subprincípios, passível de subsumirem fato e questões jurídicas, não se pode, contudo, vir a considerar o princípio da proporcionalidade mera regra, ao invés de verdadeiro princípio, como recentemente se afirmou entre nós,17  pois não poderia ser uma regra o princípio que é a própria expressão da peculiaridade maior deste último tipo de norma em relação à primeira, o tipo mais comum de normas jurídicas, peculiaridade esta que Ronald Dworkin refere como a “dimensão de peso” (dimension of weight) dos princípios,18  e Alexy como a ponderação (Abwägung) – justamente o que se contrapõe à subsunção nas regras.19  E também, pragmaticamente, caso a norma que consagra o princípio da proporcionalidade não fosse verdadeiramente um princípio, mas sim uma regra, não poderíamos considerá-la inerente ao regime e princípios adotados na Constituição brasileira de 1988, deduzindo-a do sistema constitucional vigente aqui, como em várias outras nações, da ideia de Estado democrático de Direito, posto que não há regra jurídica que seja implícita, mas tão-somente os direitos (e garantias) fundamentais, consagrados em princípios  igualmente  fundamentais – ou, mesmo, “fundantes” –, a exemplo deste princípio de proporcionalidade, objeto da presente exposição. 

 Quanto a saber donde se deriva o princípio da proporcionalidade, se do princípio estruturante do Estado de Direito, ou daquele fundamental, da dignidade da pessoa humana, que se vincula ao outro princípio estruturante de nossa ordem constitucional – e, logo, de toda a ordem jurídica - , que é o Princípio Democrático, adotamos o posicionamento que vincula o princípio da proporcionalidade à Cláusula do Devido Processo Legal (Constituição da República Federativa do Brasil, art. 5º., inc. LIV), com o que se evita este falso dilema, pois para se ter um Estado de Direito com respeito à dignidade humana, isto é, que seja também democrático, pressupõe-se uma compatibilização de legalidade (Estado de Direito) com legitimidade (Democracia), obtida, em última instância, pela aplicação, no âmbito de processos judiciais, administrativos e outros, precisamente, do princípio da proporcionalidade. É certo que a idéia subjacente à "proporcionalidade", Verhältnissmäßigkeit, noção dotada atualmente de um sentido técnico no direito público e teoria do direito germânicos, ou seja, a de uma limitação do poder estatal em benefício da garantia de integridade física e moral dos que lhe estão sub-rogados, confunde-se em sua origem, como é fácil perceber com o nascimento do moderno Estado de direito, respaldado em uma constituição, em um documento formalizador do propósito de se manter o equilíbrio entre os diversos poderes que formam o Estado e o respeito mútuo entre este e aqueles indivíduos a ele submetidos, a quem são reconhecidos certos direitos fundamentais inalienáveis.20  

A proporcionalidade, portanto, remete a princípio jurídico cujas origens radicam no processo de afirmação concreta dos direitos fundamentais. Destaca-se, assim, no bojo de um novo constitucionalismo, mas ainda pairam muitas dúvidas a respeito da sua natureza jurídico-dogmático.

José Carlos Vieira De Andrade, destacado constitucionalista português, considera a proporcionalidade como mero critério de distribuição dos custos do conflito entre direitos fundamentais, com o fito de preservar-se a Constituição na maior medida possível.21  Já o tributarista pátrio Helenilson Cunha Pontes, em posicionamento em tudo convergente ao que temos sustentado, em uma série de trabalhos a respeito, nas últimas duas décadas,22  discorda de tal entendimento, pois reduzir o princípio da proporcionalidade a mero método ou critério de interpretação e aplicação do Direito vem em desconsideração de todo o conteúdo normativo desse princípio, porque o intérprete não pode optar se atende ou não atende ao princípio da proporcionalidade, mas, pelo contrário, é seu dever concretizar esse princípio, sob pena de inconstitucionalidade da decisão jurídica. Para este último doutrinador, o princípio da proporcionalidade consubstancia verdadeira garantia constitucional, imanente ao Estado de Direito contemporâneo, e exerce, simultaneamente, na ordem jurídica, a dupla função de proteger a esfera de liberdade individual contra medidas estatais arbitrárias e de viabilizar a concretização ótima dos direitos fundamentais e todo o elenco de pretensões constitucionalmente reconhecidas através das diferentes regras e princípios constitucionais.23  No mesmo sentido, são as lições do jurista espanhol Ernesto Pedraz Penalva.24  Não se confunda, também, o princípio constitucional da proporcionalidade, que é norma jurídica consagradora de um direito (rectius: garantia) fundamental - portanto, é uma prescrição -, com um cânone da nova hermenêutica constitucional,25 que não atua sobre a vontade, mas sim sobre o intelecto do intérprete do Direito, nos quadros de um Estado Democrático. Como bem salienta Chaïm Perelman,26  há diversas soluções possíveis, para determinado problema jurídico, que são razoáveis, donde o caráter negativo que apontamos ao princípio da razoabilidade, por ser antes um princípio de irrazoabilidade: “il y a une limite a cette tolérance (de diversas soluções possíveis, bem entendido), et c´est le déraisonnable qui n´est pas acceptable”. A solução a ser oferecida pela aplicação do princípio (positivo) da proporcionalidade, por certo, não se incluiria dentre aquelas tidas como irrazoáveis, por “inadmissible dans une communauté à un moment donné”, mas dentre as diversas soluções possíveis haver-se-á de encontrar aquela que é racionalmente proporcional, por ser além de necessária e exigível, a que melhor promove os direitos (garantias e princípios constitucionais) fundamentais em seu conjunto, evitando a violação de seu núcleo essencial intangível, pelo respeito à dignidade humana – o trabalho com a proporcionalidade começa quando termina aquele com base na aplicação do princípio da razoabilidade.

A questão que então se coloca, de como melhor fundamentar a inscrição de um princípio de proporcionalidade no plano constitucional, se deduzindo-o da opção por um Estado de Direito ou se dos próprios direitos fundamentais, inerentes a este Estado, enquanto Estado Democrático de Direito, assume relevância mais doutrinária, já que na prática, como evidencia reiterada jurisprudência do Tribunal Constitucional, na Alemanha, não resta dúvida quanto à sua inserção na "base" do ordenamento jurídico, como se pode referir de maneira figurada à constituição. Além disso, nosso princípio aparece relacionado àquele que se pode considerar o problema maior a ser resolvido com a adoção de um regime constitucional pelo Estado, nomeadamente, o do relacionamento entre ele, a comunidade a ele submetida e os indivíduos que a compõem, a ser regulado de forma eqüitativamente vantajosa para todas as partes. Para que o Estado, em sua atividade, atenda aos interesses da maioria, respeitando os direitos individuais fundamentais, se faz necessário não só a existência de normas para pautar essa atividade e que, em certos casos, nem mesmo a vontade de uma maioria pode derrogar (Estado de Direito), como também há de se reconhecer e lançar mão de um princípio regulativo para se ponderar até que ponto se vai dar preferência ao todo ou às partes (Princípio da Proporcionalidade), o que também  não pode ir além de um certo limite, para não retirar o mínimo necessário a uma existência humana digna de ser chamada assim.27  Essas considerações permitem concluir claramente pela existência de um conteúdo intangível dos direitos fundamentais, que não pode ceder sob forma alguma. Esse núcleo é que entendemos deva ser protegido pelo princípio da proporcionalidade em sentido estrito, definindo o ponto limite a partir do qual não se pode avançar sem ofender a dignidade do homem, ou seja, sem reduzi-lo a meio, instrumentalizando para o atendimento de interesses alheios. Eis que nosso princípio de relatividade se torna um meio que garante o caráter absoluto deste outro princípio, singular, que é o da dignidade humana – donde ter Alexy a ele (e não ao da proporcionalidade) como dotado de uma natureza dúplice, de regra também.

Em assim sendo, o princípio da proporcionalidade se consubstanciaria em uma garantia fundamental, ou seja, direito fundamental com uma dimensão processual, de tutela de outros direitos – e garantias – fundamentais, passível de se derivar da “cláusula do devido processo”,28  visando a consecução da finalidade maior de um Estado Democrático de Direito, que é o respeito à dignidade humana. Nossa proposta, então, é de que se considere o princípio da proporcionalidade da mesma forma que, por exemplo, princípios como o da isonomia e da razoabilidade, como suportes normativos de garantias que não são, essencialmente, diversas dos direitos fundamentais propriamente ditos, que sem uma tutela fornecida nessa dimensão processual sequer se aperfeiçoam enquanto direitos.


3. Contexto de aplicação


O princípio da proporcionalidade, princípio dos princípios, garantia das garantias, com natureza jurídica, de garantia fundamental, possuindo natureza processual e procedimental, além de ser ínsito e uma decorrência lógica do Estado Democrático de Direito, vai além, contribuindo para uma análise filosófico-crítica do Direito, por ser possível lhe atribuir, através de um juízo filosófico-crítico-experimental, a natureza de verdadeira norma fundamental, permitindo, assim, uma melhor compreensão e maior efetividade do Direito. 

 Sua correta aplicação e desenvolvimento, em especial pelo Poder Judiciário, mas também pela doutrina pátria e internacional, permitiria alcançar uma perspectiva de humanização do Direito, sendo diversas disciplinas do direito, tais como Direito Comercial, Direito do Trabalho, Direito Penal, que se revelam carentes de sua correta aplicação, em especial quando diante de conflitos de direitos fundamentais e direitos humanos, em terrenos onde se desenvolvem com cada vez mais velocidade a técnica e o pensamento cartesiano, de per si, ocasionando uma carência de elementos de justiça, proporcionalidade e de equidade. 

 O Direito demanda uma nova interpretação para fazer frente a novas demandas, novas necessidades, novos paradigmas e paradoxos, e neste sentido, a importância da tese de doutorado em filosofia de Willis Santiago Guerra Filho, “O conhecimento imaginário do direito”, considerando-o como um produto do desejo, com mesmo estatuto dos sonhos, mas um sonho não individual e sim coletivo; é o direito visto, percebido e concebido sempre in fieri, nunca já pronto e acabado, o caráter autopoiético do direito, o que se coaduna perfeitamente com a noção da CF com sua natureza procedimental, e da necessidade de práticas que reforcem e permitam a concretização de seus valores, ideais e direitos, bem como se coaduna com o princípio da proporcionalidade, com a exigência de uma nova hermenêutica constitucional, e com as características de tal princípio, demandando todo um procedimento, objetivo, racional e específico para sua correta aplicação, evitando-se o arbítrio, o subjetivismo, decisões teratológicas, o denominado “proporcionalismo” e o desequilíbrio entre os Poderes. 

 O “Proporcionalismo”, é repelido também na seara teológica, como se observa da Carta Encíclica Veritatis Splendor, de 06.08.1993, do Papa João Paulo II, no seu cap. IV, considerado como o uso indiscriminado do princípio da proporcionalidade, sem qualquer critério e objetividade, como se observa do acordão da lavra do STF, no julgamento da PET 3388, envolvendo a questão da demarcação de terras dos Yanomami, consagrando a tese inconstitucional do marco temporal, não aplicando de forma correta o princípio da proporcionalidade, apesar de o citar algumas vezes de forma expressa, sem, contudo, fazer qualquer análise acerca de sua aplicação no caso concreto. Em tal processo é impugnado o modelo contínuo de demarcação da Terra Indígena Raposa/Serra do Sol, no Estado de Roraima. O princípio da proporcionalidade é citado apenas como uma forma de comparação, conforme se denota do trecho do voto a seguir.

(...). O marco do conceito fundiariamente extensivo do chamado "princípio da proporcionalidade". Esse novo marco regulatório-constitucional e também uma projeção da metodologia diatópica de que há pouco falamos. Por ela, o próprio conceito do chamado ‘princípio da proporcionalidade’, quando aplicado ao tema da demarcação das terras indígenas, ganha um conteúdo irrecusavelmente extensivo. Quero dizer: se, para os padrões culturais dos não índios, o imprescindível ou o necessário adquire conotação estrita, no sentido de que "somente é dos índios o que lhes for não mais que o suficiente ou contidamente imprescindível a sua sobrevivência física", já sob o visual da cosmogonia indígena a equação é diametralmente oposta: deem-se aos índios tudo que for necessário ou imprescindível para assegurar, contínua e cumulativamente: a) a dignidade das condições de vida material das suas gerações presentes e futuras; b) a reprodução de toda a sua estrutura social primeva. Equação que bem se desata da locução constitucional "são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam", pela cristalina razão de que esse reconhecimento opera como declaração de algo preexistente.”

A análise dos acórdãos do Supremo Tribunal Federal,29 em especial da lavra da relatoria do Ministro Carlos Ayres Britto, demonstra, infelizmente a frágil,  errônea e irresponsável aplicação do princípio da proporcionalidade na solução de conflitos entre direitos ou princípios fundamentais e que envolvam o princípio da dignidade da pessoa humana, aplicando na maior parte dos acórdãos recentes a fórmula matemática, típica do pensamento cartesiano, e pois, técnico, limitado e limitador, com fundamento na doutrina de Alexy, de todo inadequada, insuficiente e insubsistente, deixando de contribuir para o fortalecimento da jurisdição constitucional. 

 Não se verifica na maioria dos julgados da lavra do Supremo Tribunal Federal analisados uma correta aplicação de tal princípio, através da análise dos três níveis de seu conteúdo – princípios parciais ou subprincípios, o que asseguraria uma aplicação coerente e segura do direito, sem subjetivismos e conceituação apenas abstrata da questão. 

 Infelizmente o que se observa da jurisprudência constitucional pátria é a incorreta aplicação do princípio da proporcionalidade sem a observância de todo um procedimento, uma progressão do tipo lógica, sendo a solução do conteúdo acerca, por exemplo, do mínimo existencial, que se há de respeitar para que não haja violação da dignidade humana, a ser alcançada em cada caso concreto, considerando tal princípio, ora como simples regra, ora como uma pauta e-ou um valor, ora como sinônimo do princípio da razoabilidade, ou do princípio do devido processo legal. 

 Defendemos que a correta interpretação do princípio da proporcionalidade deve se distanciar da posição relativista, adotada entre nós comumente na jurisprudência, bem como na doutrina, como por Virgílio Afonso da Silva, na esteira de seu orientador de doutorado, Robert Alexy, sem a necessária, exigível, além, de correta observância também ao princípio da proporcionalidade em sentido estrito, estabelecendo-se uma correspondência entre o fim a ser alcançado e o meio empregado, que deve ser juridicamente a melhor possível, com respeito, ao "conteúdo essencial"  de todo direito fundamental, isto é, com o respeito à dignidade humana, ou seja, a aplicação do princípio da proporcionalidade como uma relação de subsidiariedade entre adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, no sentido de que “a finalidade pretendida com a restrição deve ser constitucionalmente legítima ou possível”. 

 Os primeiros julgados envolvendo a aplicação do princípio da proporcionalidade pelo Supremo Tribunal Federal são do início da década de 1990, como o da Adin 855/1993, sendo cada vez mais expressivo o número de acórdãos onde o princípio da razoabilidade ou proporcionalidade, tratados indistintamente, são utilizados como fundamento expresso.30  

Pode-se concluir dos diversos acórdãos analisados, que não é estabelecida a necessária diferença entre os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, inconfundíveis em sentido, em conteúdo e também quanto à origem. Também se observa o entendimento do Min. Eros Grau, como em seu voto na Adin 1040 do conceito de proporcionalidade como sinônimo de equidade, não sendo, no seu entender, a proporcionalidade um princípio, mas uma pauta – assimilável à posição, tão difundida quanto equivocada, de Humberto Ávila, que atribui à proporcionalidade a natureza de um mero postulado, confundindo os planos do que é deôntico, da ordem do dever ser, como um princípio jurídico, com aquele gnosiológico, ou ontognosiológio, para dizer com Miguel Reale, isto é, da ordem do ser tal como se dá a conhecer -, um (mero) critério de interpretação, a ser empregado com base exclusivamente no subjetivo (e incerto) alvedrio do intérprete; também considera que a proporcionalidade e a razoabilidade só podem ser atuadas no momento da norma da decisão quando do controle concreto, jamais quando do controle difuso.

 Podem ser tecidas como principais críticas à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em questões envolvendo a análise do princípio da proporcionalidade: 

- não se observa uma maior preocupação em fundamentar a escolha de qual direito fundamental deve prevalecer no caso concreto, sem uma reflexão aprofundada, sem uma argumentação criteriosa e demonstração de suas premissas; no mais das vezes são apresentados argumentos frágeis e simplistas;

- os Ministros não deixam claro o que significa adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, dando margem para que qualquer argumento se relacione o fim da medida e seu meio, e conclua-se que a medida não é razoável; assim, é fácil se perceber em alguns acórdãos a manipulação dos fins da medida no momento de considerá-la inadequada, o fazendo por meio de suas concepções pessoais e preconceitos e não através de um procedimento adequado;

- há divergências entre os Ministros no tocante ao conceito de necessidade, se abrangeria somente a necessidade de se atingir determinado fim, ou se também abrangeria apenas o fomento e promoção de tal fim, ainda que o objetivo não seja completamente realizado; a Min. Ellen Gracie em seu voto na Adin 1040 traz importante discussão sobre tais questões, considerando não apenas a necessidade de alcance completo da finalidade, mas também a necessidade de fomento, mesmo que não alcance o fim colimado;

- não há uma aplicação estruturada da proporcionalidade, nem mesmo da razoabilidade os quais envolvem um elevado grau de subjetividade, em razão da necessária ponderação e aferição da compatibilidade entre meios e fins. Assim, seria evitada a subjetividade e a aplicação retórica, pautada na conveniência e diferenciada em cada caso, em ofensa ao princípio da isonomia, através de um ônus argumentativo maior, bem como através do necessário procedimento para se aplicar corretamente o princípio da proporcionalidade; 

- o princípio da dignidade humana é utilizado muitas vezes como sendo um princípio superior em relação aos demais direitos fundamentais, possuindo uma suposta hierarquização, contudo, nem sempre se tem presente tal distinção nem tampouco é analisada sua finalidade de servir como limite, como mínimo legal intransponível;

- recentes julgados começaram a analisar o conflito entre os princípios da proteção do interesse público e do interesse privado por meio da ponderação via princípio da proporcionalidade, contudo, tal relativização por meio de tal procedimento e a correspondente técnica só se dá em algumas situações pontuais; a noção de prevalência do interesse público sobre o interesse privado, mesmo com riscos à violação de direitos fundamentais se fazia presente com maior ênfase a partir de 1960 até 1988; o julgamento do RE 153.531-8 é um exemplo importante da aplicação do princípio da proporcionalidade para resolver o conflito entre interesse público e privado, não tomando a noção de interesse público como um dogma, mas sim compreendida de maneira a ter de se compatibilizar com o interesse privado, utilizando-se da técnica da ponderação; 

- ocorre a simples fundamentação de diversos julgados com base na doutrina, sem explicitação e análise pormenorizada do princípio da proporcionalidade, através do procedimento adequado e necessário, através da análise da adequação, necessidade e razoabilidade; os julgados não são criteriosos já que não apresentam os fundamentos e a estruturação do princípio da proporcionalidade, ou seja, não se referem na maioria das vezes às subcategorias necessárias à aplicação deste princípio, donde não ser feita a análise adequada dos três subprincípios;

- há uma associação entre razoabilidade da decisão e o princípio da proporcionalidade, sem maiores considerações, além da utilização de termos vagos;

-  há superficialidade nos votos, na medida em que não explicam porque o ato ou a lei sub judice não seriam razoável/proporcional; não costuma haver exposição das suas referências metodológicas pelos ministros;

- os mesmos Ministros em diversos acórdãos partem de premissas declaradamente diversas, ou seja, partem de postulados diferentes caso a caso, havendo patente incoerência na aplicação de métodos jurídicos de interpretação.

 Outrossim, merece atenção, a análise do princípio da proporcionalidade como um princípio absoluto, em razão da necessária aplicação de tal princípio de forma absoluta, em toda e qualquer relação jurídica, envolvendo conflitos de direitos fundamentais, preservando-se o núcleo essencial de cada direito, ou seja, a dignidade humana. O “princípio dos princípios”, é de se considerar o único absoluto, por ser aquele que relativiza a relatividade de todo princípio (no que se diferenciam dos valores, absolutos, e também das regras, de aplicação absoluta, aplicando-se ou não), sendo, por isso, absoluto, sem perder a natureza de princípio fundamental (Grundsatz), que é a norma fundamental (Grundnorm) requerida para se pensar e realizar o Direito assumindo e resolvendo a tensão entre princípios com o máximo respeito fático e teoricamente possível à dignidade humana. Daí que, quando diante de conflitos de princípios e direitos fundamentais, sempre envolvendo a dignidade humana, por presente em todos direitos em conflitos deste tipo, evita-se que ela seja absolutamente negada, negando-se totalmente a aplicação, ainda que mínima, de algum dos direitos, fundamentais, conflitantes. 

Especificamente com relação ao Direito Comercial é insubstituível e premente a aplicação do princípio da proporcionalidade como fundamento da arguição de diversas inconstitucionalidades da atual Lei de Falências e Recuperação de Empresas (Lei nº 11.101/05 – LRF) e também do Projeto de Código Comercial Brasileiro (PL nº 1572/2011) quanto aos dispositivos que disciplinam a questão falimentar e recuperacional, revelando a não compatibilidade de tais medidas legislativas, quando analisadas sob a ótima dos três sub-princípios da proporcionalidade, ocasionando um desequilíbrio quanto aos direitos dos trabalhadores cotejados, no caso, com o direito de crédito das instituições financeiras, por privilegiar justamente os segundos, créditos de natureza não alimentar.31   

 Em relação ao direito internacional destaca-se o mal-uso do princípio da proporcionalidade, como se denota do artigo ora transcrito, invertendo-se toda sua lógica e finalidade, denunciando o emprego da proporcionalidade para justificar bombardeios a hospitais em que combatentes se esconderiam:

“(...) First, the logic of the human shields clauses can, it seems, quite easily be transferred to medical facilities. International law prohibits the use of civilians as human shields to protect military targets, but it also permits the attacking forces to kill human shields as long as they abide by the principle of proportionality. In this instance, then, international law ceases to protect civilians and actually becomes a weapon of the strong, protecting those who kill noncombatants.

By extension, if hospitals are used as shields, they too can be bombed provided the principle of proportionality is not breached.

Second, international law affirms that the protection to which hospitals are entitled is revoked when they are ‘used to commit, outside their humanitarian duties, acts harmful to the enemy.’ This extremely vague formulation lends itself to those who target hospitals. Unlike IHL clauses prohibiting torture, which are absolute, applying at all times and in all circumstances, the articles relating to the bombardment of hospitals are conditional. Therefore, in certain “exceptional” situations medical facilities do lose their protected status (...)”.32  

Difícil imaginar exemplo mais claro do malefício da concepção da proporcionalidade com base no “proporcionalismo”, em que uma ponderação é feita sem tomar a dignidade humana como limite inultrapassável para aceitação de qualquer decisão, levando em conta apenas seus benefícios, seja para o que ou quem for, sem considerar igualmente o comprometimento em termos de custo humanitário.

Notas

1Nessa perspectiva, tem-se a obra de ELÍAZ DÍAZ, Estado de Derecho y sociedad democrática, bem como a monografia já clássica na literatura política e constitucional em nosso País, várias vezes reeditada, de Mestre PAULO BONAVIDES, Do Estado Liberal ao Estado Social.
2GUERRA FILHO, Willis Santiago. Ensaios de Teoria Constitucional, pp. 69 ss.
3Cf., v.g., NEVES, Marcelo. A Constitucionalização Simbólica, pp. 66 e ss., texto e notas 71 e 78
4Cf., v.g. ALEXY, Robert. Rechtssystem und praktische Vernunft, in: Rechtstheorie, n. 18; LUHMANN, N. Sistema Juridico y Dogmatica Juridica, pp. 64 e ss.
5Cf. LUHMANN, Niklas. Zweckbegriff und Systemrationalität. Über die Funktion von Zwecken in sozialen Systemen, pp. 98 e ss., passim.
6LADEUR, K.H. Abwägung - ein neues Rechtsparadigma? Von der Einheit der Rechtsordnung zur Pluralität der Rechtsdiskurse, in: Archiv für Rechts- und Sozialphilosophie, n. 69; Id., Perspektiven einer post-modernen Rechtstheorie: Zur Auseinandersetzung mit Niklas Luhmanns Konzept der `Einheit des Rechtssystems, in: Rechtstheorie, n. 16.
7NEVES, Marcelo. Verfassung und Positivität des Rechts in der peripheren Moderne. Eine theoretische Betrachtung und eine Interpretation des Falls Brasiliens, p. 43, por seu turno, oberva com perspicácia que "in der paradoxen Perspektive des Postmodernismus ist das allgemeine Paradigma (die Abwägung) die Negation von allgemeinen Paradigmen". Em vernáculo: “na perspectiva paradoxal do pós-modernismo o paradigma geral (a ponderação) é a negação de paradigmas em geral”.
8Cf. LUHMANN, Niklas. Die soziologische Beobachtung des Rechts, p. 15 ss.; Id., Die Wissenschaft der Gesellschaft, p. 716, e, para uma descrição do caráter paradoxal e antinômico de sistemas auto-referenciais, F. VARELA, "A Calculus for Self-Reference", in: International Journal of General Systems, n. 2.
9BROEKMAN, Jan. Poetic Justice and Perelman, in: Rechtstheorie, n. 23, p. 178 ss.
10COMMAILLE, Jacques. Le droit comme science du politique, in: VV. AA., L'art de la recherche, p. 35. De um modo geral, sobre a relação entre a poética e o direito, v. nossa Teoria Poética do Direito.
11Nesse sentido, STELZER, Manfred. Das Wesensgehaltsargument und der Grundsatz der Verhältnismässigkeit, p. 22.
12ALEXY, Robert.Theorie der Grundrechte, pp. 75 e ss.
13Cf. ALEXY, Robert. Op. cit., p. 100, 143 e s., passim; GUERRA FILHO, Willis Santiago. Ensaios de Teoria Constitucional, cit., pp. 47 ss., passim; Id., Teoria Processual da Constituição, pp. 75 ss., 185 ss. e  Processo Constitucional e Direitos Fundamentais, pp. 63 ss.
14Cf. MOREIRA GOMES, Ana Virgínia. A Aplicação do Princípio Protetor no Direito do Trabalho. Sobre a proporcionalidade nesta área do direito, com valiosas reflexões também sobre o aspecto teórico, cf. FREITAS GUIMARÃES, Ricardo Pereira de. Princípio da Proporcionalidade no Direito do Trabalho.
15Sobre a função legitimadora do princípio da proporcionalidade cf. LOBO TORRES, Ricardo. A Legitimação dos Direitos Humanos e os Princípios da Ponderação e da Razoabilidade, in: Id. (Org.), A Legitimação dos Direitos Humanos, pp. 397 e ss., esp. pp. 432 e ss.
16Cf. BVerfGE 23, 133 (= Entscheidungen des Bundesverfassungsgerichts, vol. 23, p. 133). Em decisão anterior, o Verhältnissmäßigkeitsprinzip já fora apresentado como resultante "no fundo, da essência dos próprios direitos fundamentais", acrescentando, de forma assimilável à referida formulação clássica de SUAREZ, que se teria aí uma "expressão do anseio geral de liberdade dos cidadãos frente ao Estado, em face do poder público, que só pode vir a ser limitada se isso for exigido para proteção de interesses públicos. BVerfGE 19, 348/349. Uma reconstrução detalhada do caminho percorrido na doutrina pelo princípio ora estudado encontra-se na monografia de HIRSCHBERG, Lothar, Der Grundsatz der Verhaltnismässigkeit, Göttingen:Tese, 1981.
17Cf. AFONSO DA SILVA, Luís Virgílio. O Proporcional e o Razoável, in: Revista dos Tribunais, vol. 798, p. 26. Em apoio ao posicionamento aqui assumido v. FERNANDES DE ARAÚJO, Francisco. Princípio da Proporcionalidade: significado e aplicação prática; MOTA, Marcel. Pós-Positivismo e Restrições de Direitos Fundamentais, pp. 127/130. Irretorquível, por outro lado, no trabalho inicialmente referido, é a distinção entre os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, a qual constitui seu objeto central. Em suma, a respeito, entendemos que o princípio da (i)razoabilidade é uma proibição do absurdo em direito, do que é despropositado, sem finalidade juridicamente justificável, enquanto o da proporcionalidade se traduz em uma proibição de excessos e se presta a determinar o meio mais adequado, exigível e respeitoso à dignidade humana, para que se atinja certa finalidade, considerada merecedora de ser atingida, por razoável. 
18Cf.  DWORKING, Ronald. Taking Rights Seriously, p. 26 ss
19O fato de Alexy, na famosa “página 100” da edição original da Theorie der Grundrechte, com apoio o professor de Direito Constitucional na Universidade de Heidelberg, Haverkate, referir à possibilidade dos “subprincípios da proporcionalidade” permitirem, tal como regras jurídicas, a subsunção, não implica, ipso facto, como pretende Luís Virgílio Afonso Da Silva, loc. ult. cit., ser o princípio da proporcionalidade uma regra, pois o conteúdo de uma regra é a descrição (e previsão) de um fato, acompanhada da prescrição de sua consequência jurídica, e não outra regra. Também, pelo princípio lógico da “navalha de Ockham”, pelo qual não se deve multiplicar desnecessariamente os termos, sem que haja entes diversos a serem nomeados por eles, também não pensamos que deixe de haver sinonímia entre o princípio da proporcionalidade em sentido estrito e a proibição de excesso “de ação”, por implicar o princípio também em uma “proibição de (excesso) de omissão” (Untermassverbot). 
20 Daí se referir ao princípio Paulo Bonavides como “antiquíssimo”. Cf. Curso de Direito Constitucional,  p. 362.
21VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, p. 222
22Cf., v.g., “O Princípio Constitucional da Proporcionalidade”, in: GUERRA FILHO, Willis Santiago. Ensaios de Teoria Constitucional, cit., pp. 69 ss., esp. pp. 84 ss.; Id., Os Princípios da Isonomia e da Proporcionalidade como Direitos Fundamentais, in: Revista da Procuradoria-Geral do Estado do Ceará (RPGE-CE), n. 13, Fortaleza: IOCE, 1994/1995, p. 36; Id., Princípio da Proporcionalidade e Teoria do Direito, in: Direito Constitucional. Estudos em Homenagem a Paulo Bonavides, GRAU, Eros Roberto, & Id.
23O Princípio da Proporcionalidade e o Direito Tributário, pp. 54-56.
24Constitución, Jurisdición y Proceso, p. 289.
25Assim, BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. p. 204 e também MEDICUS, Dieter. Der Grundsatz der Verhaltnismässigkeit im Privatrecht, in: Archiv für die Civilistische Praxis, n.  192, 1992, pp. 53 s., quando considera o princípio da proporcionalidade um meio de interpretar a Constituição, similar ao método teleológico, não devendo ser considerado constitucional com são apenas os direitos fundamentais compreendidos à luz deste princípio – como se fosse possível distinguir um direito ou uma norma jurídica da compreensão que de ambos se tem. A resultados similares leva a proposta de Humberto Bergmann Ávila, em “A Distinção entre Princípios e Regras e a Redefinição do Dever de Proporcionalidade”, in: Revista de Direito Administrativo, n. 215,pp. 151 ss.,  de que se considere a proporcionalidade um dever derivado de um postulado, que o mesmo A. apresenta, corretamente, como uma condição de possibilidade do conhecimento de determinado objeto – então, fica nos devendo o A. uma explicação de como se poderia afirmar um dever, sem que o mesmo decorra de uma norma ou corresponda a um direito, mas sim advenha da adoção, condicional, de um postulado ou critério. Em apoio ao nosso posicionamento, HONESKO, Victor Hugo. A Norma Jurídica e os Direitos Fundamentais, p. 129.
26Le raisonnable et le déraisonnable en droit, p. 15.
27Na constituição alemã, tendo em vista esse fato, consagra o art. 19, 2a parte, o princípio segundo o qual os direitos fundamentais jamais devem ser ofendidos em sua essência (Wesensgehaltsgarantie). Exatamente dessa norma é que autores como Lerche e Dürig deduzem, a contrário sensu, a consagração do princípio da proporcionalidade pelo direito constitucional, pois ela implica na aceitação de ofensa a direito fundamental "até um certo ponto", donde a necessidade de um princípio para estabelecer o limite que não se deve ultrapassar. Cf.  BVerfGE 34, 238; DÜRIG. Der Grundsatz von der Menschenwürde. Entwurf eines praktikablen Wertsystems der Grundrechte aus Art. 1, Abs. I, in Verbindung mit Art. 19. Abs. II, des Grundgesetzes, in: Archiv für öffentliches Recht, n. 81, Tübingen: Mohr/Siebeck, pp. 117 ss.; LERCHE, Peter. Übermass- und Verfassungsrecht. Zur Bindung des Gesetzqebers an die Grundsätze der Verhältnissmäßigkeit und Erforderlichkeit, Heidelberg: Müller, 1961.
28Cf., por todos, NERY JR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal, p. 153.
29Mais extensamente em CANTARINI, Paola. Direito Comercial à luz do princípio da proporcionalidade - uma análise filosófico-poética.
30De último, dentre aqueles de maior repercussão, tem-se o exemplo do voto-vista do Min. Luis Roberto Barroso, no Habeas Corpus 124.306 Rio de Janeiro, admitindo a interrupção voluntária da gestação no primeiro trimestre.

Referências

REFERÊNCIAS

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______. Theorie der Grundrechte. Baden-Baden: Nomos, 1985.

ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos fundamentais na constituição portuguesa de 1976. Coimbra: Almedina, 1987.

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GUERRA FILHO, Willis Santiago. Ensaios de teoria constitucional. Fortaleza: Imprensa Universitária da UFC, 1989.

Citação

GUERRA FILHO, Willis Santiago, CANTARINI, Paola. Proporcionalidade. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Teoria Geral e Filosofia do Direito. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga, André Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/15/edicao-1/proporcionalidade

Edições

Tomo Teoria Geral e Filosofia do Direito, Edição 1, Abril de 2017