Émile Durkheim (1858-1917) é considerado por muitos como o fundador da sociologia geral e jurídica na França. Trata-se de um autor que produz sua obra em um período marcado profundas mudanças sociais, políticas e econômicas na Europa. Deste modo, como diversos outros autores de sua época, Durkheim pretende compreender, a partir de uma perspectiva científica, as transformações experimentadas pelos mecanismos de organização das sociedades, tais como o direito e a religião, em virtude de tais mudanças. Pretendendo desenvolver o projeto de uma sociologia autônoma, Durkheim afirma que os fenômenos sociais devem ser considerados como “coisas externas e objetivas”, exteriores às consciências individuais. Seu pensamento dominou a sociologia acadêmica francesa até a Segunda Guerra Mundial. Suas obras fundamentais, publicadas em vida, são: De la division du travail social (1983), Les règles de la méthode sociologique (1895), Le suicide (1897) e Les formes élémentaires de la vie religieuse (1912). Alguns de seus cursos ministrados em Bordeaux ou em Paris foram publicados postumamente. Cabe também mencionar a importante empreitada editorial promovida por Durkheim na revista L’année sociologique

1. Breves considerações sobre o pensamento de Émile Durkheim


Como enfatiza Raymond Aron, na clássica análise desenvolvida no livro Les étapes de la pensée sociologique, diferentemente de autores como Auguste Comte, Karl Marx e Alexis de Tocqueville, que teriam formado suas ideias na primeira metade do século XIX, autores como Émile Durkheim, Vilfredo Pareto e Max Weber, teriam formado seu pensamento no último terço do século XIX, momento marcado por profundas transformações sociais, culturais e econômicas na Europa. São, portanto, autores que orientam suas análises para a situação do contexto europeu em que se inscrevem. Neste sentido, especificamente no que tange a Durkheim, seria possível afirmar, em termos genéricos, que sua análise focaliza a diferença entre as configurações modernas e as tradicionais ou pré-modernas procurando analisar as distintas formas de construção da coesão social em tais contextos díspares.1 

Ao contrastar o pensamento de Durkheim com os de Pareto e de Weber, Raymond Aron observa que “Durkheim é, por formação, um filósofo de universidade francesa. Pertence à posteridade de Auguste Comte e coloca no centro de sua reflexão a necessidade do consenso social”.2 Tendo isso em conta, é preciso sublinhar, tal como fazem Frédéric Keck e Mélanie Plouviez, que Durkheim, enquanto um dos fundadores da sociologia científica francesa, estaria situado em uma configuração linguística que lhe precede. Ora, procurando desvencilhar-se das prenoções do senso comum e das interpretações desenvolvidas por abordagens precedentes (filosofia, biologia, psicologia etc.), Durkheim inflexiona sobre o sentido das palavras constantes nessa configuração linguística de modo a procurar fazer com que elas constituam um vocabulário específico e adequado para a nova ciência que pretende criar.3

Deste modo, a sociologia de Durkheim se opõe aos discursos filosóficos no interior dos quais seu próprio vocabulário se delineia. Assim, como enfatizam Frédéric Keck e Mélanie Plouviez, Durkheim, cuja formação filosófica é fortemente marcada pelo kantismo e pelo neokantismo, desloca os principais conceitos filosóficos que recebe da tradição para uma configuração teórica inédita, cujo propósito seria resolver, pelo ângulo sociológico, os problemas não resolvidos pela filosofia. Aliás, referindo-se ao desenvolvimento da obra de Durkheim, Keck e Plouviez sublinham que o estudo do vocabulário por ele mobilizado revelaria uma expressiva estabilidade conceitual. Assim, rejeitando interpretações contrapõem uma fase positivista e empirista (que apareceria em De la division du travail social) a outra que teria um contorno metafísico (que se expressaria em Les formes élémentaires de la vie religieuse), os autores sustentam que o vocabulário e os conceitos mobilizados por Durkheim teriam se mantido estáveis ao longo de sua obra.4 

A obra de Durkheim experimentou uma ampla difusão e influenciou diversos importantes autores tais como Marcel Mauss, Lucien Lévy-Bruhl e Maurice Halbwachs. Conforme observam André-Jean Arnaud e Pierre Noreau, trata-se de uma verdadeira escola que teria ostentado uma posição hegemônica na sociologia acadêmica francesa até pelo menos a Segunda Guerra Mundial, a partir da qual começa a ceder espaço para outros modelos interpretativos.5 A imensa difusão do pensamento de Durkheim e sua incontestável influência em diversos âmbitos da pesquisa sociológica na França tornam improfícuas tentativas de síntese que procurem fazer um apanhado exaustivo de suas contribuições e potencialidades. Neste sentido, a análise que se fará a seguir tem por foco apenas explicitar, em linhas muito gerais, o tratamento dado ao direito pelo autor sem pretender enfocar suas reverberações posteriores, uma vez que semelhante empreitada não seria compatível com as dimensões e os propósitos de uma análise como a que aqui se esboça. Portanto, não se pretenderá fazer aqui uma capitulação dos diversos importantes autores, tais como Talcott Parsons, Jürgen Habermas, Niklas Luhmann, Pierre Bourdieu, Jacques Commaille ou Anthony Giddens que, na contemporaneidade, enfocam o direito pelo ângulo sociológico e que encontram em Durkheim um interlocutor privilegiado, seja por afinidade ou por contraposição. 

Tendo isso em consideração, esta análise irá concentrar-se no livro De la division du travail social. Isso se justifica, pois tal obra consigna a mais ampla análise dispensada por Durkheim ao direito. Conforme observa Philippe Steiner, é possível se observar, na obra de Durkheim, um progressivo deslocamento do ponto de gravitação da análise do direito para a religião. Assim, em um interstício de cerca de 20 anos, ou seja, entre a publicação dos livros De la division du travail social (1893) e Les formes élémentaires de la vie religieuse (1912), observar-se-ia uma progressiva centralidade dada por Durkheim ao fato religioso.6 Neste sentido, para uma análise limitada como a que será feita a seguir, importa analisar sobretudo o livro de 1893, pois é nele que o direito adquire maior centralidade na obra de Durkheim. Antes, porém, com o intuito de sublinhar a relevância do pensamento de Durkheim na configuração da sociologia moderna, será feita uma breve incursão pela análise de Danilo Martuccelli acerca das matrizes do pensamento sociológico sobre a modernidade. 


2. Émile Durkheim e o delineamento da matriz sociológica da "diferenciação social"


Danilo Martuccelli ressalta que a modernidade, enquanto objeto da análise sociológica, teria sido descrita a partir de diferentes maneiras pelos mais variados autores, decorrendo daí sua significativa porosidade conceitual.7 Assim, dentre as várias possibilidades de reconstrução e articulação das diversas abordagens desenvolvidas acerca desse tema, se propõe a utilizar o conceito de matriz (matrice). Segundo Martuccelli, o conceito de matriz consistiria numa forma de compreensão da continuidade da reflexão sociológica a respeito da modernidade e, por conseguinte, de articulação de distintas visões relativamente à mesma. Nesse sentido, o conceito de matriz designaria, sobretudo, um espaço de invenção teórica e de descrição da modernidade que não poderia ser reduzido a uma doutrina ou a um único modelo epistemológico consistente.8

A partir dessa definição, Martuccelli aponta a existência de três grandes matrizes sociológicas de descrição da modernidade, a saber: a) “matriz da diferenciação social”; b) “matriz da racionalização”; c) “matriz da condição moderna”. Segundo esse autor, a “matriz da diferenciação social” privilegiaria o processo de diferenciação da sociedade como forma de descrição da modernidade. Essa matriz estaria estruturada a partir do pensamento de Émile Durkheim, agregando autores como Talcott Parsons, Pierre Bourdieu e Niklas Luhmann. A “matriz da racionalização” – articulada ao redor das obras de Max Weber, Norbert Elias, Herbert Marcuse, Michel Foucault e Jürgen Habermas – enfatizaria, ainda que sob perspectivas diferentes e muitas vezes conflitantes, o processo de racionalização como fator definidor do perfil da modernidade. Nesse contexto, mesmo divergindo significativamente, as propostas de Weber, Elias, Marcuse, Foucault e Habermas teriam em comum a problemática da racionalização como pano de fundo de suas análises sobre a modernidade. Por fim, na “matriz da condição moderna” a reflexão sociológica estaria voltada à análise dos paradoxos e das contradições insuperáveis da vida moderna, pautada pela fugacidade e efemeridade engendradas por uma condição de constante mutabilidade, cujo ritmo também se torna cada vez mais acelerado. Nessa matriz, o foco da análise estaria dirigido acima de tudo para a natureza da relação social que o indivíduo (que não pode mais ser definido como o sujeito coerente e homogêneo da consciência clássica) mantém com um mundo que se tornou fragmentário. Tal matriz estaria articulada ao redor de autores como Georg Simmel, Erving Goffman, Alain Touraine e Anthony Giddens.9


3. Direito e sociedade na obra de Émile Durkheim


Conforme observa André-Jean Arnaud, contrariamente a Comte, Durkheim teria promovido uma profícua interpenetração entre a pesquisa jurídica e a sociológica. Seu primeiro curso, ministrado na Faculdade de Letras de Bordeaux, instituição em que figurava, desde 1887, como professor de “pedagogia e ciências sociais”, versava sobre a “solidariedade social” e tinha por objeto a análise da distinção entre a “solidariedade mecânica” (solidarité mécanique), fundada nas similitudes, e a “solidariedade orgânica” (solidarité organique), decorrente da especialização. A essas duas formas de solidariedade, Durkheim já fazia corresponder, respectivamente, um “direito repressivo” (droit répressif) e um “direito restitutivo” (droit restitutif). Por fim, também já indicava, como causa presumida para a divisão do trabalho social, o crescimento da densidade social.10  

Todos esses aspectos aparecem expressos na obra De la division du travail social, publicada em 1893, em que Durkheim enfoca, de forma contraposta, essas duas maneiras de articulação do liame social: a “solidariedade mecânica” e a “solidariedade orgânica”.11 O contraste entre essas duas formas de solidariedade social serve a Durkheim como mecanismo de solução à questão de como se operam as relações entre indivíduo e sociedade. Assim, o problema fundamental de sua abordagem, nessa obra, consiste em explicar como o indivíduo, mesmo se tornando mais autônomo, mostra-se mais estreitamente dependente da sociedade.12 Aliás, é por essa razão que Raymond Aron, sublinha que o tema fundamental desse livro de Durkheim consistiria no exame das relações entre indivíduos e sociedade.13

Segundo Durkheim, a solidariedade mecânica corresponderia a sociedades ditas segmentárias, nas quais os indivíduos seriam semelhantes no que concerne à partilha dos elementos constitutivos da consciência comum.14 Em tais sociedades não haveria nem especialização de funções nem de indivíduos os quais se encontrariam amalgamados nos grupos por eles compostos. Sem entrar na discussão relativa ao “evolucionismo” na obra de Durkheim, cabe notar que tais sociedades seriam cronologicamente as primeiras.15 Por outro lado, a solidariedade orgânica corresponderia a sociedades caracterizadas pela diferenciação funcional, nas quais haveria uma divisão de funções e de indivíduos e a formação de subgrupos especializados que reforçariam a individualização, fazendo com que os indivíduos sejam considerados como fonte autônoma de pensamento e ação.16 Trata-se, portanto, de dois sistemas distintos de relações sociais.17

Ao contrastar essas duas formas de solidariedade, Durkheim enfatiza, sobretudo, os seguintes aspectos: a) enquanto na solidariedade mecânica a relação entre indivíduo e sociedade ocorre sem que haja nenhuma intermediação, na solidariedade orgânica tal relação é intermediada ela pertença a grupos especializados; b) enquanto na solidariedade mecânica a sociedade é vista como um conjunto mais ou menos organizado de crenças e sentimentos comuns a todos os membros do grupo, nas sociedades em que vige a solidariedade orgânica verifica-se a presença de um sistema de funções diferentes e especializadas unidas por relações definidas; c) a intensidade da solidariedade mecânica é inversamente proporcional à da personalidade individual, ou seja, atinge seu apogeu quando a consciência coletiva recobre exatamente nossa consciência total e coincide em todos os pontos com ela. Contrariamente, a solidariedade orgânica, produzida pela divisão do trabalho social, pressupõe a personalidade e a esfera de ação própria dos indivíduos. Assim, é preciso que a consciência individual não fique integralmente recoberta pela consciência coletiva.18 Philippe Steiner representa esquematicamente essas duas formas de solidariedade da seguinte maneira: 

                                                     Dois sistemas de relações sociais19



Entretanto, segundo Durkheim, essas formas de solidariedade social não seriam passíveis de observação direta,20 o que implicaria, conforme bem o nota Philippe Steiner, a escolha de um “indicador” para aquilatar o objeto e seu processo de evolução.21 O indicador utilizado por Durkheim é o direito que, segundo ele, codificaria as regras imperativas da vida social, reproduzindo, assim, as principais formas da solidariedade social.22 Ademais, justamente porque o direito sempre variaria conforme as relações sociais por ele regradas, seria possível enfocá-lo como a forma exterior que simboliza os tipos de solidariedade de cimentam a vida social.23 É por essa razão que, a partir da classificação dos diferentes modos de manifestação do direito, seria possível expressar as formas de solidariedade social que escapariam à observação direta.24

Nesse sentido, para classificar as formas de solidariedade social (mecânica e orgânica), concebidas como expressão de um fenômeno moral e, por essa razão, inacessível à observação e à mensuração, Durkheim propõe que se enfoque o direito como fato exterior que as simbolizaria. O pressuposto de sua tese é que seria possível encontrar refletidas no direito todas as variações essenciais da solidariedade social.25 Nesse sentido, distingue, de um lado, o direito repressivo (droit répressif), característico de sociedades nas quais haveria a presença intensa de crenças e práticas comuns, que Durkheim denomina de “consciência coletiva” (conscience collective) e, de outro, o direito restitutivo (droit restitutif), característico de sociedades funcionalmente diferenciadas, nas quais, como decorrência, não haveria uma presença intensa de crenças e práticas comuns que caracterizam a consciência coletiva. Para distinguir essas duas formas de direito, Durkheim aponta os tipos de sanção que lhes são características. A classificação das regras jurídicas em função dos tipos de sanção ligadas a elas seria metodologicamente possível, pois Durkheim define o direito como “regra de conduta sancionada” (règle de conduite sanctionnée).26

Assim, direito repressivo e direito restitutivo se distinguiriam justamente porque ao primeiro corresponderia uma sanção consistente essencialmente numa dor ou, pelo menos, numa diminuição infligida ao agente. Esse tipo de sanção seria, portanto, repressiva. Por outro lado, a sanção correspondente ao direito restitutivo não implicaria necessariamente um sofrimento do agente, mas uma reparação das coisas (remise des choses en état), ou seja, o restabelecimento das relações perturbadas sob sua forma normal, seja mediante a recondução coercitiva da conduta desviante ao que foi preceituado pela norma violada, seja mediante a anulação da ação praticada, com a decorrente privação de todo seu valor social.27 Feita essa classificação das sanções, seria possível derivar dela duas grandes espécies de regras jurídicas: 1- as que ostentam sanções repressivas organizadas; 2- as que ostentam apenas sanções restitutivas. As primeiras seriam características do direito penal. As segundas seriam próprias do direito civil, direito comercial, direito processual, direito administrativo e constitucional, abstração feita às regras penais que possam, porventura, estar entre elas.28  

Para os propósitos desta breve exposição, importa ressaltar, sobretudo, a existência de uma ampla abordagem do direito na obra de Durkheim que, entretanto, se desenvolve no bojo de sua análise referente às formas de solidariedade social. Conforme sublinha Niklas Luhmann, a obra de Durkheim apontaria as bases não-contratuais e, portanto, sociais do contrato.29 De fato, Durkheim define o contrato a partir do livre consentimento das vontades dos contratantes e da regulamentação social que sobre ele incide.30 Segundo Durkheim, as vontades individuais somente são fonte de direito quando se conformam à regulamentação social e respeitam os valores sociais.31 Enfatizando justamente esse mesmo aspecto da obra de Durkheim, Raymond Aron ressalta que: 

“(...) poder-se-ia acreditar que Durkheim encontra assim uma ideia que tinha uma função importante na sociologia de Spencer e nas teorias dos economistas clássicos: a ideia de que a sociedade moderna se baseia essencialmente no contrato, isto é, em acordos concluídos livremente pelos indivíduos. Neste caso, a visão de Durkheim se ajustaria de certo modo à fórmula clássica ‘do estatuto ao contrato’ (...). Mas não é essa a ideia de Durkheim. Para ele, a sociedade moderna não se baseia no contrato, como a divisão do trabalho não se explica a partir de decisões racionais dos indivíduos de repartir as ocupações para aumentar a produção coletiva. Se a sociedade moderna fosse ‘contratualista’, poderia ser explicada pelo comportamento dos indivíduos. Ora, o que o sociólogo quer demonstrar é precisamente o contrário. Opondo-se assim aos ‘contratualistas’, como Spencer, e aos economistas, Durkheim não nega que nas sociedades modernas os contratos concluídos livremente pelos indivíduos tenham um papel importante. Mas esse elemento contratual é um derivado da estrutura da sociedade, e até mesmo um derivado do estado de consciência coletiva da sociedade moderna.”32

Isso decorreria do fato de que Durkheim concebe o direito, enquanto regramento moral, como expressão da solidariedade de uma determinada sociedade. Assim, tal como ocorre com o tipo de solidariedade, também o direito seria determinado pela forma de diferenciação social e se modificaria no bojo do desenvolvimento da sociedade que, como se sabe, para Durkheim, consiste numa reorganização da sociedade da forma segmentária de diferenciação para a funcional, pautada pela divisão do trabalho social.33 Acerca dessa questão Raymond Aron ressalta que “a divisão do trabalho é um fenômeno social; o de uma combinação do volume, densidade material e moral da sociedade. (...) Assim, quanto mais intenso o relacionamento entre os indivíduos, maior a densidade. A diferenciação social resulta da combinação dos fenômenos do volume e da densidade material e moral”.34 

Tendo isso em vista, Niklas Luhmann, que considera Durkheim como uma expressão das concepções clássicas da sociologia do direito, ressalta que, para o autor francês, a questão decisiva seria relativa à “complexidade estruturalmente permissível” (strukturell zugelassener Komplexität), ou seja, o que lhe importaria essencialmente a ele seria o tipo de diferenciação sistêmica (Systemdifferenzierung) e apenas secundariamente a forma do direito (die Form des Rechts), ainda que a conceba como estreitamente vinculada à forma da diferenciação.35 Como decorrência, segundo Luhmann, Durkheim não teria ido além da constatação de uma realidade social autônoma do dever-ser normativo que integra ordens sociais diferenciadas e determina não apenas o comportamento normal, mas também o divergente e até mesmo o comportamento “anômico”, inclusive o suicídio. Desse modo, não teria chegado a um conceito mais preciso de direito.36

Notas

1 Cf. ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico, pp. 443-453.

2 ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico, p. 453. 

3 Cf. KECK, Frédéric; PLOUVIEZ, Mélanie. Le vocabulaire d’Émile Durkheim, p. 3. 

4 Cf. KECK, Frédéric; PLOUVIEZ, Mélanie. Le vocabulaire d’Émile Durkheim, pp. 3-4. Para um excelente, levantamento recente da bibliografia de Durkheim, ver a “Biobibliografia” constante na edição brasileira de “O individualismo e os intelectuais”. Cf. DURKHEIM, Émile. O individualismo e os intelectuais: edição bilíngue e crítica, pp. 123-132.

5 Cf. ARNAUD, André-Jean. NOREAU, Pierre. The sociology of law in France: trends and paradigms. Journal of Law and Society, v. 25, nº 2, p. 257. Para uma análise da escola francesa de sociologia, ver, por exemplo: ARNAUD, André-Jean. Critique de la raison juridique 1. Où va la sociologie du droit?, p. 120 e ss.; BERTHELOT, Jean-Michel. La construction de la sociologie, pp. 32-39.

6 Cf. STEINER, Philippe. La sociologie de Durkheim, pp. 21-25.

7 Cf. MARTUCCELLI, Danilo. Sociologies de la modernité, p. 9.

8 Cf. MARTUCCELLI, Danilo. Sociologies de la modernité, pp. 20-21. Para uma análise da proposta de Martuccelli, ver: VILLAS BÔAS FILHO, Orlando. Teoria dos sistemas e o direito brasileiro, pp. 55-58; O direito na teoria dos sistemas de Niklas Luhmann, pp. 43-44, nota 55; Différentiation fonctionnelle. Dictionnaire de la globalisation – Droit, science politique, sciences sociales, pp. 144-148; A sociologia do direito: o contraste entre a obra de Émile Durkheim e a de Niklas Luhmann. Revista da Faculdade de Direito da USP, vol. 105, pp. 565-563; GONÇALVES, Guilherme Leite; VILLAS BÔAS FILHO, Orlando. Teoria dos sistemas sociais: direito e sociedade a partir da obra de Niklas Luhmann, pp. 79-80.

9 Cf. MARTUCCELLI, Danilo. Sociologies de la modernité, pp. 369-373.

10 Cf. ARNAUD, André-Jean. Critique de la raison juridique 1. Où va la sociologie du droit?, p. 113. 

11 A “solidariedade mecânica” e a “solidariedade orgânica” são tratadas por Durkheim, respectivamente, nos capítulos II e III da obra intitulada De la division du travail social. Cf. DURKHEIM, Émile. De la division du travail social, pp. 35-102.

12 Durkheim ressalta que que “quant à la question qui a été l’origine de ce travail, c’est celle des rapports de la personnalité individuelle et de la solidarité sociale. Comment se fait-il que, tout en devenant plus autonome, l’individu dépende plus étroitement de la société? Comment peut-il être à la fois plus personnel et plus solidaire? Car il est incontestable que ces deux mouvements, si contradictories qu’ils paraissent, se poursuivent parallèlement. Tel est le problème que nous nous sommes posé. Il nous a paru que ce qui résolvait cette apparente antinomie, c’est une transformation de la solidarité sociale, due au développement toujours plus considérable de la division du travail” (DURKHEIM, Émile. De la division du travail social, pp. XLIII-XLIV).

13 Cf. ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico, p. 458. 

14 Durkheim ressalta que “l’ensemble des croyances et des sentiments communs à la moyenne des membres d’une même société forme un système déterminé qui a sa vie propre ; on peut l’appeler la conscience collective ou commune” (DURKHEIM, Émile. De la division du travail social, p. 46). 

15 A esse respeito, Jean Baechler, em comunicação oral dada por ocasião de um colóquio, realizado em 2008, como comemoração aos 150 anos de nascimento de Durkheim, enfatizou justamente essa problemática. Um apanhado das publicações que ocorreram em virtude das comemorações do 150º aniversário de Durkheim, ver: MERLLIÉ, Dominique. L’“année” durkheimienne 2008. Revue Philosophique de la France et de l’étranger, nº 2, pp. 217-230. 

16 Comentários acerca dessa tese de Durkheim podem ser encontrados, por exemplo, em: ARNAUD, André-Jean. Critique de la raison juridique 1. Où va la sociologie du droit?, p. 113-114; STEINER, Philippe. La sociologie de Durkheim, p. 20; ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico, p. 466 e ss.; SERVERIN, Évelyne. Sociologie du droit, pp. 36-38 ; CLADIS, Mark S. Beyond solidarity? Durkheim and twenty-first century democracy in a global age. The Cambridge Companion to Durkheim, pp. 384-386; LAYDER, Derek. Modern social theory: key debates and new directions, pp. 49-50; LEHMANN, Jennifer M. Deconstructing Durkheim: a post-post-structuralist critique, pp. 46-50; VALADE, Bernard. Durkheim: les idées directrices d’une sociologie scientifique. Durkheim: l’institution de la sociologie, pp. 46-50. Para uma comparação da tese de Durkheim com a de Ferdinand Tönnies, ver: BERTHELOT, Jean-Michel. La construction de la sociologie, pp. 32-41; VILLAS BÔAS FILHO, Orlando. A sociologia do direito: o contraste entre a obra de Émile Durkheim e a de Niklas Luhmann. Revista da Faculdade de Direito da USP, vol. 105, pp. 568-575; WEISS, Raquel. Sociologia e direito na teoria durkheimiana. Manual de sociologia jurídica, pp. 39-40.

17 No que concerne à diferença entre solidariedade mecânica e orgânica, Luc Boltanski e Ève Chiapello enfatizam que “c’est sans doute aussi au développement des capacités critiques que Durkheim pensait quand il opposait la solidarité mécanique à la solidarité organique. Tandis que, dans le cadre de la première, la critique consiste essentiellement à sanctionner les transgressions, jugées scandaleuses, la seconde, associée à des formes étendues de division du travail, à une conscience plus grande de la pluralité et, par là, à des prétentions diversifiées à la légitimité, ouvre la voie à un conflit des interprétations et en quelque sorte à l’institutionnalisation de la critique sociale” (BOLTANSKI, Luc; CHIAPELLO, Ève. Le nouvel esprit du capitalisme, p. 588).

18 Cf. DURKHEIM, Émile. De la division du travail social, pp. 99-101. 

19 STEINER, Philippe. La sociologie de Durkheim, p. 20

20 Conforme ressalta Durkheim, “la solidarité est quelque chose de trop indéfini pour qu’on puisse aisément l’atteindre. C’est une virtualité intangible qui n’offre pas prise à l’observation” (DURKHEIM, Émile. De la division du travail social, p. 32). 

21 Cf. STEINER, Philippe. La sociologie de Durkheim, p. 19.

22 A esse respeito, Durkheim ressalta que “puisque le droit reproduit les formes principales de la solidarité sociale, nous n’avons qu’à classer les différentes espèces de droit pour chercher ensuite quelles sont les différentes espèces de solidarité sociale qui y correspondent” (DURKHEIM, Émile. De la division du travail social, p. 32). É por essa razão que Javier Treviño ressalta que “since social solidarity cannot be observed and thus measured directly, Durkheim uses Law as a methodological indicator to measure it indirectly” (TREVIÑO, A. Javier. The sociology of Law: classical and contemporary perspectives, p. 239).

23 Durkheim ressalta que “le droit varie toujours comme les relations sociales qu’il règle” (DURKHEIM, Émile. De la division du travail social, p. 102). 

24 Cf. STEINER, Phillipe. La sociologie de Durkheim, p. 19. 

25 Segundo Durkheim, “il faut donc substituer au fait interne qui nous échappe un fait extérieur qui le symbolise et étudier le premier à travers le second. Ce symbole visible, c’est le droit. (...) Nous pouvons donc être certains de trouver reflétées dans le droit toutes les variétés essentielles de la solidarité sociale” (DURKHEIM, Émile. De la division du travail social, pp. 28-29). Em sentido semelhante, ver Les règles de la méthode sociologique, p. 102 e ss. 

26 Cf. DURKHEIM, Émile. De la division du travail social, p. 33. 

27 Cf. DURKHEIM, Émile. De la division du travail social, pp. 33-34.

28 Cf. Idem, p. 34. 

29 Nesse particular, Luhmann ressalta que “Émile Durkheim weist in gezielter Polemik auf die nichtvertraglichen (und damit: gesellschaftlichen!) Grundlagen des Vertrags hin” (LUHMANN, Niklas. Rechtssoziologie, p. 15). A respeito, ver, sobretudo: DURKHEIM, Émile. Leçons de sociologie, pp. 198-244.

30 Cf. DURKHEIM, Émile. De la division du travail social, p. 189. 

31 Cf. Idem, p. 192.

32 ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico, p. 469. 

33 Nesse particular, Danilo Martuccelli, contrastando as perspectivas de Durkheim e Luhmann, ressalta que “même s’il est possible de repérer un air de famille entre la thèse de la division du travail, celle de la différenciation des rôles et la différentiation systémique à proprement parler, il n’empêche aucunement l’établissement d’une différence substantielle” (MARTUCCELLI, Danilo. Sociologies de la modernité, p. 593). 

34 ARON, Raymond. Op. cit., p. 472.

35 Cf. LUHMANN, Niklas. Rechtssoziologie, p. 16.

36 Cf. LUHMANN, Niklas. Rechtssoziologie, p. 18. Para uma análise que contrasta os pensamentos de Durkheim e de Luhmann, ver: VILLAS BÔAS FILHO, Orlando. A sociologia do direito: o contraste entre a obra de Émile Durkheim e a de Niklas Luhmann. Revista da Faculdade de Direito da USP, vol. 105, pp. 561-593. 

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Citação

VILLAS BÔAS FILHO, Orlando. Émile Durkheim. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Teoria Geral e Filosofia do Direito. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga, André Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/140/edicao-1/emile-durkheim

Edições

Tomo Teoria Geral e Filosofia do Direito, Edição 1, Maio de 2017