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Direito quântico
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Ricardo Hasson Sayeg
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Tomo Teoria Geral e Filosofia do Direito, Edição 1, Maio de 2017
A racionalização do universo e a perspectiva da realidade é histórica e cronologicamente marcada pela lógica de Aristóteles; pela física mecanicista de Isaac Newton; e, pela física quântica e relativística de Einstein que estabeleceu a equivalência entre massa e matéria. Estes marcos de evolução da lógica e da física, enfim da racionalização do universo, influenciam a perspectiva humana da própria realidade, no que está compreendido o Direito. Em decorrência, o Direito que se aplicava à realidade, que no momento anterior era lógico e mecanicista, passa a ser lógico, mecanicista, e consubstancial entre tudo, inclusive à sua realidade, via de consequência, quântico. Daí emerge, o novo e atual Direito racional, baseado na mais moderna física, que é o Direito Quântico.
1. Direito quântico
O Direito deve acompanhar a evolução humana de racionalização do universo e de perspectiva da realidade, mediante o seu rigoroso e científico atrelamento às evoluções da Física e da Matemática.
Ocorre que a relatividade, tal como desenvolvida sobretudo por Einstein, é marcada, desde seus primórdios, pela consideração da experimentação como sendo absolutamente necessária, mas de importância secundária em relação ao pensamento puro, que se utiliza da Matemática e da Lógica, como os instrumentos, por excelência, da prática científica.
Para Einstein, a experimentação esbarra em determinados limites físicos que tão somente a razão pode transcender. A teoria, então, já não está mais subordinada à experimentação, pois determinados fenômenos e escalas da natureza não podem ser observados, ou são alterados pela própria observação. A única abordagem científica que é possível, nestes casos, é através da Matemática, como ocorre em situações de incerteza, nas quais a trajetória de um elétron não pode ser observada, somente calculada probabilisticamente.
E a situação se torna ainda mais incerta e indeterminada se nos perguntamos sobre o modo de existência de um elétron durante o salto quântico, quando ele se transfere de uma órbita atômica para outra, sem jamais estar “entre” ambas, em algum lugar do espaço-tempo, como demonstrou pioneiramente Bohr, e posteriormente John Bell desenvolveu no sentido de postular que durante o salto quântico o elétron existe em outro nível de realidade que transcende os limites físicos do espaço-tempo (ou de nossa compreensão dele, meramente tetradimensional na concepção relativística), levando Heisenberg a resgatar o conceito aristotélico de “potência” (dynamis) como o que melhor expressaria a noção que têm os físicos do modo de ser de um elétron em uma tal situação.1
Sob esta premissa, o Direito Quântico é uma perspectiva física e matemática; portanto, puramente racional, do Direito enquanto realidade, de singularidade por força de consubstancialidade entre o Positivismo, o Realismo e os Direitos Humanos, que embora distintos compõem um único elemento, o próprio direito.
1.1. Objeto
O objeto do Direito Quântico compreende o entendimento científico, fundado na Física e na Matemática, de que as grandes Linhas Filosóficas do Direito somente podem ser entendidas pela perspectiva quântica da singularidade mercê da consubstancialidade entre elas, integradas pela complementariedade de N. Bohr.
Com efeito, tais linhas são: o Positivismo, o Realismo e o Jusnaturalismo, atualmente rerrotulado como Direitos Humanos, encarnado na categoria jurídica da dignidade da pessoa humana.
Basta analisar as três e ver, diante dos invulgares defensores de cada uma delas, que todas estão corretas, e são juridicamente razoáveis, incontestáveis, sob a perspectiva da consistência. O olhar do observador, segundo Foucault, altera a perspectiva sob o objeto, por sempre parcial. Via de consequência, cada linha corresponde a uma perspectiva, a um olhar, bem lançado e elaborado, juridicamente consistentes, contudo parciais.
Há de se olhar para além do que os olhos alcançam, enxergar o que não veem, na perspectiva do olhar sobre cada uma dessas linhas. E quando se olha diretamente para elas, na perspectiva parcial de cada uma, se deve enxergar além delas; e, o que encontramos, são as outras. Isso significa que, a substância de cada uma delas é composta pelas outras duas. Ou seja, o Positivismo só é integral, ao invés de parcial quando consubstancial ao Realismo e aos Direitos Humanos. Na mesma toada, o Realismo, ao Positivismo e aos Direitos Humanos. Os Direitos Humanos, ao Positivismo e ao Realismo.
Portanto, são três elementos distintos que, a um só tempo, correspondem a um único elemento. Para ilustrar, é como ideia da Santíssima Trindade. Três são um e esse um é os três. O que existem entre eles é mais do que uma relação de inclusão ou integração, e sim de consubstancialidade.
As três linhas de pensamento jurídico correspondem a uma única linha, o Direito legítimo que é o Direito Quântico. Deixam de ser uma perspectiva plurilateral da reflexão do Direito, pois são na verdade uma perspectiva singular, uma única perspectiva. Isso não é magia, nem imaginário, mas sim uma visão racional e concreta, à luz da Física Quântica, onde se reconhece a equivalência dos elementos que se consubstancializam entre si, formando ao mesmo tempo vários elementos em um único elemento, ou seja, vários = singular.
É exatamente isso o que ocorre com o Direito Quântico, por conta da aplicação da Teoria da Relatividade de Einstein. As várias linhas do pensamento jurídico são iguais ao Direito em sua singularidade substancial, e o Direito em sua singularidade substancial é igual a essas várias linhas de pensamento jurídico.
Logo, aplica-se ao Direito a fórmula de Einstein da Teoria da Relatividade, de que E = MC2, ajustada pelo pensamento João Maqueijo, na qual a constante 2 tem conteúdo variável, ou seja, E = MCv.
“E” seria a energia e por representar a energia seria os Direitos Humanos. “M” por representar a matéria, seria o Positivismo, pois a Lei é a materialização do Direito. E, “C” por representar a velocidade da matéria seria o Realismo, na medida em que significa aceleração do Direito que corresponde à efetividade.
Disso se extrai que:
Direitos Humanos = Texto Positivo X Realismo jurídico, conforme o contexto.
Ou seja, o texto legal não pode ser aplicado sem estar potencializado pelo contexto real, e tem que implicar a dignidade da pessoa humana.
Assim sendo, conforme o Direito Quântico se aplica a um só tempo os Direitos Humanos, o Positivismo e o Realismo, de modo que se o Direito tiver como consequência qualquer perturbação a um dos três, no núcleo essencial de cada um deles, haverá perturbação do próprio Direito, que, se assim defeituosamente aplicado, será sempre parcial.
Cabe utilizar o diagrama proposto por García Maynez,2 adaptado para o quanto aqui se propõe, no que tange à aplicação integral do Direito, que somente se torna possível se for quântica, porquanto consubstancial entre o Positivismo, o Realismo e os Direitos Humanos, como se vê no centro de intersecção do referido diagrama.
Note-se que o diagrama é revelador, na medida em que demonstra com toda clareza que, conforme as intersecções vão ocorrendo, a perspectiva do Direito vai se reduzindo, sob o ponto de vista da parcialidade, contudo, somente atinge o desejável nível de integralidade jurídica pela intersecção das três esferas.
A interseção, portanto, não é meramente sobreposição, ou adensamento. A intersecção é a consubstancialidade performadora de um único Direito integral. Isto é, pelo Direito Quântico somente domina o próprio Direito, aquele que, a um só tempo, reconhece o Positivismo, o Realismo e os Direitos Humanos como necessários e consubstancialmente aplicáveis, em caráter simultâneo e indispensável, ao mesmo enquadramento concreto, pois de fato há um único Direito integral.
Aliás, Dworkin, tivesse tempo em vida de aprofundar seus estudos de física quântica, pois a tais estudos se refere em sua última obra, publicada já postumamente, como resultado das Conferências Albert Einstein, “Religion without God”, teria morrido com a satisfação de responder, pelo Direito Quântico, seu mais profundo questionamento, de que, realmente há integralidade no Direito e uma única resposta correta para problemas jurídico, a qual corresponde à integralidade de tudo, real, e não imaginária.
1.2. Precursor
Embora o atual estágio de evolução da Física e Matemática tenha levado para além o moderno Direito Quântico, imperioso o tributo e a permanente revisitação ao precursor do Direito Quântico, que é o professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Dr. Goffredo Telles Junior, que deixou como legado para as letras jurídicas a fundamental obra Direito Quântico – Ensaio Sobre o Fundamento da Ordem Jurídica, editado pela Saraiva, hoje em sua 9ª edição, de 2014.
O editor do referido livro marco desta perspectiva jurídica esclarece que
“(...) em Direito Quântico – Ensaio sobre o fundamento da ordem jurídica, Goffredo Telles Junior defende a tese de que a ordenação jurídica faz parte da própria ordenação universal – é a ordenação universal no setor humano, a ordenação da natureza única.
O Direito aparece nesta obra inserido na harmonia do Universo – do ‘Unum versus alia’, do Uno feito do diverso – e, ao mesmo tempo, dela emerge, como requintada elaboração do mais evoluído dos seres. Para mostrar as relações existentes entre o mundo natural e o mundo ético, conhecimentos da física, da astronomia, da biologia são mobilizados e articulados com a filosofia do direito.
Para Goffredo, o Direito quântico é o Direito Natural – não o Direito Natural doutrinário ou ideal, mas o Direito promulgado pelo governo legítimo. É o Direito que flui da interação dos múltiplos fatores do meio ambiente e das imposições genéticas dos seres vivos e que simplesmente exprime a disciplina imprescindível da convivência humana.
Como explica o próprio autor, ao final do livro: ‘O termo direito quântico é um nome. É o nome criado pelo autor deste livro, com a intenção deliberada de assinalar que as leis – criações da inteligência, para a ordenação do comportamento humano em sociedade – são tempestivas expressões culturais de subjacentes, silenciosas e perenes disposições genéticas da Mãe-Natureza’.”
1.3. Ensino
O ensino do Direito Quântico, enquanto matéria regular, segundo as informações disponíveis, no Brasil é promovido, na vanguarda, exclusivamente pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP, no programa de Mestrado em Direito em seu núcleo de Teoria Geral e Filosofia do Direito, por nós aplicado.
2. Fundamento
O Direito deve acompanhar a evolução humana de racionalização do universo e de perspectiva moderna da realidade, mediante o seu rigoroso e científico atrelamento às evoluções da Física e da Matemática.
As reflexões a propósito do método de aplicação do Direito, embora nos leve a elevadíssimo grau de abstração, não pode se desatrelar da racionalização do universo e da perspectiva da realidade, que são cientificamente decifradas pela Física e Matemática.
Na evolução histórica do pensamento racional, temos três grandes momentos na cronologia da humanidade:
- a lógica aristotélica;
- a física newtoniana;
- a física quântica e relativística einsteiniana;
Pela primeira, o mundo era visto conjecturalmente pelos padrões da natureza como physis. Pela segunda, o mesmo passou a ser visto racionalmente pela relação de causalidade entre a massa e a velocidade (três leis de Newton). Pela terceira, o mundo passou a ser visto consubstancialmente em relação de equivalência entre a matéria e a energia.
O “novo racionalismo” (Bachelard), adotado por Einstein e seus contemporâneos, em Filosofia Natural, se expressa da seguinte maneira, nas suas próprias palavras:
“Naturalmente a experiência se impõe como único critério de utilização de uma construção matemática para a física. Mas o princípio fundamentalmente criador está na Matemática. Por conseguinte, em certo sentido, considero verdadeiro e possível que o pensamento puro apreenda a realidade, como os Antigos o reconheciam com veneração”.3
Para Schrödinger, em convergência com as visões de Heisenberg e Einstein, a matéria perderia o status ontológico de fundamento do real, passando a ser considerada como mais uma consequência das leis da natureza. Já não se pode dizer que todas as coisas são feitas exclusivamente de matéria, como aventavam os materialistas radicais, uma vez que a própria matéria revela-se como o produto de um nível de realidade mais profundo, puramente formal.4
Em “A nossa imagem da matéria”, conferência publicada no Brasil na coletânea “Problemas da Física Moderna”, Schrödinger expressa esta ideia da seguinte forma:
“O que são de fato essas partículas, esses átomos, essas moléculas? (...) Eles podem talvez no máximo ser pensados como criações mais ou menos temporárias dentro do campo de ondas, cuja estrutura e variedade estrutural, no sentido mais amplo do termo, são agudamente determinados por meio das leis de onda na medida em que reaparecem sempre do mesmo modo, que devem ocorrer como se fossem uma realidade material permanente”.
Somos assim confrontados com a possibilidade de encararmos “mente/espírito” e “matéria/energia” como uma hierarquia entrelaçada (a tangled hierarchy de Hofstadter)5 formando um circuito em que cada um dos sistemas influi sobre o outro, conforme temos discutido com o Professor Willis Santiago Guerra Filho. A matéria é uma imagem na minha mente enquanto minha “elaboração do mundo material”; elaboração que somente foi possível graças ao intercâmbio fisiológico de dados entre (1) o mundo externo e (2) a minha mente. A proposição daí advinda é a de que “o mundo é uma imagem em minha mente”, de que o mundo é o meu mundo, sem, contudo, negar a existência de um mundo externo, do qual sou apenas mais um elemento. Em consequência, somos levados a pensar no quanto nos aproximamos já de uma proposta recente e controversa como a de John A. Wheeler, colaborador de Einstein, orientador de Hugh Everett III na tese, inicialmente execrada e agora festejada, a saber, “The Many-Worlds Interpretation of Quantum Mechanics”,6 abordando o que veio a ficar conhecido como o multiverso ou “universos paralelos”, sendo a Wheeler a quem devemos a expressão “buraco negro”, a divulgação do princípio antrópico – pelo qual, extraindo-se consequências da formulação padrão da física quântica, devida principalmente ao orientador de doutorado de Wheeler, N. Bohr, se no nível mais sutil da matéria as partículas que compõem um quantum só adquirem existência quando observadas, e essa observação influencia o seu modo de ser (ou de se apresentar ao observador), tudo o mais só existe (ao menos, para nós, como percebemos) em razão de nossa participação, pela observação7 – e a aludida proposta, a ele correlata, de que na constituição última da realidade não se teria propriamente partículas elementares, e sim bytes de informação, à qual se apegou com entusiasmo no período derradeiro de sua profícua carreira de investigador.
Em outro texto, “Mente e Matéria”, Schrödinger comenta o impacto da física quântica na relação entre sujeito e objeto como sendo uma inversão complementar da concepção, consagrada em Kant, deste último enquanto uma espécie de limite ao conhecimento das coisas em si mesmas, pois “não somente as impressões que obtemos de nosso ambiente dependeriam em grande parte da natureza e do estado contingente de nosso (aparato - RS) sensório, mas, inversamente, o próprio ambiente que desejamos apreender é modificado por nós, notavelmente (rectius: nomeadamente – RS) pelos dispositivos que estabelecemos para observá-lo”, concluindo, adiante, nos seguintes termos:
“São os mesmos elementos que vão compor minha mente e o mundo. Tal situação é igual para toda mente e seu mundo,8 a despeito da insondável abundância das ‘referências cruzadas’ entre eles. O mundo me é dado somente uma vez, não uma vez como existente e outra vez como percebido. Sujeito e objeto são apenas um. Não se pode dizer que a barreira entre eles foi derrubada como resultado da experiência recente nas ciências físicas, pois essa barreira não existe”.9
É de todo conveniente o emprego de novas categorias em estudos que levem em conta a complexidade da realidade estudada, inclusive quanto ao Direito, considerando que a mesma não existe para nós independentemente de nossa observação dela. Só assim poderemos, igualmente, enfrentar melhor as questões jurídicas, de conotação Positivista, Realista e de Direitos Humanos com que nos defrontamos em um mundo jurídico, que a ciência vem, ao mesmo tempo, revelando e tornando mais complexo.
O Direito Quântico propõe, assim, que se adote uma perspectiva integradora por consubstancialidade, sendo aquela que vem predominando em epistemologia, à medida que se vai superando os últimos resquícios metafísicos e teológicos, além dos preconceitos das visões ultrapassadas mercê de uma perspectiva meramente mecanicista do universo. Tais resquícios se fariam presentes na perspectiva que é própria das ciências modernas em seus primórdios, quando davam margem a que se difundisse, de maneira triunfalista, a crença na definitividade dos conhecimentos por meio dela obtidos, por baseados na observação de regularidades na ocorrência de fatos que permitiam elaborar leis gerais explicativas.
Isso por que tais fatos eram recortados, do conjunto da realidade, de maneira a permitir um tratamento analítico, que os tornava objetos reduzidos à sua localização espaço-temporal, de acordo com o procedimento preconizado exemplarmente por Descartes. A derrocada do resultado principal da aplicação deste modelo epistemológico, a física mecanicista (copérnico-kepler-galileico-newtoniana), com a emergência da física quântica e relativista foi, sem dúvida, um marco.
A partir daí as ciências, e por isso também o Direito, voltam a ter história, a ser um conhecimento em evolução, melhorando à medida em que se abre para aprender com as atuais descobertas da Física, ao invés de, precipitadamente, inferir leis definitivas de padrões observados em escala limitada e ultrapassada.
Note-se que os campos quânticos não especificam sequer probabilidades, pois para tanto ainda precisam ser combinados com o vetor de estado, que é holístico, por descrever o sistema como um todo, sem se referir a qualquer localização em particular.
É na perspectiva de um campo no sentido clássico que a luz pode vir a ser interpretada como a propagação de ondas pelo espaço, “colapsando” em partículas ou corpúsculos quando da mensuração do seu estado quântico, de uma maneira que se permite calcular apenas probabilisticamente, pela “desigualdade” ou, como é mais conhecida, a “indeterminação” constatada por W. Heisenberg, surgida no momento em que se introduz um outro sistema ou campo, clássico, formado pelos instrumentos de medição, responsáveis pelo limite inerente a toda “tradução”, também nesse contexto destinada a ser apenas aproximadamente fidedigna, do que se tem na dimensão quântica para aquela em que nos encontramos – donde ter o físico de último referido considerado a física não mais como o estudo da natureza, mas sim o de nosso conhecimento a respeito dela, por conta da indiscernibilidade daí decorrente entre sujeitos observadores e objetos por eles observados, o que bem pode ser extrapolado para o conhecimento nos diversos níveis de “ordenação da realidade” (Heisenberg),10 tornando-se perceptível quando consideramos o nível humano, tanto psíquico como social, em que podemos supor não ser por mero acaso que disciplinas como a História e o Direito são denominadas da mesma forma que o objeto por elas estudado.
Enfim, pela perspectiva quântica, o Direito não avança à metafísica e fica lastreado por um olhar físico, racional de vanguarda, via de consequência, absolutamente científico.
2.1. Desafios
Existem ainda desafios ao Direito Quântico, pois ele acompanha a obra inacabada da evolução da Física, que progride a cada dia. Por exemplo, dentro das tecnologias mais notáveis está a que decorre da (e promove a) mecânica quântica, e a tentativa de fusão desta com a teoria da relatividade tendo à frente a Cátedra Lucasiana de Matemática da Universidade de Cambridge (a cátedra de Newton, que fora de seu professor Isaac Barrow, o primeiro após a instituição da Cátedra por Henry Lucas, como foi de Dirac e, atualmente, é ocupada por Hawkins) e aquela de Física Teórica Oxfordiana, hoje ocupada por David Deutscher, cujo trabalho se apresenta como o que estaria mais próximo da façanha, sobretudo em se viabilizando tecnicamente seu projeto de computação quântica.
O fato de ainda não termos uma teoria completa da relatividade geral e da mecânica quântica ou a chamada teoria quântica da gravidade, pode vir a ser porque não temos uma teoria quântica da filosofia, ou seja, porque os filósofos e mesmo os teóricos generalistas não entendem a filosofia de forma quântica e de uma perspectiva filosófica mais geral, pois não se estabeleceu sequer uma (in)disciplina com foros de cidadania no mundo acadêmico que seja uma “filosofia da filosofia”,12 uma abordagem autopoiética da filosofia em que esta se faz observadora de si mesma e nesta observação evolui e por conseguinte evoluímos todos.
A mecânica quântica, também por exemplo, baseia-se em postulados como o de que as quantidades físicas que caracterizam o estado de uma partícula, como quantidade de movimento e energia, devem ser substituídas pelos chamados “operadores”, que nada mais são do que entes matemáticos abstratos, cuja existência ou estatuto ontológico seria, no mínimo, bastante controvertido, tal como é o da própria matemática, ainda hoje, onde o Realismo é caracterizado pelo platonismo... De outro lado, são também postuladas, sem demonstração – logo, dogmaticamente –, certas equações que os operadores devem respeitar.13
O Prêmio Nobel de física de 1979, Steven Weinberg, em obra muito discutida,14 examina a hipótese das supercordas, uma extrapolação da mecânica quântica para explicar de maneira unificada as forças fundamentais da natureza, até agora ainda não comprovada, mesmo passadas já três décadas desde que foi proposta.15 Em determinado momento, ao que parece já pressentindo a possibilidade da hipótese não vir a se comprovar jamais – os resultados obtidos no Grande Colisor de Hádrons, em seu primeiro ciclo de funcionamento foram, neste aspecto, decepcionantes ao ponto de gerar o que já se anuncia como uma grande crise na física –,16 escreve o Autor:
“Estranhamente, apesar da beleza das teorias físicas estar concretizada em estruturas matemáticas rígidas, baseadas em princípios subjacentes simples, as estruturas que possuem esse tipo de beleza tendem a sobreviver mesmo quando os princípios subjacentes se mostram errados”.
Notas
1 Aqui se comprova o quanto de acerto se encontra na proposta de G. Agamben, no sentido de que o “conceito de potência tem, na filosofia ocidental, uma longa história e, pelo menos a partir de Aristóteles, ocupa um lugar central dentro dela. Aristóteles opõe - e, ao mesmo tempo, vincula - a potência (dynamis) ao ato (energeia) e essa oposição, que atravessa tanto a sua metafísica quanto a sua física, foi transmitida por ele como hereditariedade primeiro à filosofia e depois à ciência medieval e moderna” (AGAMBEN, Giorgio. A potência do pensamento. Revista do Departamento de Psicologia da UFF, v. 18, nº 1; vide também, La potencia del pensamiento, pp. 285-299).
2 Para dizer com o Autor, em seu próprio idioma, temos que:
“El círculo superior de la izquierda corresponde al derecho vigente; el superior de la derecha, al intrínsecamente válido; el inferior y central, al derecho eficaz. Al combinar los círculos tenemos 7 posibilidades distintas:
1) Normas extrínsecamente válidas que carecen de valor intrínseco y de eficacia. 2) Preceptos vigentes e intrínsecamente justos, mas no eficaces. 3) Normas intrínsecamente válidas, pero desprovistas de vigencia y de efectividad. 4) Preceptos vigentes y eficaces, pero injustos. 5) Normas en las que concurren los tres atributos, el de vigencia, el de la validez intrínseca y el de eficacia. 6) Normas intrínsecamente valiosas, dotados de eficacia, pero no reconocidas por el poder público. 7) Reglas consuetudinarias, necesariamente eficaces, pero sin validez formal ni valor objetivo”.
3 EINSTEIN, Albert. Como eu vejo o mundo, pp. 150-151.
4 Pietro Greco mostra a influência que teve em Einstein, para que adotasse tal postura, leituras feitas ainda na juventude, em que se destaca a obra de Ludwig Büchner, Kraft und Stoff, de 1855, bem como sua adesão ao programa de epistemologia unificada de Mach. Cf. O sonho de Einstein, pp. 56 ss.
5 Cf. HOFSTADTER, Douglas. I am a strange loop, em que, já no prefácio, anuncia que abordará o tema da “fisicalidade da consciência”, evidentemente correlato ou, mesmo, complementar, ao que aqui se esboça, da “consciencialidade da (ordem) física”.
6 Disponível na rede mundial de computadores, sendo muito provavelmente a tese em física que mais impacto teve na ficção científica, o que também contribuiu para o descrédito inicial de que padeceu, assim como seu autor, ao lado da resistência oferecida na sua aceitação por parte de N. Bohr, o ex-orientador de tese do então orientador de Everett. Para um bom apanhado, já com distanciamento crítico em relação ao período inicial da recepção da tese de Everett, cf. DE WITT, Bryce S.; GRAHAM, Neil (eds.). The many-worlds interpretation of quantum mechanics. A respeito, cf., v.g., GREENE, Brian. A realidade oculta: universos paralelos e as leis profundas do cosmo, esp. cap. VIII, pp. 235 ss.
7 Sobre o princípio antrópico, mais recentemente, cf. ROSEN, Joe. Lawless universe, p. 122 e ss.
8 Grifei a expressão por nela nos parecer que já se encontra in nuce a concepção há pouco referida, desenvolvida inicialmente por Hugh Everett III, a partir da equação de Schrödinger para calcular a onda de probabilidade da localização de partículas subatômicas, propondo, em termos sintéticos, que tudo o que é possível, em nível quântico, ou seja, a todos os resultados aos quais se possa atribuir uma probabilidade diferente de zero, se não ocorrer no mundo em que sujeito observador e objeto observado se apresentam – o “seu” mundo, se você for esse observador –, ocorrerá em algum outro mundo, em que esse objeto exista e, junto com ele, seu observador.
9 SCHRÖDINGER, E. O que é vida? O aspecto físico da célula viva seguido de mente e matéria e fragmentos autobiográficos, p. 140. Cf., também, MURPHY, Michael P.; O´NEIL, Luke A. J. (orgs.). O que é a vida? 50 anos depois. Especulações sobre o futuro da biologia.
10 Cf. HEISENBERG, W. A ordenação da realidade.
11 Cf., v. g., KIEFER, Claus. Quantum gravity.
12 A respeito, cf., v.g., GUERRA FILHO, Willis Santiago. Para uma filosofia da filosofia.
13 Cf. SALMERON, Roberto A. Matéria, mitologia, pensamento e abstração. Filosofia, ciência e história, p. 40.
14 WEINBERG, Steven. Sonhos de uma teoria final: a busca das leis fundamentais da natureza, pp. 108-132.
15 Cf., v.g., GREENE, Brian. The elegant universe. Superstrings, hidden dimensions and the quest for the ultimate theory.
16 Cf. LYKKEN, Joseph; SPIROPULU, Maria. Supersimetria e a grande crise da física. Scientific American Brasil, nº 144, pp. 26-31.
Referências
AGAMBEN, Giorgio. A potência do pensamento. Revista do Departamento de Psicologia da UFF, v. 18, nº 1. Niterói, jan./jun., 2006.
__________________. La potencia del pensamiento. Trad. por Flavia Costa e Edgardo Castro. Barcelona Anagrama, 2008.
BRYCE S. DE WITT; NEIL GRAHAM (eds.). The many-worlds interpretation of quantum mechanics. Princeton: Princeton University Press, 1973.
EINSTEIN, Albert. Como eu vejo o mundo. Trad. por H. P. de Andrade. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981.
GREENE, Brian. A realidade oculta: universos paralelos e as leis profundas do cosmo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
GREENE, Brian. The elegant universe. Superstrings, hidden dimensions and the quest for the ultimate theory. New York: W. W. Norton and Company, 1999.
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Para uma filosofia da filosofia. Fortaleza: Programa Editorial Casa José de Alencar, 1999.
HEISENBERG, W. A ordenação da realidade. Trad. por Marco Antônio Casanova, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009.
HOFSTADTER, Douglas. I am a strange loop. New York: Basic Books, 2007. Disponível em: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/1/15/C%C3%ADrculos_de_Garc%C3%ADa_M%C3%Alynez.jpg>.
JOSEPH LYKKEN, Maria Spiropulu. Supersimetria e a grande crise da física. Scientific American Brasil, nº 144. São Paulo: Ediouro/Duetto, jun., 2014.
KIEFER, Claus. Quantum gravity. 2. ed. Oxford: Oxford University Press, 2007.
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SAYEG, Ricardo H. A concretude do direito quântico em face da abstração e parcialismo do imaginário jurídico tradicional. Estudos do imaginário jurídico. Cláudio Ganda, Ricardo Sayeg e Willis Santiago Guerra Filho (coords.). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016.
SCHRÖDINGER, E. O que é a vida? O aspecto físico da célula viva seguido de mente e matéria e fragmentos autobiográficos. Trad. por Laura C.B. de Oliveira. São Paulo: Editora UNESP: Cambridge University Press, 1997.
TELLES JUNIOR, Goffredo. Direito quântico: ensaio sobre o fundamento da ordem jurídica. 9. ed. Saraiva, São Paulo, 2014.
WEINBERG, Steven. Sonhos de uma teoria final: a busca das leis fundamentais da natureza. Rio de Janeiro: Rocco, 1996.
Citação
SAYEG, Ricardo Hasson. Direito quântico. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Teoria Geral e Filosofia do Direito. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga, André Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/139/edicao-1/direito-quantico
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