• Delegação de poder de polícia

  • Aline Lícia Klein

  • Última publicação, Tomo Direito Administrativo e Constitucional, Edição 2, Abril de 2022

A participação de particulares no exercício do poder de polícia é um tema cercado de várias controvérsias. Assim se passa porque o exercício privado de poder de polícia pode implicar o desempenho, por particulares, de determinadas prerrogativas próprias do poder público. O exercício privado de poderes públicos não é vedado mas se submete a determinados limites e condições, que devem ser observados para que a delegação do poder de polícia seja legítima.


1. Pressupostos Metodológicos


Apresentam-se, inicialmente, alguns pressupostos metodológicos que são utilizados no presente verbete.


1.1. Definição do poder de polícia



Para os fins do presente verbete, adota-se a noção de que a atividade de polícia consiste na imposição de limitações à liberdade e à propriedade dos cidadãos, necessárias para se assegurar a manutenção da ordem pública.
A atividade de polícia tem por finalidade a preservação da ordem pública. Para tanto, concentra-se no Estado o exercício legítimo da violência, inclusive com o emprego da coerção. Porém, a atividade de polícia não implica necessariamente o manejo da coerção.


1.2. As diversas manifestações do poder de polícia


O exercício da atividade de polícia administrativa compreende um conjunto de manifestações diversas.

Não existe no direito nacional um elenco normativo abrangendo todas as manifestações possíveis da atividade de polícia. Há uma grande quantidade de disposições normativas atribuindo competências ao Estado cujo exercício envolve, a título principal ou acessório, a competência de polícia. O funcionamento do Estado e a preservação da ordem pública cada vez mais demandam restrições à autonomia, à liberdade e à propriedade dos cidadãos.

Para o exame dos diversos tipos de atividades compreendidos na polícia, pode-se utilizar a categorização do ciclo de exercício da atividade de polícia, tal como exposta por Diogo de Figueiredo Moreira Neto.1 Trata-se de conceito operacional a ser empregado no exame das atividades de polícia passíveis de delegação ou não. A teoria do “ciclo” de polícia divide em quatro grupos as atividades compreendidas no exercício dessa função:
(a) ordem de polícia: previsão normativa a partir da qual vai ser exercida a atividade administrativa;
(b) consentimento de polícia: ato administrativo que manifesta a aquiescência da Administração com a conduta do particular, a ser produzido nos casos em que a lei estipula ser necessário;
(c) fiscalização de polícia: verificação da observância das regras de polícia administrativa bem como a manutenção das condições que determinaram a manifestação do consentimento de polícia, nos casos em que este for cabível; e
(d) sanção de polícia: imposição de medidas punitivas.

Importa ressalvar que, muitas vezes, não é possível distinguir com precisão uma atividade da outra. O desempenho da atividade de polícia demanda a prática de vários atos, logicamente encadeados entre si, em que se sucedem as diversas atividades compreendidas no denominado “ciclo de polícia”.
Mas a sistematização das atividades em quatro grandes grupos não deixa de desempenhar importante função para o tema ora analisado. Trata-se de evidenciar que a diversidade das funções compreendidas no exercício da atividade de polícia impede que seja fornecida uma resposta única a respeito da possibilidade ou não de seu exercício por entidades privadas.
Faz-se necessário, portanto, avaliar a possibilidade de exercício privado das atividades de polícia administrativa considerando cada um dos tipos de atividade compreendidos no desempenho dessa função. O principal aspecto a ser identificado é o de que nem todas as atividades envolvem o exercício do poder de coerção.


2. O exercício de poder de polícia por entidades privadas


É recorrente a afirmação da indelegabilidade do exercício das atividades de polícia administrativa como sendo um princípio solidamente estabelecido no âmbito do direito administrativo.

O exercício das atividades de polícia administrativa é usualmente concebido como sendo indelegável a entidades privadas. Pode-se tomar como sendo assente na doutrina a impossibilidade de se delegar a entidades privadas funções que implicam a manifestação de poder de império do Estado. Trata-se de afirmar que a autoridade de polícia deve ser exercida diretamente pelo Estado, não sendo possível atribuí-la a uma entidade privada.

As justificativas invocadas usualmente mencionam o fato de a atividade de polícia atingir o cerne da soberania. A soberania deve ser essencialmente manifestada por atos unilaterais praticados diretamente pelo Estado. Há uma grande quantidade de manifestações doutrinárias categóricas nesse sentido.2

No entanto, especialmente ao se analisarem os precedentes jurisprudenciais, constata-se a existência de várias ressalvas e exceções à suposta premissa da indelegabilidade.


2.1. A superação do dogma da indelegabilidade


Ao se analisar a jurisprudência nacional, constata-se que a questão da indelegabilidade do poder de polícia não se apresenta de forma tão absoluta. O exame de casos concretos permite identificar que o tema é tratado com ressalvas e ponderações, adequando-se as soluções às especificidades dos casos concretos.

No direito nacional, a questão foi debatida com maior intensidade pelo Judiciário em relação aos conselhos profissionais.

O STF decidiu que a personalidade de direito público é requisito essencial para que um ente possa exercer poderes de autoridade pública. Na ADI 1717-6, reputou inconstitucional o art. 58 da Lei 9.649/1998, que pretendeu atribuir personalidade jurídica de direito privado às corporações profissionais.3 Já no julgamento da ADI 3.026,4 o STF reconheceu que a OAB não integra a organização administrativa estatal, direta ou indireta, e está apenas parcialmente sujeita ao regime jurídico administrativo, apesar de ser dotada de personalidade jurídica de direito público e exercer poder de polícia sobre seus membros.

O debate foi relançado com a apreciação da legitimidade do exercício de atividades de fiscalização de trânsito e aplicação de penalidades por entidades integrantes da administração indireta com personalidade jurídica privada. O STJ decidiu que a BHTRANS, sociedade de economia mista de Belo Horizonte (MG), somente poderia exercer as funções de consentimento e de fiscalização e não as de legislação e de sanção. Apenas as primeiras seriam delegáveis, por serem compatíveis com a personalidade privada.5

Ainda para exemplificar o cenário nacional, pode-se mencionar a ampla atuação da iniciativa privada nas atividades de segurança dos aeroportos, apesar de não haver legislação dispondo expressamente sobre a matéria. Além da operação dos equipamentos de vistoria de bagagens, as atividades de controle de passaportes e entrevistas de imigração também são desenvolvidas por particulares.6 O TCU analisou a qualidade e segurança dos controles migratório e aduaneiro nos aeroportos nacionais e determinou a substituição dos terceirizados que exercem atividades típicas de Estado por servidores de carreira.7

A crescente atribuição de atividades que envolvem o manejo de poderes públicos a particulares tem motivado a doutrina a analisar o tema mais detidamente, de modo a superar o suposto dogma da indelegabilidade. A constatação da doutrina é de que a interdição da delegação de atividades de polícia administrativa apresenta exceções cada vez mais numerosas. Nesse sentido, há doutrinadores que admitem uma delegabilidade mais ampla da atividade de polícia administrativa.

Diogo de Figueiredo Moreira Neto parte da sistematização do “ciclo de poder de polícia” por ele proposto, abrangendo as fases de ordem de polícia, consentimento de polícia, fiscalização de polícia e sanção de polícia.8 Para o autor, apenas não seriam passíveis de delegação a parcela de ordem de polícia que se sujeita à reserva de lei e a atividade sancionatória, em relação à qual se aplicaria a reserva estatal de exercício da coerção. A sua conclusão é a seguinte:
“Assim, tanto a delegação legal da normatividade secundária discricionária (regulática) de polícia quanto a delegação legal do exercício das atividades de consentimento e de fiscalização de polícia são compatíveis com o Estado de Direito Democrático, em que se reconhece a necessária origem popular do poder político."9 

Floriano de Azevedo Marques Neto, ao analisar especificamente o tema dos limites da delegabilidade, constata que a “fórmula de que o poder de polícia é indelegável padece de dois problemas de origem: delimitar o que é exatamente, hoje em dia, poder de polícia e compreender os diversos aspectos envolvidos no exercício desse tipo de função pública”.10

O primeiro problema está vinculado à evolução e transformação da atividade de polícia, que se ampliou para atender as mais diversas áreas, em termos bastante abrangentes. O exercício da polícia administrativa implica não apenas medidas de constrição por comandos de abstenção mas também a disciplina dos vários aspectos da vida social e inclusive obrigações de fazer.11

Em relação à segunda questão, constata-se que a atividade de polícia envolve o desempenho de diversas funções, que não se limitam ao exercício de poderes de coerção:

“Ora, se era plenamente justificável dizer, no passado, que as prerrogativas de limitar ou suprimir direitos individuais, mediante vedação de condutas e prescrição de sanções aos comportamentos discrepantes, não poderiam ser exercidas fora do ambiente do Estado-poder, hoje em dia a complexidade e a multiplicidade das funções ordenadoras torna mais difícil de se sustentar formulações tão peremptórias. Em muitos casos, a atividade ordenadora compreende o exercício de atribuições que, dentro de certos parâmetros, podem ser exercidas pelos particulares. É o que ocorre, por exemplo, com a inspeção de emissão de poluentes ou de segurança veicular”.12

Ainda seguindo os ensinamentos de Floriano de Azevedo Marques Neto, o autor adota a separação das atividades do ciclo de polícia, nos termos propostos por Diogo de Figueiredo Moreira Neto, para analisar a possibilidade de delegação em relação a cada uma delas. Ao final, conclui que os particulares não podem exercer o poder normativo primário nem atividades coercitivas. Constata que podem ser objeto de delegação a atividade normativa infralegal e as atividades adjudicatórias e de acompanhamento ou fiscalização.13

Em sentido similar, Marçal Justen Filho afirma a inviabilidade de transferência a terceiros do exercício da competência normativa e da coerção física em face de terceiros.14

Portanto, ainda que seja recorrente a afirmação da indelegabilidade da atividade de polícia, encontram-se, cada vez com maior frequência, ressalvas e exceções, admitindo a delegação de várias atividades. Constata-se, assim, a inviabilidade de se tratar a matéria a partir da enunciação de um princípio geral de indelegabilidade, sendo necessário analisar separadamente os limites e possibilidades de delegação em relação às atividades específicas.


2.2. A identificação da parcela delegável da atividade de polícia


O desafio que se coloca consiste na identificação da atividade de polícia que é passível de delegação.


2.2.1. A insuficiência do critério do caráter material, instrumental ou acessório da atividade desempenhada


São usuais as manifestações no sentido da possibilidade de desenvolvimento por entidades privadas de atividades instrumentais ou acessórias ao exercício das atividades de polícia administrativa.

Mas a dificuldade reside em se estabelecer com precisão quais seriam os limites entre atividades de polícia administrativa propriamente ditas e atos acessórios, instrumentais ou materiais. Além disso, muitas das atividades usualmente consideradas como sendo meramente acessórias ou instrumentais acabam sendo decisivas e determinantes para a prática daquele que é considerado como sendo o ato final da função de polícia.

Os atos acessórios e instrumentais da Administração costumam ser equiparados aos atos materiais e à atividade técnica.

A doutrina propõe a separação entre atividade jurídica e atividade material da Administração, sendo esta considerada não-jurídica.

Os atos jurídicos caracterizam-se pelo fato de consistirem em declaração de vontade. Essa declaração não é necessariamente manifestada formalmente enquanto tal, podendo ser expressa também mediante comportamentos e condutas que revelam determinada posição, vontade ou juízo.15 Nisso diferenciam-se das atividades puramente materiais.

Para Celso Antônio Bandeira de Mello, os atos materiais da Administração são desprovidos de conteúdo jurídico. Nem sequer consistiriam em atos jurídicos, não havendo sentido em qualificá-los como atos administrativos. Para o autor, essas condutas exclusivamente materiais da Administração poderiam ser consideradas como “fatos administrativos”.16

José Cretella Júnior define fato administrativo como “toda atividade material ou todo desempenho de funções práticas do agente público; toda prestação de serviço público com efeitos práticos, no interesse da pessoa jurídica a que se filia o agente; todo ato material praticado pelo Estado, no exercício da Administração”.17 O fato administrativo consiste na consequência de ato administrativo anterior. Não pode subsistir por si só, sendo expressão de um ato administrativo.

Adilson Abreu Dallari também diferencia estes dois âmbitos de atuação: “uma coisa é expedir uma licença (ato jurídico) para dirigir veículo a motor; outra coisa é verificar em concreto (ato material) se uma pessoa tem ou não habilidade prática para dirigir veículo a motor”.18

Em todas essas formulações, ainda que voltadas a diferenciar a atividade material do ato jurídico, acaba sendo evidenciado o vínculo entre eles, à medida que o segundo geralmente pressupõe a primeira e vice-versa.

A aplicação das construções teóricas que diferenciam os atos materiais, instrumentais, acessórios ou de mera execução daqueles atos que manifestam o exercício de atividades de polícia propriamente ditas demandaria a distinção nítida entre essas duas categorias de atividades.19 

Porém, essas construções teóricas nem sempre encontram fácil aplicação nos casos concretos. A diferenciação entre atos principais e atos preparatórios ou de mera execução é bastante controversa. A possibilidade de distinção de atos preparatórios do ato principal não significa necessariamente que os primeiros sejam despidos de importância jurídica.

Os atos preparatórios podem ser determinantes para o conteúdo do ato principal, o que pode dar ensejo a dúvidas relativamente aos limites para a sua delegação. Além disso, ao se analisar significativa parcela dos atos ditos materiais praticados no exercício da atividade de polícia administrativa, inicialmente reputados como de simples preparação ou execução de decisões de polícia, constata-se que envolvem também, em alguma medida, a prática de atos jurídicos por particulares.


2.2.2. A delimitação da parcela da função estatal indelegável


É incontroverso que há, no conjunto de atividades desempenhadas pelo Estado, atividades que sejam essencialmente públicas, no sentido de que não poderiam deixar de ser desempenhadas diretamente pelo Estado.

Identifica-se a existência de certas missões irrenunciáveis do Estado, que não podem ser transferidas aos particulares. Comportam apenas o exercício direto pelo Estado. É no âmbito dessas atividades essencialmente públicas que se encontram as atividades não passíveis de delegação.

Alude-se usualmente à coerção e ao manejo de poder autoritário como justificativas para a indelegabilidade do poder de polícia. O exercício legítimo da força é objeto de monopólio estatal, sendo indisponível e apenas podendo ser exercido pelos representantes do povo. Assim, o princípio republicano também seria vulnerado com a delegação do exercício de atividades de polícia administrativa a particulares.

Diretamente vinculado a esse argumento, pode também ser aduzido o princípio da isonomia. Ao se delegar o exercício de atividades de polícia a particulares, estar-se-ia admitindo a imposição de tratamento jurídico diferenciado aos cidadãos. Alguns particulares exerceriam poder de autoridade sobre outros, violando-se o princípio da isonomia.

Nesse contexto, cabe delinear os critérios que podem ser utilizados para delimitar essa parcela indelegável da atividade pública.


2.2.2.1. O exercício da soberania


O exercício da soberania é o elemento mais relevante que se identifica como tendo natureza essencialmente estatal. O desempenho pelo Estado de atividades que consistem em manifestação direta da soberania funda-se no art. 1º, parágrafo único, da CF/88, nos termos do qual “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”.

A adoção de um sistema republicano implica a reserva de poderes nas mãos do Estado. O exercício desses poderes é manifestação do poder político atribuído aos representantes do povo.

Reputamos que isso corresponde a um núcleo restrito das atividades estatais, correspondente, em linhas gerais, às manifestações coercitivas e políticas do poder estatal. São essas funções cujo exercício privado implicaria alienação dos poderes estatais, violando-se os princípios da soberania e republicano.


2.2.2.2. O monopólio estatal da violência


Um dos poderes reconhecidos ao Estado como indispensáveis à sua atuação é o monopólio do uso da força. Pode-se afirmar que o monopólio estatal da violência legítima é um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito.

A detenção do monopólio do uso da violência legítima não significa que esse poder possa ser livremente utilizado pelo Estado. Não se trata de manter o poder com o emprego da força bruta. O monopólio estatal da violência significa que ela apenas poderá ser utilizada quando for estritamente necessária para a preservação e restauração da ordem.

Trata-se de poder jurídico, submetido aos limites previstos no ordenamento. Como destaca Jacques Chevallier, um dos aspectos essenciais do monopólio estatal da violência consiste no fato de se tratar de um poder jurídico, que se expressa por normas jurídicas.20 A atuação do Estado dá-se através do direito, com a estipulação de normas obrigatórias.

A violência apenas poderá ser legitimamente utilizada pelo Estado se for necessária. Atribuiu-se ao Estado a competência para decidir quando o emprego da coerção é indispensável.
Portanto, o Estado não apenas detém o monopólio da utilização legítima da violência mas também da decisão acerca do momento e modo em que a coerção será empregada.

A indelegabilidade da coação decorre não apenas da intensidade da ingerência que implica, por atingir a integridade física e a liberdade das pessoas, mas também da impossibilidade de programação prévia do seu exercício, a partir de critérios objetivos.21 Ainda que o exercício da coação seja limitado pelas normas, comporta uma grande quantidade de atos que não são passíveis de determinação antecipada.

Logo, não se pode atribuir o exercício de poderes públicos coercitivos a entidades privadas. A atribuição de poderes públicos a alguns dos cidadãos romperia o equilíbrio próprio das relações entre particulares, à medida que alguns passariam a deter o poder de decisão acerca da utilização de violência legítima sobre outros.


2.2.2.3. O princípio da isonomia


Outro princípio a ser considerado é o da isonomia, sob a perspectiva de que seria vedado o exercício de poderes públicos por particulares porque isso supostamente propiciaria uma situação de desigualdade entre os indivíduos.

Como alerta Tomas-Ramon Fernandez Rodriguez, um dos perigos da delegação do exercício de poderes públicos é a “ruptura do princípio da igualdade, a reaparição de um sistema de privilégios, a consagração, em definitivo, dos grupos de pressão e a conversão de seu poder de fato em um poder jurídico”.22

Outro aspecto diretamente vinculado ao da possível violação da isonomia pelo exercício privado de poderes públicos seria o da ausência de representatividade dessas entidades. Isso se aplicaria especialmente aos particulares, à medida que as entidades da administração indireta, ainda que detenham personalidade privada, encontram-se em alguma medida subordinadas à vontade política dos representantes eleitos. Para tanto, basta considerar que a sua criação depende de autorização legal e que se submetem ao controle da Administração direta.

No entanto, cabe observar que o exercício de determinadas prerrogativas e privilégios por alguns particulares não é violador, por si só, do princípio da isonomia, caso seja necessário para o exercício de atividade pública atribuída a tais particulares.

A delegação do exercício de uma atividade pública determina a desigualação do contratado em relação aos demais particulares, sem que isso implique o exercício de supremacia de um particular sobre outro.

O princípio da isonomia seria vulnerado se fosse atribuído amplo poder decisório a particulares no desempenho de atividades públicas, com largo espectro de escolha quanto à medida concreta a ser adotada. Por outro lado, a situação diferenciada de alguns particulares em relação a outros não configura ilegalidade se tal circunstância for estritamente necessária ao desempenho de uma missão pública e se o exercício de tais prerrogativas for devidamente disciplinado e delimitado.


2.2.3. Proposta de critérios para a delegação da atividade de polícia


Considerando-se o acima exposto, propõe-se a utilização de alguns critérios para se identificar as atividades de polícia que podem ser delegadas.23


2.2.3.1. Não utilização da coerção


Não são passíveis de delegação atos que demandarem o emprego da força. Este limite é consequência direta do monopólio estatal do emprego da violência legítima.

Porém, pode ser delegada a mera execução de atos materiais de constrição da propriedade privada, em cumprimento a decisões prévias do poder público.


2.2.3.2. Ausência de manifestação de amplo poder decisório


As atividades passíveis de delegação podem consistir em atos de aplicação e execução de atos normativos e atos administrativos propriamente ditos, desde que não impliquem exercício de amplo poder decisório pelo particular.

Poder de decisão consiste em manifestação de poder de império, cujo exercício demanda a legitimação democrática do agente.

Em primeiro lugar, a delegação a particulares não pode ter por conteúdo a adoção de decisões estratégicas, de cunho político, que apenas podem ser tomadas pelos representantes do povo democraticamente legitimados. Essas decisões estratégicas e nucleares, em alguma medida, correspondem à “função política” ou aos “atos de governo”.24

Depois, também não pode ser atribuída ampla margem de liberdade para o particular determinar os critérios do desempenho da atividade de polícia administrativa no caso concreto. Assim se passa pela necessidade de se assegurar a objetividade e a imparcialidade no exercício privado de poderes públicos.


2.2.3.3. Proteção adequada dos direitos e garantias fundamentais


A possibilidade de ser delegada a particulares a prática de atividades de polícia administrativa não pode implicar qualquer violação a direitos e garantias fundamentais dos cidadãos.

A necessidade de se assegurar a adequada execução da atividade delegada e de se tutelarem os direitos e garantias fundamentais está vinculada diretamente ao fato de que as atividades desempenhadas por particulares podem produzir efeitos relevantes na esfera dos administrados que se submetem às atividades de polícia. Do fato de não poderem envolver o exercício de coerção e de amplo poder decisório não decorre que tais atividades sejam necessariamente irrelevantes ou despidas de aptidão para atingir a esfera jurídica de terceiros.

Ao se submeterem à atividade de polícia praticada por particulares mediante delegação pública, os cidadãos devem poder exercer todos os seus direitos e garantias tal como se o ato estivesse sendo praticado diretamente pelo Estado.25 


2.2.3.4. Prévia programação dos critérios e procedimentos a serem observados no exercício da atividade delegada


É necessário que exista disciplina prévia, em termos objetivos, de todos os aspectos das atribuições a serem desempenhadas pelo particular.

Todos os aspectos e procedimentos a serem observados no exercício das atividades delegadas devem ser objeto da regulação mais detalhada possível. O contrato é a sede adequada para a regulação minuciosa dos critérios e procedimentos a serem observados na execução das atividades delegadas. Além de constituir um padrão de conduta vinculante para todas as partes envolvidas, a prévia programação das atividades a serem desenvolvidas propicia a previsibilidade, objetividade e imparcialidade da atuação bem como o seu amplo controle.26

Na inviabilidade de programação prévia exaustiva, prevendo-se a conduta a ser adotada diante de todas as circunstâncias possíveis, deverá ser conferida a menor margem possível para o exercício de avaliações pelo delegatário. Deverão também ser expressamente previstos os seus limites, de modo a se identificar o momento a partir do qual será imprescindível a intervenção da Administração para decidir a conduta a ser adotada.


2.2.3.5. Garantia de objetividade e impessoalidade


Um dos principais objetivos a serem atingidos com a prévia programação dos critérios e procedimentos a serem observados na execução das atividades delegadas é assegurar a objetividade e impessoalidade na atuação dos particulares.

A necessidade de objetividade na execução de atividades delegadas encontra-se diretamente vinculada ao princípio da impessoalidade. O risco de que elementos subjetivos influenciem o desempenho da atividade pública consiste em um dos óbices opostos ao exercício privado de atividades de polícia.

Reputamos que é possível assegurar-se a objetividade e impessoalidade no exercício das atividades delegadas, mediante a previsão adequada das atribuições do particular. Ou seja, a delegação do exercício de atividades de polícia administrativa apenas não implicará infringência ao dever de se observar a objetividade no desempenho das atividades públicas caso as atribuições do particular encontrem-se minuciosamente previstas em ato normativo ou contratual.


3. O exercício de poder de polícia pelas empresas estatais


Cabe agora analisar se os limites e critérios acima expostos também se aplicam quando o poder de polícia for desempenhado por empresas estatais.


3.1. Personalidade jurídica privada e prerrogativas públicas


A personalidade jurídica pública denota a possibilidade de exercício de diversos direitos e prerrogativas, por serem instrumentos necessários à persecução das finalidades atribuídas a estes entes. Essas características diferenciadas da capacidade de direito público são bastante evidentes ao se comparar com as possibilidades de ação muito mais restritas dos particulares. A liberdade de ação, ainda que não seja absoluta, e a ausência de controles mais rígidos sobre as atividades dos particulares impedem que lhes seja atribuído, em caráter permanente, o exercício de poderes sobre outros particulares.

Porém, no que diz respeito às entidades da Administração indireta com personalidade jurídica privada, a situação é distinta em relação ao que se passa com os particulares. Tais entidades submetem-se a um regime jurídico bastante rígido, especialmente aquelas que desempenham atividades públicas. Os controles e restrições que lhes são aplicáveis aproximam-se mais daqueles incidentes sobre os entes dotados de personalidade jurídica pública do que daqueles aplicáveis aos particulares.

Portanto, ao se afirmar a incidência de limites e restrições para o exercício de atividades de polícia administrativa por entidades privadas, pode-se identificar que essa questão está mais relacionada à incidência do regime jurídico de direito público do que à personalidade jurídica da entidade que exerce a atividade. O regime jurídico em que a atividade é exercida, com as injunções disso decorrentes, é o dado que propicia uma maior quantidade de elementos úteis para a identificação da possibilidade ou não de exercício de prerrogativas públicas por entidades privadas.


3.2. Monopólio do uso da força e entidades privadas da Administração


Cabe questionar inicialmente se o argumento do monopólio estatal do uso legítimo da força seria válido em se tratando de pessoas com personalidade de direito privado que integram a estrutura do Estado, como entes da administração indireta.

Carlos Ari Sundfeld apresenta uma interpretação bastante ampla para a questão.27 Segundo o doutrinador, o art. 144, § 5º, do texto constitucional, atribui às polícias militares “a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública”. Disso decorre que apenas as atividades de coerção vinculadas à polícia ostensiva e à preservação da ordem pública é que devem ser exercidas com exclusividade pelo aparato policial. Não há vedação no texto constitucional para que outros órgãos e entidades exerçam o uso da força quando necessária para a defesa de outros valores, tais como o trânsito, a saúde e o meio ambiente. Assim, ainda segundo o doutrinador, não há vedação para que empresas estatais exerçam a coerção em outras situações, não vinculadas à defesa da ordem pública, se estiverem previamente autorizadas pela lei para tanto.

Em alguma medida, o posicionamento do autor reporta-se à distinção, adotada expressamente em outros sistemas jurídicos, entre a polícia geral e as polícias especiais.

Parece-nos que a coerção física, por integrar o núcleo das funções estatais irrenunciáveis, apenas pode ser exercida por servidores estatutários. Trata-se de atividade exclusiva do Estado a que se refere o art. 247 da CF/88, que determina a reserva do exercício de determinadas funções estatais a servidores públicos que se submetem ao regime estatutário.

Logo, a coerção física sobre outros cidadãos não pode ser exercida por entidades da Administração indireta com personalidade jurídica privada. Note-se que a vedação, no que diz respeito ao exercício da coerção, aplica-se também aos que ocupam empregos públicos e se submetem ao regime celetista, seja de entes da Administração direta seja de entidades da Administração indireta com personalidade jurídica pública.


3.3. Exercício de outras atividades de polícia que não envolvem o uso da coerção


Parece-nos que a reserva de funções estatais exclusivas aplica-se especificamente ao exercício da coação direta. O monopólio estatal da violência constitui função exclusiva do Estado e integra o núcleo de funções estatais que apenas podem ser exercidas por aqueles que ocupam cargos públicos, sujeitos ao regime estatutário.

Já no que diz respeito a outras atividades compreendidas no ciclo da polícia administrativa, parece-nos que não se aplica a reserva de exercício de função estatal por servidores estatutários. O regime jurídico a que se submetem os empregados públicos, por exemplo, propiciaria garantias suficientes para se assegurar a objetividade no exercício das atividades de polícia administrativa – excluindo-se apenas aquelas que implicam o emprego da coação, que são atividades exclusivas do Estado.

Afigura-se-nos que a personalidade jurídica de direito privado não é suficiente para afastar a possibilidade de tais entidades desenvolverem atividades de polícia administrativa. Como adverte Carlos Ari Sundfeld: “não se confundem o regime da pessoa com o regime da atividade. Empresa que executa atividade pública sujeita-se ao direito público, no que respeita a essa atividade”.28

Esses aspectos permitem a delegação mais ampla de atividades de polícia administrativa a empresas estatais. Atividades como a sancionatória, cuja delegação reputamos encontrar-se vedada a particulares, seria possível no que diz respeito às empresas estatais desde que sejam adotadas as cautelas necessárias.29 

Tais cautelas dizem respeito especialmente à necessidade de se assegurar a objetividade, impessoalidade e isonomia no exercício das atividades de polícia administrativa. A problemática refere-se especialmente às sociedades de economia mista, no tocante à atividade sancionatória. O exercício de poderes sancionatórios por entidades da Administração indireta apenas será possível caso se afaste o risco de tais poderes serem utilizados para fins meramente arrecadatórios, por exemplo.


3.4. Potencial conflito entre o desempenho de poder de polícia e a presença de recursos privados no capital da empresa estatal


A utilização de entidades com capital misto, com sócios públicos e privados, é apta a gerar controvérsias adicionais no que diz respeito ao exercício de funções de autoridade.

Trata-se de analisar o potencial conflito entre os fins públicos a serem perseguidos e os interesses (legítimos) do capital privado. Existe a possibilidade de haver divergência entre o exercício de atividades de polícia administrativa pela pessoa jurídica de direito privado e os interesses dos titulares do seu capital social, especialmente os titulares dos recursos privados.

O risco de conflito entre os interesses perseguidos pelos titulares dos capitais públicos e privados não se verifica em relação às empresas públicas, que são constituídas exclusivamente por capitais públicos.

Por esse motivo, alguns doutrinadores sustentam que apenas empresas públicas poderiam desempenhar atividades de polícia administrativa.

Em se tratando de sociedade de economia mista com sócios privados, é inafastável a acentuação do seu cunho empresarial. Ainda que o controle da sociedade de economia mista tenha que ser exercido por uma entidade estatal, a participação societária de sócios privados repercute no seu funcionamento. Os direitos dos sócios minoritários também terão que ser respeitados. Isso significa, inclusive, orientar a atividade empresarial de modo a propiciar a percepção de lucros pelos seus acionistas.

É recorrente o argumento de que empresas com participação de capitais privados poderiam desenvolver as atividades públicas de modo a obter maior “lucratividade”, por exemplo, com a aplicação excessiva de multas.

Ocorre que esse argumento não é de natureza jurídica, no sentido de que o regime jurídico autorizaria tal prática em relação às sociedades de economia mista.

A empresa estatal deverá necessariamente observar os critérios legais para o desempenho da atividade de polícia administrativa, mesmo se houver a participação de capitais privados. Ainda que a empresa apresente a característica da lucratividade, isso não afasta o imperativo de que as atividades públicas que lhe foram atribuídas sejam desempenhadas em estrito acordo com a legalidade.

Todos os que exercem atividades de polícia administrativa, com personalidade jurídica pública ou privada, poderão adotar determinados mecanismos que propiciem a apuração de infrações e a aplicação de penalidades de modo mais eficiente. Caso tais mecanismos não sejam legítimos e evidenciem desvio de finalidade no exercício da atividade pública, o problema reside na estratégia em si e não na personalidade jurídica daquele que a aplica. Como pondera Rodrigo Pagani de Souza, isso poderá ocorrer tanto em relação a entidades com natureza jurídica de direito público quanto privado:

“Veja-se o caso da empresa estatal constituída para o exercício de poder de polícia. Observe-se que, se porventura enveredar para uma estratégia de se tornar uma “indústria de multas”, dando ensejo a controvérsias sobre a existência de desvio de finalidade na sua atuação, ela não estará fazendo nada diferente do que poderia fazer, na prática, uma autarquia ou uma secretaria de Estado. Estas, no exercício de poder de polícia, também poderiam enveredar por estratégia semelhante, produzindo os mesmos resultados”.30

Portanto, o risco de desvios, por si só, não é apto a justificar uma suposta impossibilidade de exercício de atividades de polícia por entidades com personalidade jurídica privada. Na hipótese de serem constatados eventuais desvios no exercício da atividade de polícia, há meios específicos para se coibir e sancionar a conduta abusiva. Não há necessidade de se vedar o exercício de toda e qualquer atividade de polícia administrativa por sociedades de economia mista por se temer a ocorrência de eventuais desvios.31

Essa questão deverá ser aferida nos casos concretos, avaliando-se a destinação dada aos valores arrecadados para se identificar se implicam estímulo ou não para a utilização dos poderes sancionatórios para finalidades privadas. Caso se identifique o risco de conflito de interesses entre as finalidades visadas com o exercício da função pública e os objetivos perseguidos pelos titulares do capital social, as atividades passíveis de desenvolvimento pela entidade privada serão apenas aquelas em relação às quais é possível assegurar-se a objetividade na sua execução.


Notas

1 Curso de direito administrativo, pp. 444-447.

2 Confiram-se, entre outras, as lições de CRETELLA JÚNIOR, José. Manual de direito administrativo, pp. 256-257; BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, p. 855; JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo, p. 585; GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo, pp. 187-188; VITTA, Heraldo Garcia. Poder de polícia, pp. 136-157; NOHARA, Irene Patrícia. Direito administrativo, pp. 161-162; RAMOS, Dora Maria de Oliveira. A terceirização em matéria de poder de polícia, p. 571; MENDONÇA, Rafael Aliprandi. A indelegabilidade do poder de polícia às sociedades de economia mista, p. 84.

3 Rel. Min. Sydney SANCHES, Pleno, j. 7.11.2002, v.u., DJ 28.03.2003.

4 Rel. Min. Eros GRAU, Pleno, j. 8.6.2006, maioria, DJ 29.09.2006.

5 REsp 817.534/MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., j. 10.11.2009, v.u., DJ 10.12.2009. Em face dessa decisão, foi interposto recurso extraordinário (de nº 633.782), não julgado até fevereiro/17. No STF, foi reconhecida a repercussão geral da matéria, sendo o RE 633.782 o paradigma do tema (de nº 532), nos termos da decisão do Min. Relator Luiz Fux, de 29.6.2016.

6 Essa foi a situação retratada na reportagem “Polícia Federal S/A”. Revista Isto É, edição nº 2167, 20 de maio de 2011.

7 No Acórdão 1.449/2012 – Plenário, Rel. Min. Raimundo Carreiro, DOU de 13.06.2012, o TCU determinou a adoção das seguintes providências, entre outras: “9.1 determinar ao Departamento de Polícia Federal que, na qualidade de órgão responsável pela função de polícia aeroportuária, fixada no art. 144, § 1º, inciso III, da Constituição Federal: 9.1.1 elabore e encaminhe a este Tribunal, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias a contar da ciência, plano de ação para regularizar a terceirização de serviços relacionados diretamente ao controle migratório, de modo a substituir, gradualmente e sem prejuízo à continuidade do serviço, os terceirizados que executam tarefas típicas de controle migratório por servidores do seu quadro permanente, porquanto se trata de atividade tipicamente finalística desse órgão, cuja terceirização é vedada nos termos do art. 1º, § 2º, do Decreto 2271/97; 9.1.2 enquanto perdurarem os contratos de terceirização que envolvam, direta ou indiretamente, serviços de controle migratório, adote as providências necessárias para garantir níveis mínimos razoáveis de supervisão dos terceirizados, por servidores de carreira, nas tarefas de controle migratório nos aeroportos internacionais, conforme os critérios definidos por esse órgão, informando a este Tribunal sobre as medidas adotadas e resultados alcançados no prazo de 90 (noventa) dias, a contar da notificação”.

8 V. item 1.2 do verbete.

9 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do direito administrativo, p. 133.

10 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Concessões, p. 377.

11 Idem, p. 377.

12 Idem, pp. 377-378.

13 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Concessões, pp. 378-379.

14 JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria geral das concessões, p. 102.

15 ENTERRÍA, Eduardo García de; FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. Curso de derecho administrativo, v. I, p. 545.

16 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, p. 388. O autor assim diferencia os atos jurídicos dos fatos jurídicos: “Atos jurídicos são declarações, vale dizer, são enunciados; são ‘falas’ prescritivas. O ato jurídico é uma pronúncia sobre certa coisa ou situação, dizendo como ela deverá ser. Fatos jurídicos não são declarações; portanto, não são prescrições. Não são falas, não pronunciam coisa alguma. O fato não diz nada. Apenas ocorre. A lei é que fala sobre ele.” (Op. cit., p. 378 – grifos no original).

17 CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo brasileiro, v. 1, p. 238. Ainda nas palavras do autor, as operações técnicas e materiais da Administração, denominadas fatos administrativos, não apresentariam nenhum traço de juridicidade (Idem, pp. 239-240).

18 DALLARI, Adilson Abreu. Credenciamento mediante licitação, p. 100.

19 Essa proposta de separação encontra-se retratada, por exemplo, na seguinte passagem: “O ato da autoridade de dizer ‘sim ou não’, ‘defiro ou indefiro’, ‘concedo ou não concedo’, em suma, a remoção do obstáculo jurídico, que consubstancia a limitação (a restrição, o condicionamento) do exercício de liberdades e do direito de propriedade, não se confunde com as diligências que a Administração Pública é obrigada a oferecer ao administrado, atos estes que culminarão com a edição do ato administrativo de polícia” (PROVENZA, Vittorio Constantino. Parecer, p. 363).

20 CHEVALLIER, Jacques. Science administrative, p. 87. Ainda segundo o autor, os outros aspectos essenciais do monopólio estatal da violência são a força material, que pertence essencialmente ao Estado mas que se manifesta de forma mediatizada pelo direito, e a situação de monopólio em si, pela qual o Estado dispõe de um poder de constrangimento incondicionado e irresistível, do qual não se pode escapar (Idem, p. 88-92).

21 Como pondera Pedro Gonçalves, “em princípio, o emprego da força tem lugar em circunstâncias que reclamam a tomada de decisões – quanto ao se e quanto ao como da utilização de meios coativos – cujo conteúdo depende, em grande medida, do contexto e do grau de ameaça ou de perigo concreto em que se encontram determinados bens jurídicos” (Entidades privadas com poderes públicos, p. 961 – grifo no original).

22 RODRÍGUES, Tomas-Ramon Fernández. Derecho administrativo, sindicatos y autoadministración, p. 220 – grifo no original.

23 Os critérios ora propostos já foram apresentados em outras obras da Autora, tal como no Tratado de Direito Administrativo v. 4 – Funções Administrativas do Estado, pp. 365-393.

24 Atos de governo “são aqueles em que os exercentes da função governativa imprimem fins à gestão pública, em face dos fins do Estado, as opções de políticas públicas e orçamentárias e a direção geral da política estatal” (PALU, Oswaldo Luiz. Controle dos atos de governo pela jurisdição, p. 164).

25 Em sentido similar, encontram-se os ensinamentos de Gustavo Binenbojm: “Nos novos arranjos institucionais engendrados, caberá ao Estado avaliar os meios e mecanismos para que se assegure o respeito aos direitos fundamentais e às conquistas do Estado democrático de direito. (...) A ideia é que, ao deixar de exercer diretamente o poder de polícia, o Estado passe a disciplinar e supervisionar o seu exercício pelos entes privados, quando tal solução for cabível” (Poder de polícia, ordenação, regulação: transformações político-jurídicas, econômicas e institucionais do direito administrativo ordenador, p. 245).

26 Fernando Vernalha Guimarães ressalta a necessidade de “previsão de cláusulas específicas e regulamentares que prescrevam atribuições suficientes à garantia de um desempenho seguro e satisfatório do objeto pelo parceiro privado, delineando, ainda, um suficiente controle por parte do Poder Público” (As parcerias público-privadas e a transferência de atividades de suporte ao poder de polícia, p. 402).

27 SUNDFELD, Carlos Ari. Empresa estatal pode exercer o poder de polícia. Boletim de direito administrativo, v. 2, pp. 102-103.

28 SUNDFELD, Carlos Ari. Empresa estatal pode exercer o poder de polícia. Boletim de direito administrativo, v. 2, p. 101 – grifo no original.

29 Exemplo de empresa estatal que exerce competências sancionatórias é a CETESB – Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental, do Estado de São Paulo. Nos termos da Lei nº 13.542/09, art. 2º, que alterou a redação da Lei nº 118/73, estão previstas entre as suas atribuições as de “V - fiscalizar e impor penalidades: a) a quem instale ou opere as atividades de que trata o inciso I deste artigo, sem licença ou autorização ambiental ou descumpra as exigências e condições nelas impostas; b) a quem cause poluição ou degradação do meio ambiente; c) aos infratores da legislação sobre o uso e ocupação do solo em áreas de proteção de mananciais; d) aos infratores da legislação sobre o zoneamento industrial metropolitano”.

30 SOUZA, Rodrigo Pagani de. Empresas estatais constituídas para o exercício de poder de polícia. Poder de polícia na atualidade: anuário do Centro de Estudos de Direito Administrativo, Ambiental e Urbanístico – CEDAU do ano de 2011, p. 167. Ponderação similar acerca de possíveis abusos na aplicação de multas é formulada por José dos Santos Carvalho Filho: “Cuida-se de abuso de poder, que precisa ser severamente reprimido pelas autoridades competentes. Tal abuso, todavia, tanto pode vir de pessoas privadas quanto de pessoas públicas incumbidas da função fiscalizadora. Portanto, esse aspecto não serve para solucionar juridicamente a questão posta sob enfoque. O que se exige é o controle e a exemplar punição pelo cometimento de abusos, o que, infelizmente, quase nunca acontece” (Manual de direito administrativo, p. 79).

31 SOUZA, Rodrigo Pagani de. Op. cit., p. 178.

Referências

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 30. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2013.

BINENBOJM, Gustavo. Poder de polícia, ordenação, regulação: transformações político-jurídicas, econômicas e institucionais do direito administrativo ordenador. Belo Horizonte: Fórum, 2016.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2012.

CHEVALLIER, Jacques. Science administrative. 4. ed. Paris: Presses Universitaires de France, 2007.

CRETELLA JÚNIOR, José. Manual de direito administrativo. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979.

DALLARI, Adilson Abreu. Credenciamento mediante licitação. Revista trimestral de direito público, nº 23, São Paulo: Malheiros Editores, 1998, pp. 97-105.

GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

GONÇALVES, Pedro. Entidades privadas com poderes públicos: o exercício de poderes públicos de autoridade por entidades privadas com funções administrativas. Reimp. Coimbra: Almedina, 2008.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

__________________. Teoria geral das concessões de serviço público. São Paulo: Dialética, 2003.

KLEIN, Aline Lícia; MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Tratado de direito administrativo. Maria Sylvia Zanella Di Pietro (coord.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. Volume 4: funções administrativas do Estado.

MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Concessões. Belo Horizonte: Fórum, 2015.

MENDONÇA, Rafael Aliprandi. A indelegabilidade do poder de polícia às sociedades de economia mista. Fórum administrativo – FA, a. 11, nº 119, Belo Horizonte: Fórum, jan., 2011, pp. 60-65.
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009.

__________________. Mutações do direito administrativo. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

NOHARA, Irene Patrícia. Direito administrativo. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2013.

PALU, Oswaldo Palu. Controle dos atos de governo pela jurisdição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

PROVENZA, Vittorio Constantino. Parecer. Revista de direito da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro – RDPGE, v. 50, 1997, pp. 359-382.

RAMOS, Dora Maria de Oliveira.  A terceirização em matéria de poder de polícia: o caso das vistorias veiculares. Direito e Administração Pública: estudos em homenagem a Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Floriano de Azevedo Marques Neto, et. al. (org.). São Paulo: Atlas, 2013, pp. 567-581.
RODRIGUEZ, Tomas-Ramon Fernandez. Derecho administrativo, sindicatos y autoadministración. 2. ed. Madrid: IEAL, 1972.

SOUZA, Rodrigo Pagani de. Empresas estatais constituídas para o exercício de poder de polícia. Poder de polícia na atualidade: anuário do Centro de Estudos de Direito Administrativo, Ambiental e Urbanístico – CEDAU do ano de 2011. Odete Medauar e Vitor Rhein Schirato (coords.). Belo Horizonte: Fórum, 2014, p. 157-187.

SUNDFELD, Carlos Ari. Empresa estatal pode exercer o poder de polícia. Boletim de direito administrativo, v. 2, São Paulo: NDJ, fev., 1993, pp. 98-103.

VERNALHA GUIMARÃES, Fernando. As parcerias público-privadas e a transferência de atividades de suporte ao poder de polícia – em especial, a questão dos contratos de gestão privada de serviços em estabelecimentos prisionais. Parcerias público-privadas. Carlos Ari Sundfeld (coord.). 2. tir. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 368-405.

VITTA, Heraldo Garcia. Poder de polícia. São Paulo: Malheiros Editores, 2010.

Citação

KLEIN, Aline Lícia. Delegação de poder de polícia. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Administrativo e Constitucional. Vidal Serrano Nunes Jr., Maurício Zockun, Carolina Zancaner Zockun, André Luiz Freire (coord. de tomo). 2. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2021. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/132/edicao-2/delegacao-de-poder-de-policia

Edições

Tomo Direito Administrativo e Constitucional, Edição 1, Abril de 2017

Última publicação, Tomo Direito Administrativo e Constitucional, Edição 2, Abril de 2022

Verbetes Relacionados