• Concessão urbanística

  • Alexandre Levin

  • Última publicação, Tomo Direito Administrativo e Constitucional, Edição 2, Abril de 2022

 A concessão urbanística é um instrumento jurídico de urbanismo concertado criado pelo antigo Plano Diretor do Município de São Paulo (Lei 13.430/2002, art. 239) e regulado pela Lei 14.917/2009 do mesmo Município.

O atual Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo (Lei Municipal 16.050/2014) também previu o instituto (art. 144), mantendo, em linhas gerais, as mesmas características que lhe foram atribuídas pelo plano anterior.

1. Instrumento jurídico do urbanismo concertado


A concessão urbanística é um instrumento jurídico do urbanismo concertado

O urbanismo concertado é um método do urbanismo que se caracteriza pela consensualidade na atividade de organização do espaço urbano. Na execução de sua função urbanística, o Poder Público deixa de impor a sua vontade à sociedade e passa a tomar decisões em conjunto com os diversos setores representativos do corpo social. A imperatividade estatal dá lugar à concertação de interesses públicos e privados.

Sobre o tema, Antonio Carceller Fernandez explica que a expressão urbanismo concertado deve ser compreendida dentro do contexto mais amplo de administração concertada. Nas palavras do autor, tal conceito teve sua origem na planificação econômica francesa, como uma terceira via, como uma superação das opções que dominavam a sociedade na segunda metade do século XX: o capitalismo e o socialismo. Trata-se de um sistema no qual as decisões do Poder Público harmonizam-se previamente com as dos sujeitos econômicos, com vistas ao atingimento de resultados ótimos. A Administração, sem abdicar de suas funções nem renunciar a seus poderes, pretende conseguir o concurso voluntário, a adesão livremente prestada dos particulares, a partir da convicção que somente deste modo poderão ser alcançados os objetivos previamente fixados. Intenta-se obter a colaboração da iniciativa privada para complementar ou substituir uma gestão pública que se confessa impotente para fazer frente por si só às necessidades da sociedade.1

O Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/2001), norma geral de direito urbanístico, incorpora as diretrizes do urbanismo concertado, ao prever como um dos princípios do direito urbanístico a cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores da sociedade no processo de urbanização, em atendimento ao interesse social (art. 2º, III).

A concessão urbanística é instrumento jurídico fundamentado justamente no referido princípio, marcada que é pela cooperação entre a Administração Pública e a iniciativa privada no processo de revitalização de áreas urbanas degradadas.


2. Princípio da justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização


A concessão urbanística é caracterizada, como será visto, pela utilização de recursos privados no processo de reurbanização. 

Assim, a aplicação do instituto contribui para impedir que recursos públicos sejam aplicados em benefício apenas dos proprietários de imóveis na região beneficiada pelos melhoramentos urbanísticos implantados pela Administração. Esse tipo de instrumento do urbanismo concertado possibilita que a readequação urbana e a consequente mais-valia imobiliária sejam alcançadas a partir de investimentos realizados pelo setor privado.

É sabido que a transformação do espaço urbano em decorrência da construção de obras públicas valoriza significativamente a região objeto da ação estatal e eleva os preços de mercado dos imóveis ali situados. Assim, os seus proprietários acabam especialmente beneficiados pelos investimentos realizados pela Administração Pública. Em outras palavras, da aplicação de recursos públicos resulta a valorização extraordinária dos imóveis privados localizados no perímetro em que são realizadas as obras de readequação urbana. O processo é contrário ao princípio da isonomia, constitucionalmente assegurado (art. 5º, caput, CF).

Os instrumentos de parcerias público-privadas para fins de urbanização constituem respostas a esses problemas. A sua aplicação possibilita, ao mesmo tempo, resolver a questão da falta de recursos do erário e distribuir de forma justa os benefícios decorrentes da atividade urbanística (art. 2º, inc. IX, da Lei 10.257/2001). Ao invés de buscar, depois de concluídas as obras, a recuperação do investimento realizado, a Administração utiliza, de antemão, recursos de seus parceiros privados, a impedir que recursos do erário sejam a causa da valorização reflexa extraordinária dos imóveis particulares situados na área urbana beneficiada com a intervenção.

São vários os instrumentos de concertação público-privada previstos no ordenamento pátrio, todos eles fundamentados em instrumentos similares criados pelo direito de outros países, como a França e a Espanha.2 

A concessão urbanística é um desses instrumentos. A justa distribuição dos benefícios decorrentes da atividade urbanística (Lei 10.257/2001, art. 2º, inc. IX) é um dos seus fundamentos jurídicos.


3. Previsão no plano diretor estratégico do Município de São Paulo (Lei Municipal 16.050/2014)


Antes de abordar diretamente as regras sobre o instrumento, cabe destacar que o Estatuto da Cidade não previu a concessão urbanística expressamente no rol dos instrumentos de política urbana constante do seu art. 4º. Em razão disso, pode surgir a alegação de que a aplicação do instrumento está vedada, posto que não prevista pela Lei Geral de Direito Urbanístico, editada com fulcro no art. 24, I, da Constituição Federal.

Ocorre que, ao lado da competência concorrente para legislar sobre direito urbanístico, por meio da qual normas gerais são editadas pela União e as suplementares por Estados e Municípios (art. 24, I e §§ 1º e 2º e art. 30, II, CF), foi atribuída ao Município, também, competência direta em matéria de ordenamento territorial (CF, art. 30, VIII).3  

No exercício dessa competência constitucionalmente assegurada, o Município – principal executor da política de desenvolvimento urbano (art. 182, caput, CF) – pode criar novos instrumentos jurídicos além daqueles previstos na Lei Federal 10.257/2001, desde que atenda às diretrizes de política urbana previstas no mesmo diploma legal. 

Por tudo isso, é legítima a criação da concessão urbanística pelo Município de São Paulo. O instrumento é fruto da competência direta constitucionalmente garantida ao ente municipal e está fundamentado nos princípios da cooperação entre governo e iniciativa privada no processo de urbanização (art. 2º, III, Lei 10.257/2001) e da justa distribuição dos benefícios decorrentes da atividade urbanística (art. 2º, IX, Lei 10.257/2001). 

O atual Plano Diretor do Município de São Paulo (Lei Municipal 16.050/2014) não define com exatidão a concessão urbanística, mas prescreve alguns de seus traços principais.

A Lei Municipal prevê que, com base em autorização legislativa específica, poderá ser realizada concessão para implantar Projeto de Intervenção Urbana elaborado pelo Poder Público, consideradas as diretrizes do Plano Diretor Estratégico (art. 144).

A seguir, o diploma determina que a implantação poderá ser delegada à empresa estatal municipal ou, mediante licitação, a empresa ou a conjunto de empresas em consórcio (art. 144, § 1º).

Percebe-se, claramente, a aproximação com o conceito de concessão comum presente na legislação federal. Com efeito, a Lei Federal 8.987/1995 define a concessão como uma espécie de delegação da prestação do serviço público, mediante licitação, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas (art. 2º, II).

Por outro lado, a exigência de autorização legislativa, constante da lei municipal, segue a mesma direção do disposto na Lei Federal 9.074/1995, que estabelece normas para outorga e prorrogações das concessões e permissões de serviços públicos. Esse diploma legal proíbe a execução de obras e serviços públicos por meio de concessão sem lei que lhes autorize e fixe os termos. A prescrição vale para União, Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 2º).

De outra parte, o Plano Diretor do Município de São Paulo prevê que a remuneração da concessionária pode ser obtida mediante a exploração: I – dos terrenos; II – do potencial construtivo a ser utilizado na implantação do Projeto de Intervenção Urbana; III – das edificações destinadas a usos privados que resultarem da obra realizada; IV – da renda derivada da exploração de espaços públicos; V – das receitas acessórias, nos termos que forem fixados no respectivo edital de licitação e contrato de concessão urbanística (art. 144, § 3º).

A lógica é a mesma da Lei Federal 8.987/1995, segundo a qual o investimento da concessionária será remunerado e amortizado mediante a exploração do serviço ou da obra por prazo determinado (art. 2º, III). 

Não é por outra razão que a lei que institui o plano diretor paulistano impõe a sujeição da concessão urbanística ao regime jurídico federal das concessões comuns e das parcerias público-privadas (art. 144, § 6º).

A finalidade da concessão urbanística é permitir, portanto, que as obras de requalificação urbana sejam realizadas com recursos privados, provenientes da exploração da obra urbanística pelo concessionário, a afastar a necessidade de utilizar os (cada vez mais) escassos recursos públicos.

Mas as disposições da Lei Municipal 16.050/2014 regulam a concessão urbanística de forma um tanto quanto singela. O diploma faz referência ao instituto em apenas um artigo (art. 144). Os detalhes sobre essa forma de delegação estão indicados na Lei 14.917/2009 do Município de São Paulo, que será objeto de estudo no Capítulo 4 deste trabalho.


3.1 Exigência de processo licitatório


O Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo, como visto no item anterior, autoriza o Poder Público municipal a delegar, mediante licitação, a empresa ou a consórcio de empresas, a realização de obras de urbanização ou reurbanização de determinada região da Cidade.

A exigência de processo licitatório pode até mesmo ser considerada óbvia. Isso porque as contratações realizadas pelo Poder Público com os particulares devem, em regra, ser precedidas de licitação pública, nos termos do que prescreve o art. 37, XXI, da Constituição Federal. E a concessão urbanística, à qual o legislador paulistano atribui a qualidade de delegação, como se infere do texto apresentado, é uma espécie de contrato administrativo, mas especificamente um contrato de concessão,4  não obstante as peculiaridades que a caracterizam, e das quais não nos furtaremos a discorrer mais adiante.

Todavia, não quis o legislador municipal, talvez até por cautela, deixar de prever a necessidade de prévio procedimento licitatório para a outorga da concessão urbanística.


3.2 Negociação com os proprietários dos imóveis atingidos pela implantação do projeto de intervenção urbana


A Lei Municipal 16.050/2014 (Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo) previu que a intervenção nos imóveis particulares localizados na área da concessão urbanística depende de prévia negociação entre o concessionário e seus proprietários.

Depreende-se do dispositivo que a ausência de acordo inviabiliza a aquisição dos imóveis pelo concessionário responsável pela execução das obras urbanísticas. Nesses casos, restará ao Poder Concedente desapropriá-los, a fim de que o objeto do contrato de concessão seja realizado.

A afirmação é reforçada pelo veto imposto ao § 5º do art. 144 da Lei Municipal 16.050/2016. A redação desse parágrafo permitia fosse a desapropriação levada a cabo pelo próprio concessionário, na hipótese de insucesso da composição entre proprietários e o concessionário. Nesse caso, segundo o preceito revogado, caberia ao Executivo Municipal expedir o decreto a autorizar a desapropriação, cabendo a execução e o pagamento das indenizações ao concessionário.

Mas o versículo foi vetado. Nas razões de veto, o Chefe do Executivo municipal defendeu que a redação conferida mostra-se tecnicamente inadequada, pois não há como subsistir a hipótese de que o concessionário pratique os atos administrativos referidos no dispositivo.

Com o veto, não mais subsiste, nos termos do atual Plano Diretor paulistano, a possibilidade de desapropriação pelo concessionário dos imóveis particulares necessários à execução do empreendimento. Essa previsão existia no Plano Diretor Estratégico anterior (Lei Municipal 13.430/2002, art. 239, § 2º).

Apesar do veto, a previsão acerca da expropriação por parte do concessionário ainda consta da Lei 14.917/2009, que dispõe sobre a concessão urbanística no Município de São Paulo (art. 11), e no Decreto-lei 3.365/41, que dispõe sobre as desapropriações por utilidade pública (art. 4º, parágrafo único, incluído pela Lei 12.873/2013).

A desapropriação levada a cabo pelo concessionário é um dos temas mais controversos sobre o instituto. A questão gerou muitas discussões quando foi prevista pela Lei Municipal 14.917/2009 e será abordada com mais profundidade no último capítulo deste escrito.


4.  Lei 14.917/2009 do Município de São Paulo, que dispõe  sobre a concessão urbanística


A Lei Municipal 14.917/2009 foi editada ainda sob a vigência do Plano Diretor de 2002 (Lei 13.430/2002, do Município de São Paulo), mas boa parte de suas prescrições estão em consonância com o texto do atual Plano Diretor (Lei 16.050/2014, do Município de São Paulo).


4.1. Conceito de concessão urbanística na Lei  14.917/2009


O art. 1º da Lei 14.917/2009 define concessão urbanística como um instrumento de intervenção urbana estrutural destinado à realização de urbanização ou de reurbanização de parte do território municipal a ser objeto de requalificação da infraestrutura urbana e de reordenamento do espaço urbano, com base em projeto urbanístico específico em área de operação urbana ou área de intervenção urbana para atendimento de objetivos, diretrizes e prioridades estabelecidas na lei do plano diretor estratégico. 

Já o art. 2º da mesma lei define concessão urbanística como uma espécie de contrato administrativo, por meio do qual o poder concedente, mediante licitação na modalidade concorrência, delega a pessoa jurídica ou a consórcio de empresas a execução de obras urbanísticas de interesse público, por conta e risco da concessionária.

Os dispositivos estão em pleno acordo com o previsto no atual Plano Diretor do Município de São Paulo, conforme exposto no item anterior este trabalho.

Ainda na mesma linha da Lei 16.050/2014, a Lei Municipal 14.917/2009 prevê que o investimento realizado pela delegatária será remunerado e amortizado mediante a exploração dos imóveis resultantes destinados a usos privados nos termos do contrato de concessão, com base em prévio projeto urbanístico específico e em cumprimento de objetivos, diretrizes e prioridades da lei do plano diretor estratégico (art. 2º).

E, no parágrafo único do mesmo artigo, indicou o legislador municipal as fontes por meio das quais será remunerada a empresa concessionária (exploração dos imóveis resultantes da obra de reurbanização, destinados a usos privados; exploração direta ou indireta de áreas públicas abrangidas pela intervenção urbana; receitas alternativas; e receita de projetos associados), o que nos permite afirmar que o diploma legal municipal procurou deixar evidenciado que se trata de um contrato administrativo de concessão, e não de um mero contrato administrativo de prestação de serviço para a Administração. 

Percebe-se, facilmente, que o legislador municipal, na esteira do Plano Diretor do Município de São Paulo, procurou aproximar ao máximo a definição de concessão urbanística das definições de concessão de serviço público e de concessão de serviço público precedida da execução de obra pública, apresentadas pelo art. 2º, incisos II e III da Lei 8.987/1995.


4.2. Natureza da concessão urbanística segundo a doutrina

 

A questão que surge é: a concessão urbanística prevista na legislação paulistana equivale, de fato, às espécies de concessão extraídas da Lei Federal 8.987/95 (concessão de serviço público, concessão de serviço público precedida da execução de obra pública, e concessão de obra pública)?5 

Tal questionamento sobre a natureza da concessão urbanística influencia diretamente na questão atinente à possibilidade de a concessionária realizar as desapropriações necessárias à execução do projeto de reurbanização, especialmente tendo em vista o disposto no art. 3º do Decreto-Lei 3.365/41,6  por meio do qual é permitida aos concessionários de serviços públicos e aos estabelecimentos de caráter público, ou que exerçam funções delegadas de poder público, a promoção de desapropriações, mediante autorização expressa constante de lei ou contrato.

José Afonso da Silva, escrevendo antes da edição da Lei Municipal 14.917/2009, afirma que a concessão urbanística é uma espécie de concessão de obras públicas, não para a exploração de serviço subsequente e ressarcimento mediante a cobrança de tarifas. Consoante o autor, trata-se de uma concessão pura de obras públicas, e não de uma concessão mista de obras e serviços. Seria o caso, por exemplo, de o Poder Público Municipal elaborar um plano de reurbanização ou de renovação urbana de alguma área; sendo esta de propriedade privada, será desapropriada para a execução do plano – execução, esta, que poderá ser feita diretamente pelos órgãos da Prefeitura ou por empresa pública desta, como a EMURB (Empresa Municipal de Urbanização de São Paulo),7  ou por via de ‘concessão’; por esta, o concessionário assume os encargos da execução do plano, com o direito de venda de parcelas ou de novas edificações da área urbanificada. O concessionário, portanto, cobrirá seus custos e terá seus lucros precisamente com as vendas dos lotes ou de edificações (conforme os termos do instrumento de concessão) que sobrarem em consequência da execução do plano de urbanificação da área delimitada.8 

Paulo José Villela Lomar também enquadra a concessão urbanística como uma espécie de concessão de obra pública, a ser realizada com base nos citados arts. 1º e 2º, inciso III, da Lei 8.987/1995. No caso, trata-se de concessão de obra pública destinada à urbanização ou à renovação urbana, e o investimento da empresa ou do consórcio concessionário é remunerado mediante a exploração da obra tomada no seu conjunto, conforme as regras extraídas da lei específica que prevê a concessão urbanística.9 

Nessa direção, defende o autor que o Poder Público pode executar atividades de urbanização ou de renovação urbana diretamente, por seus próprios meios e recursos, ou indiretamente, transferindo sua execução a empreendedores privados, por meio do instituto da concessão urbanística.10 Importante, neste ponto, ressaltar que apenas a execução das atividades de reurbanização é transferida ao particular; a titularidade da atividade de intervenção urbanística continua com o Poder Público como, aliás, ocorre em toda a concessão de obra pública ou de serviço público.

Já para Marçal Justen Filho, a concessão urbanística pode configurar-se como concessão de obra pública apenas sob algum aspecto. Na verdade, é mais do que isso, posto que envolve a transferência para o particular do encargo de produzir tanto obras públicas como privadas, ou seja, todas as obras necessárias a cumprir a sua finalidade de modificar o cenário urbano. E isso, no entender do autor, é evidente, na medida em que promover a urbanização ou reurbanização envolve a implantação de equipamentos de natureza pública, mas também resulta, de modo inevitável, em outras áreas de diversa configuração.11 

Adilson Abreu Dallari, por sua vez, entende que a concessão urbanística não configura, exatamente, uma modalidade de concessão de obra pública, mas, sim, consiste num instituto específico do Direito Urbanístico, que (...) vem ganhando corpo e autonomia, tendo, agora, após a edição da Lei 10.257, de 10/07/2001 (Estatuto da Cidade) um início de unidade normativa, apresentando institutos e princípios próprios.12  

Na mesma direção caminha Mariana Novis, para quem a concessão urbanística não equivale perfeitamente a uma concessão de serviço público, nem a uma concessão de obra pública e muito menos a alguma das duas subespécies de parceria público-privadas aventadas na lei competente, seja a concessão administrativa ou a patrocinada, nem mesmo exercendo o papel de uma possível releitura ou variação dos mesmos conceitos. Para autora, a concessão urbanística pertence ao gênero concessão, mas possui um regime próprio que não se identifica plenamente com nenhuma das espécies de concessão previstas na legislação federal.13 


4.3. Nosso conceito


Concordamos com a doutrina que considera a concessão urbanística uma espécie do gênero concessão, cujos regramentos gerais estão dispostos na Constituição Federal e nas leis federais que regulam os contratos de concessão (Leis 8.987/1995, 9.074/1995 e 11.079/1995); espécie que, até o momento, e não obstante as considerações já feitas há muito pela doutrina que descreve o instituto, ainda não foi detalhada pela legislação federal.

Foi o Município de São Paulo o pioneiro a prever a concessão urbanística, primeiramente por meio da revogada Lei Municipal 13.430/2002 (Plano Diretor revogado) e, depois, pela Lei Municipal 14.917/2009. 

Com efeito, o Município de São Paulo, com base na autonomia que lhe conferiu o Texto Constitucional (CF, art. 30, VIII), criou essa nova espécie concessória14 denominada concessão urbanística, especialmente voltada à urbanização ou reurbanização de parte do território municipal, sempre com a finalidade de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, nos termos do art. 182, caput, da Constituição Federal.

O Município pode decidir por realizar com recursos próprios as obras de revitalização das áreas urbanas degradadas ou conceder a execução dessa tarefa – verdadeiro dever-poder – aos particulares, para que a realizem com seus recursos e, após a conclusão das obras, tenham seu investimento recuperado pelos meios previstos nas leis municipais, dentre eles a alienação dos imóveis particulares resultantes da intervenção urbana realizada.

Com efeito, não se trata de concessão de serviço público, posto que não há atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material fruível de forma singular pelos administrados.15 Também não se pode considerá-la como concessão de obra pública, pois a atividade da concessionária resulta a construção não apenas de bens públicos de uso comum ou especial, mas também de bens privados, que inclusive serão objeto de exploração para fins de remuneração da concessionária pelo investimento realizado, conforme disposto no referido art. 2º e parágrafo único da Lei Municipal 14.917/2009.

O art. 3º da mesma Lei Municipal indica, dentre outras intervenções que podem ser objeto de concessão urbanística, as obras relativas à modificação do sistema viário, da estrutura fundiária, de instalações e equipamentos urbanos – inclusive sistema de transporte público –, e da localização de logradouros públicos, além da demolição, reforma, ampliação ou construção de edificações, nos termos estabelecidos no respectivo projeto urbanístico. Vê-se, portanto, que tanto obras públicas como obras de propriedade privada podem resultar da atividade da concessionária. E isso decorre da própria essência do processo de (re)urbanização, dos quais resultam espaços públicos e privados que compõe, em seu conjunto, o que conhecemos por cidade.

As características normalmente encontradas nos contratos de concessão em geral estão presentes na lei que regula a concessão urbanística no Município de São Paulo: a) a outorga de prerrogativas públicas ao concessionário, inclusive a promoção da desapropriação judicial ou amigável dos imóveis situados na área de abrangência da concessão (art. 11 da Lei Municipal 14.917/2009); b) o reconhecimento de poderes à Administração concedente, como a encampação (art. 33 da Lei 14.917/2009), a intervenção (arts. 28 a 30 da mesma Lei 14.917/2009), o uso compulsório de recursos materiais da concessionária (art. 31, §§ 1º a 5º), o poder de direção e controle sobre a execução do serviço (art. 25), o poder de decretar a caducidade da concessão (art. 34 da Lei 14.917/09) e a possibilidade de ser retomada a concessão por meio da encampação (art. 33); c) a reversão de bens da concessionária afetados à prestação do serviço (art. 31, § 1º); d) a remuneração da concessionária decorrente do próprio empreendimento (art. 2º), ainda que seja aceita contrapartida do Poder Público em alguns casos (arts. 4º, § 2º e 17, inc. V);16 e) a execução do projeto urbanístico por conta e risco da concessionária (art. 2º), dentre outras.17 

Reconhece-se a impossibilidade, aventada pela doutrina, de ser traçado um conceito único para o instituto da concessão, em face das suas diversas configurações estabelecidas pelos mais diversos diplomas legislativos.18 Não obstante, há características comuns que permeiam a legislação que cria as diversas espécies de concessão. Esses pontos comuns, elencados acima, permitem o reconhecimento da existência de um gênero de contrato administrativo denominado concessão, ao qual pertence, segundo nossa ótica, a concessão urbanística prevista na legislação paulistana.

Trata-se de uma espécie única de concessão, que não encontra equivalente no ordenamento pátrio. A empresa concessionária, ou o consórcio concessionário, passa a ser responsável pela execução de obras urbanísticas (Lei Municipal 14.917/2009, art. 2º), tarefa essa que compreende, como visto acima, todas as ações necessárias à urbanização ou reurbanização da área contínua destinada à intervenção urbana. Busca-se o renascimento, a revitalização de parcela do território municipal afetada por processo de degradação urbanística. 

Não existia, até então, previsão legal no Direito pátrio que previsse espécie concessória com tal objeto. Também a forma de remuneração da concessionária, por meio da exploração dos imóveis resultantes do empreendimento, é inovação no ordenamento pátrio. Daí concordarmos com a parcela da doutrina que considera a concessão urbanística um tipo único e inédito de concessão, que encontra fundamento na Constituição Federal (arts. 30, incs. I e VIII, e 182), na legislação federal que regula as concessões e contratos administrativos e no art. 2º, incs. III, IX e XI do Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/2001).

Nesse sentido, propõe-se a seguinte definição para o instituto: concessão urbanística é uma espécie de contrato administrativo de concessão por meio da qual o Poder Público municipal delega a empresa ou a consórcios de empresas a execução de obras de reurbanização, por sua conta e risco, em determinada área da cidade, remunerando-se a concessionária mediante a exploração dos imóveis resultantes do empreendimento, com a possibilidade de previsão de outras receitas alternativas.


5. Desapropriação promovida pelo concessionário


A Lei Municipal 14.917/2009 prevê que a Prefeitura Municipal efetuará a declaração de utilidade pública e de interesse social dos imóveis objetos de desapropriação urbanística, para fins de execução do projeto urbanístico específico da concessão urbanística, nos termos do que autorizam os arts. 5º, alínea i, do Decreto-lei 3.365/41 (que dispõe sobre desapropriações por utilidade pública) e 44 da Lei Federal 6.766/79 (norma geral sobre o parcelamento do solo urbano).

O referido art. 5º, “i”, do Decreto-lei expropriatório prescreve como um dos casos de utilidade pública para fins de desapropriação a abertura, conservação e melhoramento de vias ou logradouros públicos; a execução de planos de urbanização; o parcelamento do solo, com ou sem edificação, para sua melhor utilização econômica, higiênica ou estética; a construção ou ampliação de distritos industriais. Ora, a desapropriação realizada para a viabilização do projeto urbanístico a ser implantado por meio da concessão urbanística pode, perfeitamente, ser fundamentada na referida hipótese de desapropriação urbanística citada pela lei de desapropriações. Afinal, trata-se de desapropriação para fins de execução de plano de (re)urbanização.

Já o sobredito art. 44 da Lei 6.766/1979 permite aos Municípios, Estados e Distrito Federal realizar a expropriação de áreas urbanas ou de expansão urbana para reloteamento, demolição, reconstrução e incorporação, ressalvada a preferência dos expropriados para a aquisição de novas unidades. A hipótese também configura caso de desapropriação urbanística, e pode fundamentar a expropriação tendente a viabilizar o projeto implantado pela concessão.


5.1. Controvérsia doutrinária acerca da desapropriação urbanística


Todavia, o dispositivo que suscita maior controvérsia na doutrina é o contido no § 1º do mesmo art. 11. Reza o versículo citado que o concessionário, com fundamento no art. 3º do Decreto-lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, e na declaração a que se refere este artigo, promoverá a desapropriação judicial ou amigável dos imóveis a serem desapropriados, pagando e negociando integralmente a respectiva indenização, bem como assumindo a condição de proprietária dos respectivos imóveis, com poderes para promover as alterações registrárias necessárias para a realização de incorporações imobiliárias e a implementação do projeto urbanístico específico, nos termos do contrato de concessão urbanística.

Kiyoshi Harada critica com veemência o preceito. Afirma que o art. 3º do Decreto-lei 3.365/41 refere-se às desapropriações promovidas por concessionárias de serviços públicos, cujas atividades nada têm a ver com as desenvolvidas na concessão urbanística. Assevera, também, que o sistema jurídico pátrio não admite a figura da concessionária de prestação de serviço público de desapropriação às suas expensas, para execução das obras de reurbanização, e não permite atividade lucrativa mediante revenda de novas unidades resultantes dessas obras. A legislação municipal sobre concessão urbanística está a criar, na verdade, ainda segundo o autor, a figura da concessionária de especulação imobiliária, atividade vedada ao próprio Poder Público.19 

Esses argumentos são refutados por Adilson Abreu Dallari. Ensina o autor que, tradicionalmente, a desapropriação sempre foi entendida como um instrumento por meio do qual a propriedade privada ingressa no patrimônio público para que, depois, receba uma destinação de interesse público ou social. Todavia, para finalidades urbanísticas, nem sempre é necessário que o imóvel passe a integrar o patrimônio público. Isso porque, muitas vezes, basta alterar o seu uso, sem retirá-lo do domínio privado. Nesses casos, o papel do Poder Público resume-se em fazer com que um particular interessado em dar ao imóvel a utilização conveniente para a coletividade possa adquirir a propriedade, tendo como condição dessa aquisição exatamente a específica destinação assinalada pelo Poder Público.20 

O mesmo autor ensina que, nos casos previstos na legislação, é possível ao Poder Público expropriar o bem, arcar com a indenização e, subsequentemente, repassá-lo a outro particular, que lhe dará a destinação que serviu de fundamento para o exercício da competência expropriatória. Seria o caso, por exemplo, de desapropriação para fins de construção de um conjunto habitacional para população de baixa renda. Aceita-se com tranquilidade, outrossim, que um concessionário de serviço público promova a desapropriação de imóveis necessários à plena execução do serviço delegado, desde que autorizado por decreto de utilidade pública expedido pelo Executivo, em face do que prevê o referido art. 3º do Decreto-lei 3.365/41.21 


5.2. Nossa posição sobre a legitimidade da desapropriação pelo concessionário


Defende-se a legitimidade da desapropriação urbanística levada a cabo pelo concessionário.

Ora, o ordenamento jurídico pátrio permite que o particular que exerça função pública por concessão efetive a desapropriação de um bem necessário à execução do mister que lhe foi conferido pela Administração Concedente (Decreto-lei 3.365/1941, art. 3º).

Da mesma forma, a empresa à qual foi outorgada a concessão urbanística – que também exerce função pública objeto de delegação, mais especificamente função urbanística – pode realizar a desapropriação dos imóveis situados na área objeto de concessão, para posterior revenda a outros particulares que dêem a esses bens a destinação de interesse público determinada pelo Poder Público, a fazer com que esses imóveis cumpram sua função social, e a promover o atingimento das funções sociais da cidade.

Com efeito, concluímos no item anterior que a concessão urbanística é uma espécie de contrato de concessão. E, como as empresas concessionárias podem promover desapropriações, desde que autorizadas expressamente por lei ou contrato (nos termos do referido art. 3º do Decreto-lei 3.365/1941), não há impedimento para que essas desapropriações sejam realizadas nos moldes estabelecidos pelo sobredito art. 11 da Lei Municipal 14.917/2009.22 

A declaração de utilidade pública do imóvel para fins de desapropriação é de competência privativa do Chefe do Executivo (Decreto-lei 3.365/1941, art. 6º), mas a fase executiva da desapropriação pode ficar a cargo do concessionário, em vista de autorização legal ou contratual (Decreto-lei 3.365/1941, art. 3º).

Por derradeiro, cabe reiterar que a alegação acerca da falta de previsão específica desse tipo de desapropriação em lei federal, é refutada pela redação do art. 4º, parágrafo único, do Decreto-lei 3.365/1941, acrescentado pela Lei Federal 12.873/2013. 

Reza o dispositivo que quando a desapropriação destinar-se à urbanização ou à reurbanização realizada mediante concessão ou parceria público-privada, o edital de licitação poderá prever que a receita decorrente da revenda ou utilização imobiliária integre projeto associado por conta e risco do concessionário, garantido ao poder concedente no mínimo o ressarcimento dos desembolsos com indenizações, quando estas ficarem sob sua responsabilidade.

O preceito refere-se à possibilidade de desapropriação dos imóveis situados no perímetro de uma concessão urbanística pelo próprio concessionário, nos termos do que prescreve o art. 11 da Lei 14.917/2009 do Município de São Paulo. O mesmo diploma legal permite que os imóveis desapropriados sejam alienados ou locados, a fim de que o concessionário obtenha sua remuneração pela obra urbanística realizada. 

Ainda de acordo com o art. 4º, parágrafo único, do Decreto-lei 3.365/1941, o edital da concessão urbanística pode prever que a alienação ou a locação dos imóveis expropriados constituam receita do concessionário, desde que o poder concedente seja ressarcido das despesas efetuadas com as indenizações devidas em função das desapropriações, caso sejam de sua responsabilidade. A última parte do dispositivo é desnecessária: por óbvio, o concessionário somente será ressarcido das despesas que efetivamente teve com a obra urbanística.


Notas

1 FERNANDEZ, Antonio Carceller. Instituciones de derecho urbanístico, p. 278. 

2 A operação urbana consorciada, por exemplo, é fundamentada em um instituto do direito francês denominado zone d´aménagement concerté (ZAC), que é atualmente regido pelos arts. L 311-1 a L 311-8 (parte legislativa) e R 311-1 a R 311-12 (parte regulamentar) do Código de Urbanismo Francês. As ZAC podem ser compreendidas como as zonas no interior das quais a Administração Pública intervem para realizar, diretamente, ou por via de concessão, a (re)ordenação urbanística e a implantação de equipamentos urbanos. A lei francesa permite, ainda, a alienação dos lotes resultantes da operação urbana, previamente adquiridos pela Administração ou pelo concessionário, a fim de que sejam recuperadas as despesas realizadas com a ação urbanística, em respeito ao princípio da recuperação dos investimentos públicos de que tenha resultado a valorização dos imóveis urbanos. A operação consorciada guarda semelhanças, ainda, com o sistema de cooperación (cooperação), previsto pelo direito espanhol (art. 131 do Texto Refundido da Lei Espanhola de Solo e Ordenação Urbana de 1976). Nesse sistema, os proprietários de imóveis localizados no perímetro da operação aportam os terrenos de cessão obrigatória e arcam com os custos da execução do plano urbanístico. Explica Tomás-Ramón Fernández que o plano é executado pela Administração Pública, que assume a responsabilidade pela execução das obras de urbanização, contratando-as com terceiros ou realizando-as por meio de uma sociedade urbanizadora. É o Poder Público, também, que distribui as cotas de urbanização correspondentes a cada proprietário, podendo exigir antecipadamente os gastos a realizar com toda a operação. (FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. Manual de derecho urbanístico, p. 173, tradução livre). Assim como a operação urbana consorciada, o sistema de cooperación fundamenta-se nos princípios da cooperação entre governo e iniciativa privada no processo de urbanização, da justa distribuição dos benefícios e ônus da atividade urbanística e da recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha resultado a valorização de imóveis urbanos.

3 José Afonso da Silva explica que “as normas urbanísticas municipais são as mais características, porque é nos Municípios que se manifesta a atividade urbanística na sua forma mais concreta e dinâmica. Por isso, as competências da União e do Estado esbarram na competência própria que a Constituição reservou aos Municípios, embora estes tenham, por outro lado, que conformar sua atuação urbanística aos ditames, diretrizes e objetivos gerais do desenvolvimento urbano estabelecidos pela União e às regras genéricas de coordenação expedidas pelo Estado”. (SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro, p. 65).

4 Celso Antônio Bandeira de Mello define concessão de serviço público como o instituto através do qual o Estado atribui o exercício de um serviço público a alguém que aceita prestá-lo em nome próprio, por sua conta e risco, nas condições fixadas e alteráveis unilateralmente pelo Poder Público, mas sob garantia contratual de um equilíbrio econômico-financeiro, remunerando-se ‘pela própria exploração do serviço’, em geral e basicamente mediante tarifas cobradas diretamente dos usuários do serviço. (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, p. 690). Vale ressaltar que, como bem ensina o autor citado, a remuneração é feita ‘em geral’ por tarifas cobradas dos usuários, mas outras formas de remuneração do concessionário são admitidas. Conforme será adiante explicitado, a concessão urbanística não equivale a uma concessão de serviço público, mas os traços gerais pertinentes a todas as espécies de concessão estão presentes.

5 Antônio Carlos Cintra do Amaral explica que há três situações possíveis de concessão: a) concessão de obra pública já existente, como rodovia, ferrovia ou ponte; b) concessão de obra pública a ser construída; e c) concessão de serviço público, como transporte de passageiros ou distribuição de gás canalizado e energia elétrica. (CINTRA DO AMARAL, Antônio Carlos. Concessão de serviço público, p. 39). Maria Sylvia Zanella Di Pietro, ao discorrer sobre o instituto da concessão de obra pública, afirma que não obstante a Lei 8.987/95 referir-se apenas à concessão de serviço público precedida da execução de obra pública (art. 2º, III), e denominação tradicional do instituto da concessão de obra pública é preferível, porque nem sempre existe a prestação de serviço público no contrato de concessão de obra pública. Explica, ainda, a autora que o conceito contido no sobredito art. 2º, III, da Lei 8987/95, embora fale apenas em concessão de serviço público precedida de obra pública, na realidade admite que, após o término da obra, o concessionário apenas explore comercialmente a própria obra, sem prestar necessariamente um serviço público. A corroborar tal assertiva, explica a autora que, na parte final do dispositivo, há referência ao fato de que o investimento da concessionária pode ser ‘remunerado e amortizado mediante a exploração do serviço ou da obra por prazo determinado’. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas, pp. 145-146). Colocamo-nos ao lado da doutrina que admite a existência da concessão de obra pública como espécie autônoma de concessão, prevista nos citados artigos 1º e 2º, inc. III, da Lei 8.987/95.

6 Dispõe sobre desapropriações por utilidade pública.

7 Vale ressaltar que a EMURB foi cindida em duas outras estatais, São Paulo Urbanismo e São Paulo Obras, nos termos da Lei 15.056 de 8 de dezembro de 2009 do Município de São Paulo. E, nos moldes do disposto no § 1º do art. 3º desse diploma legal, as atribuições da EMURB que não forem objeto de transferência por ocasião da aprovação dos respectivos estatutos, permanecerão na empresa SP-Urbanismo.

8 SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro, pp. 327-328. 

9 LOMAR, Paulo José Villela. A concessão urbanística, p. 83.

10 Idem, p. 97.

11 JUSTEN FILHO, Marçal. Concessões urbanísticas e outorgas onerosas. Estudos em homenagem ao Professor Adilson Abreu Dallari, pp. 526-527.

12 DALLARI, Adilson Abreu. Concessões urbanísticas. Temas de direito urbanístico 3, p. 22.

13 NOVIS, Mariana. O regime jurídico da concessão urbanística, p. 146.

14 Nesse diapasão, convém reportarmo-nos à doutrina de Vera Monteiro sobre o instituto da concessão. A autora, após analisar os dispositivos constitucionais e infraconstitucionais sobre a matéria, conclui que não há um projeto constitucional único em relação ao modo como o Estado deve prestar serviços à coletividade ou autorizar o uso de seu patrimônio por particulares. Portanto, os entes federativos possuem ampla liberdade de decisão para elaborar o melhor modelo para cumprir suas obrigações, a começar pela decisão de prestar determinada atividade diretamente ou por meio de terceiros. A Constituição apenas determinou alguns traços do regime jurídico do contrato de concessão e remeteu à lei de cada ente federativo o seu detalhamento, sem vedar a criação de outras espécies concessórias por Estados e Municípios. (MONTEIRO, Vera. Concessão, pp. 196-197).

15 Adota-se, aqui, o conceito de serviço público apresentado por Celso Antônio Bandeira de Mello: serviço público é toda a atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público – portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais - , instituído em favor dos interesses definidos como públicos pelo sistema normativo. (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, p. 659).

16 O art. 4º, § 2º, da Lei 14.917/09 prevê a possibilidade de ser estabelecida no contrato de concessão urbanística a contrapartida do Poder Público Municipal com recursos provenientes de financiamento ou doação oriundos de agência oficial de cooperação técnica ou organismo financeiro multilateral de que o Brasil faça parte. E o art. 17, inc. V, da mesma lei também indica possibilidade de ser fixada contrapartida a ser paga pela Administração Pública, no caso de concessão patrocinada.

17 Tais características são indicadas por Maria Sylvia Zanella Di Pietro (Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas, p. 94.) 

18 Nesse sentido, Marçal Justen Filho nega a existência de um modelo único de concessão no Direito brasileiro (JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria geral das concessões de serviço público, p. 96). Na mesma direção, Vera Monteiro afirma que não há um modelo único de concessão (mesmo à luz da Lei 8.987/95 já não havia uma única configuração da concessão, como já afirmado). Muitos dos elementos que seriam típicos da concessão também estão presentes em outros modelos contratuais, e por isso não são úteis para apartá-la dos demais tipos. (MONTEIRO, Vera. Concessão, p. 152).

19 HARADA, Kiyoshi. Concessão urbanística. Uma grande confusão conceitual. Revista Jus Navigandi. Afirma o autor que nem mesmo a desapropriação por zona para ulterior revenda, tal como prevista no art. 4º do Decreto-lei 3.365/41, pode ser realizada, posto que tornada inconstitucional desde o advento da Constituição Federal de 1946, que outorgou ao Poder Público o poder de instituir a contribuição de melhoria incidente sobre propriedades imobiliárias excessivamente valorizadas diretamente pela execução de melhoramentos públicos. Portanto, se nem a Administração Pública pode realizar essa espécie expropriatória para fins de posterior revenda dos imóveis valorizados, com maior razão tal proibição atingiria o concessionário. A mesma afirmação é feita em HARADA, Kiyoshi. Desapropriação: doutrina e prática, p. 89: a desapropriação por zona, por envolver atividade especulativa do Poder Público, como reconhece a boa doutrina vigorante, não tem enquadramento em quaisquer dos incisos do art. 5º do Decreto-lei nº 3.365/41, que elenca os casos de utilidade pública. Outrossim, ausente o interesse público, que não se confunde com o interesse privado da entidade política (União, Estados e Municípios), falta o fundamento constitucional que permita a excepcional retirada da propriedade privada. 

20 DALLARI, Adilson Abreu. A concessão urbanística no Município de São Paulo. Revista do Advogado, p. 8. Acerca da possibilidade de desapropriação para revenda, o mesmo autor já havia afirmado que diversos casos previstos na lei como autorizativos de desapropriação já pressupõem a utilização do bem desapropriado por terceiros, ‘verbi gratia’ a criação de centros de população, o loteamento de terrenos e os planos de urbanização, entre os quais está a renovação urbana. (DALLARI, Adilson Abreu. Desapropriação para fins urbanísticos, p. 70).

21 DALLARI, Adilson Abreu. Desapropriação para fins urbanísticos, p. 8.

22 O E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 0069502-46.2011.8.26.0000 proposta pelo Sindicato do Comércio Varejista de Material Elétrico e Aparelhos Eletrodomésticos no Estado de São Paulo, relator o Des. Sousa Lima, por meio da qual foi requerida a declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos da Lei Municipal nº 14.917/09 que permitem a efetivação da desapropriação urbanística pela concessionária, manifestou-se nos seguintes termos: Em primeiro lugar, o art. 3º do Decreto-lei nº 3.365/41 admite a desapropriação pelos concessionários de serviços públicos, pelos estabelecimentos de caráter público ou que exerçam funções delegadas de poder público. Assim, a desapropriação pode ser promovida por particular e os diplomas legais atacados encarregaram entidade privada de promover as desapropriações necessárias à implantação de programa de revitalização de uma das mais deterioradas regiões da cidade. É caso, portanto, de desapropriação urbanística, que atende a uma finalidade pública que não se confunde com especulação imobiliária em prejuízo dos associados do autor ou de qualquer outro proprietário de imóvel abrangido pelo programa. Por outro lado, nem mesmo se vislumbra interesse econômico na pretensão do autor, pois a desapropriação se dará depois de frustrada a composição amigável entre o concessionário e o proprietário do imóvel, como dispõe o § 4º do art. 2º da Lei nº 14.918/09. Finalmente, ao contrário do que salientei na decisão concessiva da liminar, foi observado, em tese, o devido processo legal, com a realização de audiências públicas durante a tramitação do projeto, o que assegurou ampla participação popular, conforme documentos ora anexados aos autos. Em face do exposto, revogo a decisão de fls. 137, negando a liminar.

Referências

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Citação

LEVIN, Alexandre. Concessão urbanística . Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Administrativo e Constitucional. Vidal Serrano Nunes Jr., Maurício Zockun, Carolina Zancaner Zockun, André Luiz Freire (coord. de tomo). 2. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2021. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/111/edicao-2/concessao-urbanistica-

Edições

Tomo Direito Administrativo e Constitucional, Edição 1, Abril de 2017

Última publicação, Tomo Direito Administrativo e Constitucional, Edição 2, Abril de 2022

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