• Improbidade administrativa: prazos extintivos

  • José dos Santos Carvalho Filho

  • Última publicação, Tomo Direito Administrativo e Constitucional, Edição 2, Abril de 2022

Como afirmava Clóvis Beviláqua, a influência do tempo sobre os direitos é considerável e variadíssima. E assim é, na verdade. Vários institutos jurídicos submetem-se aos efeitos do tempo, e isso não poderia ser diferente, haja vista que o direito atua sobre relações jurídicas que não são estáticas e, contrariamente, se amoldam ao momento em que vêm a lume.

Nas anotações que se seguem, serão feitos alguns comentários sobre os fenômenos jurídicos que mais se associam ao fator tempo – a prescrição, a decadência e outros do gênero – no que se refere à pretensão condenatória pela prática de atos de improbidade administrativa. Esse, portanto, o foco deste breve ensaio.


1. Fatos extintivos


1.1. Sentido


Os romanos já conheciam a prescrição – praescriptio – e o instituto tinha o sentido de escrever antes. No início, era a fórmula entregue previamente ao juiz designado para decidir um litígio.1 Posteriormente, nas ações temporárias, o pretor recomendava ao juiz a absolvição do réu quando ultrapassado o prazo fixado para a duração da ação. E essa recomendação é que se chamava praescriptio.

Os fatos extintivos de maior repercussão, sem dúvida, são a prescrição e a decadência. Trata-se de fatos jurídicos que acarretam a extinção de pretensões e de direitos, pela inércia do titular, de modo que, por via de consequência, tal extinção acaba por gerar o nascimento de outros direitos. Por isso, a extinção guarda correlação com a criação de direitos e obrigações.


1.2. Fundamentos


Várias foram as teorias que buscaram oferecer os fundamentos dos fatos extintivos. Para uns, seria uma sanção pela negligência do titular do direito; outros julgavam que este havia abandonado o direito; outros, ainda, justificavam os institutos pelo efeito inexorável do tempo.2 

Em tempos modernos, todavia, o grande fundamento consiste na necessidade de estabilização das relações jurídicas, que nada mais é do que um consectário do princípio da segurança jurídica. Com a aplicação dos fatos extintivos, afasta-se a perenidade das situações de pendência e a instabilidade de situações já consumadas. A segurança jurídica impõe que os indivíduos acreditem que a permanência dos direitos e obrigações dependa de seu interesse, e que o descaso pode levar à perda do direito.

Essa a noção básica da prescrição e da decadência como fatos jurídicos extintivos de direitos e obrigações.


1.3. Espécies


Os fatos extintivos de direitos e obrigações têm fisionomias diversas, conforme as situações sobre as quais venham a recair. Por essa razão, podemos distinguir categorias diferenciadas, que correspondem às espécies desse tipo de fatos.

Vejamos, em síntese, essas espécies.


1.3.1. Prescrição


A prescrição, como regra geral, está prevista no art. 189 do Código Civil, que estabelece o seguinte: “Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206”.

Como se observa nos termos do dispositivo, a prescrição não é associada ao direito, ao menos de forma direta, mas sim à pretensão. Ou seja, nasce o direito e presume-se que seja respeitado. Mas, se for vulnerado, esse fato dá origem à pretensão, e é esta que se extingue pela prescrição. O direito, portanto, não se confunde com a pretensão.

O direito subjetivo constitui o poder jurídico de que é titular o indivíduo em razão da incidência da norma sobre determinado fato. Representa, na verdade, uma faculdade de agir (facultas agendi). Bem anota Caio Mário da Silva Pereira que o direito subjetivo traduz um poder para o seu titular e “sugere de pronto a ideia de um dever a ser prestado por outra pessoa”. Conclui que quem tem um poder de ação oponível a terceiros participa necessariamente de uma relação jurídica, construída em forma de bilateralidade – um poder-dever, em que o titular tem o direito de exigir algo de outrem, ao passo que este tem um dever para com o titular do direito.3

Já a teoria da pretensão comporta outra ideia. Pretensão é o poder de exigir uma prestação ou um comportamento de outrem. Trata-se, pois, da decomposição entre as noções de direito e pretensão.4 Segundo os termos do  art. 189 do Código Civil, o direito preexiste à pretensão, de modo que o nascimento desta pressupõe que o direito tenha sofrido violação.

E é exatamente essa pretensão – que impõe ao titular do direito uma providência reparadora – que é passível de gerar a prescrição, desde que presentes os elementos de prazo e desinteresse do titular.


1.3.2. Decadência


O Código Civil também se refere à decadência entre os arts. 207 e 211, mas, diferentemente do que ocorre com a prescrição, o legislador não ofereceu o contorno do instituto. O sentido, porém, não sofreu qualquer modificação em relação àquele já adotado pela doutrina e pelos tribunais.

Decadência é o fato jurídico que provoca diretamente a extinção do direito potestativo e, portanto, não tem relação mais estreita com a pretensão.É clássica a definição de Câmara Leal: “Decadência é a extinção do direito pela inércia de seu titular, quando sua eficácia foi, de origem, subordinada à condição de seu exercício dentro de um prazo prefixado, e este se esgotou sem que esse exercício se tivesse verificado”.6 

Conforme ensina a doutrina clássica, podem identificar-se algumas diferenças entre a prescrição e a decadência. Uma delas consiste em que a prescrição acarreta a perda da pretensão e, por via de consequência, da ação, ao passo que a decadência agride diretamente o direito. Outra diferença está em que a decadência não se suspende nem se interrompe, o que não acontece com a prescrição. Ainda: a prescrição pode ser objeto de renúncia, mas esta é inviável no caso da decadência.7 


1.3.3. Preclusão


A preclusão também espelha um fato extintivo, mas representa o impedimento para ser praticado um ato processual como consequência de um um fato superveniente à instauração do processo.8 Essa é a conceituação clássica, que, na verdade, não sofreu nenhuma alteração de monta.

O fato superveniente impeditivo pode ter linhas diferenciadas. Desse modo, é possível distinguir três tipos de preclusão: 1ª) preclusão temporal, quando o fato consiste no próprio decurso do tempo; 2ª) preclusão lógica, quando ato anterior se revela incompatível com o novo ato; 3ª) preclusão consumativa, no caso de haver decisão irrevogável anterior.

Como se pode observar, a preclusão não tem qualquer relação direta com a prescrição e com a decadência. Estas atingem o direito e a pretensão, antes do processo, ao passo que a preclusão incide sobre situações ocorrentes em processo já instaurado.


1.3.4. Perempção


Outro fato extintivo é a perempção. Pode-se definir perempção como a perda do direito de ação pelo fato de o processo ter sido extinto por três vezes, como decorrência do abandono da causa pelo autor, agindo este com descaso ao deixar de promover os atos e diligências processuais a seu cargo.9 

O vigente Código de Processo Civil prevê a figura da perempção no art. 486, § 3º, segundo o qual se proíbe ao autor intentar nova ação com o mesmo objeto no caso de dar causa, por três vezes, à extinção do processo. Ocorre no caso a perempção. Como o dispositivo faz alusão ao art. 485, III, do mesmo diploma, conclui-se que o fato enseja a extinção do processo sem julgamento de mérito.

Se o autor se submeter à perempção, somente poderá alegar seu direito como matéria de defesa, nos termos do art. 486, § 3º, do CPC. Em suma, ficará despido do direito de exercer sua pretensão pela instauração do processo, já que a pretensão afasta a eficácia do direito subjetivo, além da exigibilidade e acionabilidade.10 

Por conseguinte, cuida-se de outra ferramenta extintiva dotada de perfil próprio, inconfundível com as formas já vistas – a prescrição, a decadência e a preclusão.


1.3.5. Caducidade


O termo caducidade é plurissignificativo, admitindo várias interpretações conforme a hipótese em que é empregado. Mas sempre indica alguma coisa ligada à extinção; por isso, caracteriza-se também como fato extintivo.

Não obstante, para nosso estudo, vale o conceito de que a caducidade  “é o fato jurídico superveniente que provoca a extinção da eficácia do ato ou do contrato”, como já assinalamos em outra oportunidade.11 O caráter de superveniência decorre da circunstância de que o ato ou contrato vem surtindo seus efeitos regulares, quando, no curso deles, sobrevém um fato novo que rende ensejo à extinção dos efeitos.

A doutrina costuma apontar várias espécies de caducidade. Mas são exemplos mais comuns a caducidade em virtude de morte do beneficiário, como ocorre, por exemplo, em atos de autorização emanados do  Poder Público, que têm cunho personalíssimo. Serve de exemplo também a caducidade do ato de interdição, quando o imóvel interditado vem a ser objeto de desapropriação.

Trata-se de figura com fisionomia jurídica própria, que, da mesma forma, a torna diferente dos fatos extintivos anteriores.


2. Improbidade administrativa


2.1. Sentido


A fonte básica da improbidade administrativa está inscrita no art. 37, § 4º, da Constituição, que estabelece: “Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.

A redação do texto constitucional sublinha a existência de atos de improbidade administrativa e relaciona as sanções e providências a serem adotadas no caso de sua prática, fazendo remissão à lei regulamentadora. Além disso, reafirma a instauração, se for o caso, da ação penal cabível. Infere-se daí que podem tramitar paralelamente a ação de improbidade administrativa e a ação penal.

Para regulamentar o dispositivo constitucional, foi editada a Lei 8.429/1992, que disciplina as condutas qualificadas como improbidade administrativa e respectivas sanções, indica os sujeitos ativo e passivo de tais condutas e oferece os passos principais dos processos administrativo e judicial. A lei caracteriza-se pelo hibridismo normativo, visto que contempla normas de direito material e de direito processual.

Improbidade administrativa é o fato jurídico segundo o qual o agente pratica atos que ofendem os preceitos éticos a que deve submeter-se, em detrimento da Administração Pública ou de entidades a ela vinculadas. O caso não é de mera ilegalidade, mas, isto sim, de ilegalidade qualificada  pela imoralidade, má-fé e, enfim, pela falta de probidade por parte do agente.12 


2.2. Componentes da lei de improbidade


A Lei 8.429/1992 – a Lei de Improbidade (LIA) – comporta, como já antecipamos, cinco aspectos fundamentais: o sujeito passivo, o sujeito ativo, os atos de improbidade, as sanções e os processos apuratórios.

O sujeito passivo da improbidade é o Poder Público, representado por todas as pessoas da federação – União, Estados, Distrito Federal e Municípios – e por todos os Poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário, incluindo-se, ainda, o Ministério Público e os Tribunais de Contas. Mas o art. 1º da LIA insere também entidades que foram criadas ou se mantêm com suporte financeiro do Poder Público, de maior ou de menor porte. Ou seja, em que pese a expressão “improbidade administrativa”, o sujeito passivo ultrapassa as raias da Administração, alcançando entidades que não se situam em seu âmbito.

O sujeito ativo é representado pelo autor do ato de improbidade. Basicamente é o agente público, considerado em seu sentido mais amplo, podendo ser de qualquer regime jurídico, qualquer tipo de investidura e receber remuneração de qualquer natureza. Basta apenas que tenha vínculo jurídico formal com o Estado (art. 2º, LIA). Ainda aqui, no entanto, a lei se alça a voo mais alto, estendendo seus efeitos a terceiros, não classificados como agentes públicos, que tenham participado do ato de improbidade, ou contribuído para sua prática ou dele se tenham beneficiado.

A LIA classificou os atos de improbidade em três categorias: 1ª) os que ensejam enriquecimento ilícito do autor; 2ª) os que provocam lesão ao erário; e 3ª) os que ofendem princípios administrativos (arts. 9º a 11). As condutas enumeradas nos incisos desses dispositivos retratam relação meramente exemplificativa, sendo que no caput o legislador estabeleceu o núcleo da conduta-base em cada um dos casos.13  

As sanções estão relacionadas no art. 12, incisos I a III, sendo as seguintes: a) perda da função pública; b) suspensão de direitos políticos; c) ressarcimento integral do dano; d) perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio; e) pagamento de multa civil; f) proibição de contratar com o Poder Público; g) proibição de receber, direta ou indiretamente, benefícios, incentivos fiscais ou creditícios. A aplicação das punições deve obedecer ao princípio da proporcionalidade e adequação. Além disso, não precisam ser aplicadas sempre cumulativamente, razão por que ao julgador cabe adequá-las à conduta de improbidade. 

Por fim, o legislador previu um processo administrativo de apuração da improbidade (arts. 14 a 16) e o processo judicial, no qual são apontadas as singularidades do procedimento, das decisões e dos recursos (arts. 17 e 18). Não custa destacar que o procedimento se caracteriza como especial; a ele se aplicam as normas da LIA e subsidiariamente as do Código de Processo Civil. É no processo judicial que se materializa a ação de improbidade administrativa


3. Prescrição na improbidade


3.1. A prescritibilidade da pretensão


Já tivemos a oportunidade de advertir que a improbidade administrativa, como um dos maiores males que agridem o Estado Democrático de Direito e que, em última análise, mutila a própria cidadania, constitui objeto de enorme desafio para toda a sociedade, sendo, pois, imprescindível um rigoroso combate e um sistema severo de punibilidade.14 

Entretanto, por maior que seja a gravidade das condutas, há de prevalecer o princípio da estabilidade das relações jurídicas, que tem intrínseca relação com o princípio da segurança jurídica. Não se pode aceitar que, diante dos atos de improbidade, o Estado permaneça inerte indefinidamente para promover a ação condenatória e aplicar a devida punição.

Por tal motivo, a LIA considerou a ocorrência da prescrição quando o Estado se mostrar desinteressado em adotar as medidas necessárias de combate à improbidade. Ou seja, a pretensão das pessoas legitimadas para a ação de improbidade pode sofrer os efeitos da prescrição em determinados prazos e sob condições específicas.

É bem verdade que o art. 37, § 5º, da CF, criou caso particular de imprescritibilidade, ao consignar num preceito de todo duvidoso:  “A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”. Muita controvérsia tem surgido quanto à extensão da imprescritibilidade, mas a jurisprudência se consolida no sentido de restringi-la, limitando-a apenas aos atos ilícitos de improbidade que causem prejuízo ao erário.  Vale dizer, atos cíveis de outra natureza são prescritíveis e não permitem a inércia da Administração se esta pretende a reparação dos prejuízos.15 


3.2. Disciplina da prescrição


A LIA destinou um capítulo – o Capítulo VII – à prescrição. Todavia, o capítulo só contém um artigo, o art. 23, subdividido em três incisos. Vejamos os termos desse dispositivo:

“Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas:

I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança;

II - dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego.

III - até cinco anos da data da apresentação à administração pública da prestação de contas final pelas entidades referidas no parágrafo único do art. 1º desta Lei”.

A lei mencionou três situações distintas e utilizou critérios varáveis quanto ao prazo fixado para a prescrição. No inciso I, tratou de funções que, por sua natureza, são transitórias. No inciso II, ao referir-se a cargo efetivo, vislumbrou situação em que o agente ocupa posição dotada de certa permanência no serviço público. 

O inciso III não constava primitivamente na lei, sendo incluído pela Lei 13.204/2015, e de seus termos se pode deduzir que o legislador pretendeu fazer expressa referência à prescrição nos casos de atos praticados por empregados das entidades contempladas no art. 1º, parágrafo único, da LIA – as quais, como se verá adiante, são aquelas que, embora apoiadas pela Administração, são destinatárias de suporte financeiro e patrimonial de menor vulto.

Tendo em vista o método empregado pelo legislador, faremos as anotações seguintes para cada uma das situações previstas no art. 23.


4. Situações funcionais transitórias


4.1. Conteúdo normativo


Nos termos do art. 23, inc. I, da LIA, a ação de improbidade pode ser proposta “até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança”. 

De plano, convém observar que todas as situações mencionadas no dispositivo traduzem provisoriedade. Os agentes públicos que desempenham tais funções têm ciência de que, em princípio, não se estabilizam nelas, e o fazem justamente em virtude da transitoriedade que as caracteriza.

Nesse aspecto, não tem maior relevância o regime jurídico a que se sujeitam os titulares desses cargos e funções. O regime jurídico é realmente diverso para as situações referidas. O ponto de relevância situa-se no caráter provisório da investidura ou do exercício; esse foi o aspecto que conduziu o legislador a destinar um inciso especificamente para tais situações.


4.2. Prazo e termo inicial


No que concerne ao prazo, a LIA adotou o critério de prazo determinado para a prescrição, fixando-o em cinco anos. Trata-se, pois, de prazo quinquenal e, após seu transcurso sem a propositura da ação, a pretensão de improbidade sobre os efeitos da prescrição.

O termo a quo da contagem do prazo recai sobre fato objetivo: o término do exercício  do mandato, cargo em comissão ou função de confiança. Esse fato extintivo não se confunde com o ato administrativo que indique o término do exercício. O ato pode ser produzido em momento bem anterior ao efetivo término do exercício da função. Assim, o início da contagem não considera o momento do ato, mas sim o fato em si que traduz a finalização do exercício da função. 

Na contagem incide o art. 132 do Código Civil, segundo o qual, salvo disposição legal, se computam os prazos com a exclusão do dia do começo e a inclusão do dia do vencimento. O art. 224 do CPC utiliza o mesmo critério. Se o vencimento cair em feriado, haverá prorrogação para o primeiro dia útil. O termo “feriado” deve ser interpretado ampliativamente para alcançar também os dias não úteis, como sábados e domingos.


4.3. Mandato


4.3.1. Sentido


O termo “mandato” admite vários sentidos. No caso do art. 23, I, cuida-se do mandato político, assim entendido como “a delegação política conferida às pessoas, para que representem o povo nas instituições, que se constituem pelos seus representantes”.17 Os agentes públicos, então, qualificam-se como mandatários populares, tendo aptidão para representar aqueles que outorgaram o mandato.

Conforme já assinalamos, há uma outra figura que guarda similitude com o mandato político e frequentemente é denominada de “mandato”, embora com este não se confunda: a investidura a termo. Dissemos que “o mandato tem caráter político e resulta de processo eletivo, como é o caso do mandato dos parlamentares e de Chefes do Executivo”, enquanto a investidura a termo estampa “instituto que, embora tenha em comum o prazo determinado para o exercício das funções, tem caráter nitidamente administrativo”.18 É o caso de dirigentes de agências reguladoras e dos procuradores-gerais do Ministério Público.

O prazo da prescrição da pretensão de improbidade é de cinco anos e sua contagem, como visto, se inicia com o término do mandato ou, se for o caso, da investidura a termo.


4.3.2. Mandatos sucessivos


Não raras vezes o mandatário político, ou até mesmo o titular da investidura a termo, faz jus a novo mandato ou nova investidura. Quando o ato de improbidade é praticado no curso do segundo mandato, e não há outro mandato subsequente, a questão do início da contagem não traz qualquer problema: o prazo tem início a partir do término desse segundo mandato.

A questão que suscita controvérsia, porém, é aquela em que o ato é praticado no curso do primeiro mandato, ou do mandato anterior. Como exemplo, cite-se a hipótese de um vereador que, após seu mandato, é reeleito para um segundo mandato sem solução de continuidade.

Alguns estudiosos advogam que, nesse caso, a contagem do prazo se inicia após o término do respectivo mandato, ou seja, daquele em cujo curso foi praticado o ato.19 Pensamos, todavia, de modo diferente, como o fazem, aliás, outros estudiosos. A contagem do prazo prescricional deve iniciar-se a partir do término do segundo mandato, ou do último, se for o caso. Como exemplo, se o citado vereador comete ato de improbidade no terceiro ano de seu primeiro mandato, e é reeleito para um segundo, de quatro anos, o prazo se iniciará a partir do término desse segundo mandato, ou seja, cinco anos após a prática do ato de improbidade.

Há dois fundamentos consistentes para tal inferência. Primeiramente, é de se considerar a provável influência do mandatário para obstar a propositura da ação e, por conseguinte, provocar a ocorrência da prescrição, ficando imune à apuração e à punição. Depois, a lei mencionou o “exercício do mandato”, e não o mandato em si; sendo assim, ao ser reeleito,  titular continua no exercício do mandato, de modo que somente após o término desse último mandato é que deve iniciar-se a contagem do prazo prescricional.20 Nesse sentido também se tem consolidado a jurisprudência.21 

Essa interpretação tem como pressuposto a continuidade dos mandatos ou investiduras. Significa que estes devem ser sucessivos e contínuos, sendo inviável se houver solução de continuidade. Se um vereador, por exemplo, cumpre seu mandato e nele pratica ato de improbidade, e, após terminá-lo, não é reeleito e só vem a sê-lo duas legislaturas depois, o prazo começa a ser contado com o término do primeiro mandato, isto é, daquele no qual se conduziu com improbidade.

Outro aspecto a considerar é aquele em que o mandatário político vem a ser eleito para outro mandato que não tenha qualquer relação com o primeiro. Falta, no caso, pertinência funcional, impedindo qualquer tipo de influência. É a hipótese em que o vereador é eleito governador do Estado. Mesmo sendo contínuos, os mandatos não se relacionam diretamente, cada um, inclusive, pertencente a um Poder. Nesse caso, conta-se a prescrição a partir do término do respectivo mandato – que é aquele em cujo período foi praticado o ato de improbidade.


4.3.3. Mandato, cargos e empregos públicos 


A questão aqui consiste em saber como se fará a contagem do prazo prescricional no caso em que o titular do mandato vem a ocupar, de imediato, cargo público, seja efetivo ou em comissão. Para exemplificar, o deputado, após o fim de seu mandato, é nomeado para cargo em comissão ou cargo efetivo.

Embora se trate de funções transitórias, o certo é que inexiste pertinência funcional entre as duas situações, e, se não há, afastado está o risco de eventual influência, relativamente à apuração do ato de improbidade praticado durante o mandato. Se tal ocorrer, por conseguinte, o prazo será contado após o término do mandato, sem considerar a investidura posterior.

O mesmo ocorrerá se o titular do mandato for contratado pelo Estado sob o regime de emprego público ou pelo regime especial (servidores temporários), Em ambas as hipóteses, por ausência de relação de pertinência entre as funções, o início do prazo será contado a partir do final do exercício do mandato.


4.3.4. Perda e renúncia do mandato


A perda do mandato admite duas modalidades. A primeira é a cassação, calcada em infração funcional (art. 55, I, II e VI, CF); a segunda é a extinção, oriunda de fato que torna inexistente ou inviável o exercício do mandato (art. 55, III, IV e V, CF). Seja qual for a modalidade de perda, sempre será assegurado o contraditório e a ampla defesa ao mandatário.22 

No caso da cassação, o órgão decisório é a Casa Legislativa a que pertence o mandatário. Após apreciação da comissão legislativa competente para a investigação do caso, elabora-se parecer com projeto de resolução para a perda do mandato, sendo julgado pelo plenário da Casa. Se houver condenação, a decisão é publicada no órgão oficial de imprensa. A contagem do prazo se inicia ao fim do exercício jurídico, que corresponde à data da publicação do ato condenatório, mesmo que o titular já se tenha afastado de fato em momento pretérito.

Se houver a extinção do mandato, o fato dispensa procedimento acusatório. Na verdade, a Casa declara a extinção, razão por que a decisão, contrariamente ao que ocorre com a cassação, tem caráter declaratório.23 Diante desses elementos, a contagem do prazo prescricional tem seu início a partir da publicação do ato declaratório de extinção do mandato, aplicando-se aqui, como antes, o término do exercício jurídico do mandato.

A renúncia ao mandato é prevista no art. 55, § 4º, da CF, e retrata a manifestação do titular no sentido de afastar-se do mandato e excluir a delegação que nele se consubstancia. O ato de renúncia, porém, fica suspenso e não produz efeitos de imediato, se houver sido instaurado processo com o objetivo de decretar ou declarar a perda do mandato. Desse modo, a manifestação não gera desde logo o término do mandato. Sendo decidida a perda do mandato, incide o que dissemos acima sobre a contagem do prazo. Se houver absolvição, a renúncia se torna eficaz, possibilitando a prática do ato de seu reconhecimento. A contagem do prazo se inicia com a publicação desse ato – outra hipótese, como se vê, de término do exercício jurídico.


4.4. Cargo em comissão e função de confiança


4.4.1. Sentido


Cargo em comissão é aquele cuja investidura pressupõe relação de confiança entre a autoridade nomeante e o titular do cargo. Tal relação intuitu personae é essencial a esse vínculo e a provisoriedade é a marca desse tipo de investidura.24 Além disso, a nomeação para cargos em comissão dispensam o regime de aprovação em concurso público, como exigido para os cargos efetivos.25 

Por outro lado, a função de confiança representa exatamente o que traduz a expressão: cuida-se de atividades que também são desempenhadas por servidores que gozem da confiança de seus superiores. A expressão é, de certo modo, vaga e imprecisa, até porque os próprios cargos em comissão espelham o exercício de funções de confiança. Mas o legislador pretendeu aludir àquelas funções, normalmente denominadas de funções gratificadas, que, por serem específicas, rendem ensejo ao pagamento de uma gratificação, que vem somada ao vencimento. Mas, tanto quanto os cargos em comissão, são atividades marcadas pela transitoriedade.


4.4.2. Prazo e contagem da prescrição


De acordo com o art. 23, I, da LIA, é de cinco anos, tanto quanto no caso de mandato, o prazo prescricional relativamente aos atos de improbidade praticados pelo titular de cargo em comissão ou função de confiança.

O termo a quo da contagem do prazo é o término do exercício no cargo em comissão ou na função de confiança. O que vale para a contagem é o fim do exercício jurídico, ou seja, aquele que decorre do ato de exoneração do servidor. Nem sempre coincide com o fim do exercício fático, porque pode o servidor afastar-se, de fato, bem antes do ato de exoneração. Mas a prescrição deve contar-se a partir deste, sendo irrelevante o que a situação de fato tiver demonstrado.


4.4.3. Sucessão de cargos e funções


Há mais de uma hipótese de sucessão de cargos e funções. A primeira delas consiste na investidura sucessiva do agente em outro cargo em comissão. A questão é: se o ato de improbidade for praticado durante o curso do primeiro cargo em comissão, a partir de quando será contado o prazo de prescrição? Há entendimento de que a contagem se dá após o término do primeiro cargo em comissão.26 O STJ, contudo, adotou entendimento diverso, contando-se o prazo após o término do último cargo em comissão sucessivo.27 

Em nosso entender, a hipótese comporta distinção. Em cada caso é imperioso observar a questão da pertinência funcional entre os cargos. Se estiver presente tal circunstância, deve interpretar-se a hipótese à semelhança do que ocorre com os mandatos sucessivos: o prazo é contado após o término da investidura do último cargo. Mas, estando ausente semelhante fator, desaparece o risco da zona de influência, de modo que a contagem considerará o término do cargo em cujo período o agente tiver praticado o ato de improbidade.28 

Outra hipótese é aquela em que o agente se exonera do cargo em comissão e é investido em cargo efetivo. Caso o ato de improbidade tenha sido produzido durante o período do cargo em comissão, é ao término do exercício neste que se iniciará o prazo da prescrição quinquenal.  Idêntica solução se aplica nos casos em que ao cargo em comissão se sucede um emprego público, regido pelo regime trabalhista, ou um emprego temporário, sob a égide do regime especial.

É possível que o titular de cargo em comissão peça exoneração para ser investido em mandato eletivo. Embora as duas funções tenham a marca da provisoriedade, inexiste relação de pertinência funcional entre elas, ficando afastada eventual zona de influência. Desse modo, incide a regra geral: o prazo começa a ser contado ao fim da investidura no cargo em comissão, se a improbidade for cometida enquanto o agente era titular desse cargo.

Os parâmetros acima podem aplicar-se à hipótese da função de confiança, considerando-se que entre esta e o cargo em comissão são tênues as linhas diferenciais, somando-se o fato da similitude de sua fisionomia jurídica.


5. Situações funcionais permanentes


5.1. Cargo efetivo


5.1.1. Sentido


Cargo efetivo é aquele que rende ensejo à permanência do titular dentro do quadro funcional. Tem como pressupostos a continuidade e permanência de seu ocupante.29 Esse tipo de cargo corresponde à regra geral nos quadros de servidores. Sua grande vantagem é a possibilidade de o titular adquirir a estabilidade no serviço público após três anos de efetivo exercício (art. 41, caput, CF).

Como se pode observar, o núcleo distintivo entre os cargos em comissão e os cargos efetivos é evidente, já que naqueles os servidores não se estabilizam, contrariamente ao que ocorre com os titulares destes últimos.


5.1.2. Prescrição


A  LIA destinou um preceito específico relativo à prescrição – o art. 23, II, que tem os seguintes dizeres: 

“Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas:

II - dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego”.

Comparando-se os incisos I e II do art. 23, infere-se facilmente que o legislador adotou critério diametralmente diverso para fixar o prazo de prescrição. Para situações funcionais transitórias, optou por prazo determinado, de cinco anos. Para as situações permanentes, a lei não fixou prazo certo uniforme. Além disso, a norma tem caráter heterônomo, pois que remete a normas de diplomas diversos, chamadas de “lei específica”. Por fim, não indicou o termo inicial da contagem do prazo.

Semelhantes circnstâncias aconselham algumas observações sobre o tema, quando se tratar de situações funcionais permanentes.


5.1.3. Faltas disciplinares e demissão a bem do serviço público


Faltas disciplinares são as infrações funcionais cometidas por servidores públicos e que provocam sua responsabilização na esfera administrativa, sem prejuízo de irradiar-se para outras esferas, conforme a natureza da transgressão. Os estatutos funcionais, como regra, enumeram os deveres e proibições dos servidores e as sanções aplicáveis pela prática das infrações. Quanto mais grave for a infração, mais severa será a punição do autor.

Entre as sanções mais graves, está a de demissão, que traduz o ato administrativo constitutivo que tem o escopo de desligar o servidor público de seu quadro, após regular processo administrativo ou judicial.30 A demissão encerra o desfazimento do vínculo funcional, excluindo o servidor do serviço público. Cuida-se, pois, de uma punição grave cujo efeito é o afastamento do servidor público pelo cometimento de falta disciplinar gravíssima. A demissão atinge até o servidor estável. De acordo com o art. 41, § 1º, da CF, que alude à “perda do cargo” – expressão que retrata o efeito do ato de demissão -, os motivos do ato demissório são os que constam nos incisos I a III do dispositivo; ocorrendo um desses fatos geradores, a Administração pode demitir o servidor.

O problema do art. 23, II, da LIA, é que o legislador fez referência à demissão “a bem do serviço público”, o que causa algumas dificuldades de interpretação. A expressão “a bem do serviço público” corresponde, em linha de princípio, a uma qualificadora agravante da sanção de demissão.31 Mas a demissão a bem do serviço público pode espelhar também uma pena autônoma. Esse aspecto desafia a busca da melhor interpretação para o dispositivo.

De plano, convém afastar a interpretação gramatical, pela qual seria considerada apenas a pena de demissão quando houvesse a referência “a bem do serviço público”. Devemos socorrer-nos da interpretação lógica, com base em que “cada preceito, portanto, é membro de um grande todo”, como ensinava Carlos Maximiliano.32  Assim, o legislador, no caso, disse menos do que queria. O que pretendeu, em nosso entender, foi aludir à pena de demissão, seja ela simples, seja ela qualificada ou nominada de demissão a bem do serviço público.33 

Em tal cenário, cabe ao intérprete procurar o prazo prescricional previsto na lei específica para a sanção de demissão – esse o melhor entendimento, a nosso ver, do art. 23, II, da Lei de Improbidade.


5.1.4. Lei específica


No art. 23, II, o legislador referiu-se ao prazo de prescrição previsto em “lei específica”. A expressão aparece em alguns dispositivos legais, e até constitucionais e significa normalmente uma lei que regula determinada matéria com especificidade. Ou seja, não seria uma lei geral, mas específica em virtude de seu contexto normativo.

Não obstante, pode interpretar-se lei específica, para os efeitos do dispositivo em pauta, como sendo “aquela que regula especificamente a relação jurídica estatutária, vale dizer, aquela  em que estão alinhados direitos e deveres das partes dessa relação: o Estado e seus servidores”.34 Sem considerar eventuais distorções, não raras vezes presentes na matéria, as leis específicas são os estatutos funcionais, que se configuram como leis ordinárias que regulam direitos e deveres dos servidores da respectiva entidade federativa. 

Nesse ponto, não é demais relembrar que os estatutos sujeitam-se ao regime da pluralidade normativa, de modo que cada pessoa política da federação tem competência para editar a lei que regule a relação jurídica estatutária com seus servidores. Tal competência resulta da autonomia conferida pela Constituição a fim  de que cada ente federativo tenha competência para organizar seus serviços e servidores.


5.1.5. Prazos prescricionais


Por serem autônomos, os entes federativos podem estabelecer, em seus estatutos funcionais, prazos diferenciados para a prescrição da pena de demissão. Como a LIA fez remissão a leis específicas, por certo será possível que haja prazos prescricionais diferenciados.

No estatuto federal - a Lei 8.112/1990 - existem duas regras para a prescrição da pretensão à aplicação da pena de demissão. Uma delas fixa o prazo de cinco anos para a prescrição (art. 142, I), ao passo que a outra estabelece que o prazo será o da lei penal, quando a infração administrativa também tipificar um crime (art. 142, § 2º).

Por conseguinte, haverá algumas dificuldades na aplicação do regime prescricional quando se tratar de improbidade cometida por servidor estatutário.


5.1.6. Contagem do prazo


Diferentemente do que fez no art. 23, I, da LIA, o legislador não definiu o marco inicial da contagem do prazo prescricional. No estatuto federal, o prazo começa a correr “da data em que o fato se tornou conhecido”.35 Tal momento – é fácil constatar – nem sempre será identificado com tranquilidade e precisão, podendo ocorrer até que a Administração afirme ter conhecido o fato em data posterior para postergar o prazo da prescrição.

A despeito disso, alguns estudiosos sustentam que o prazo da prescrição deve ser contado a partir da data da infração.36 Com a devida vênia, não parece ser essa a melhor interpretação. Primeiro, porque a lei adotou critério diverso e, segundo, porque o próprio infrator pode manejar a ocultação do fato para beneficiar-se da prescrição, sem que ao menos a Administração tenha tido ciência da infração. O que é importante é que se reúnam  todos os elementos e provas que levem à certeza do momento em que o fato se tornou conhecido da Administração. É desse momento que se contará o prazo no estatuto federal.

Existem estatutos, porém, que adotam outro critério para a contagem, indicando, como termo inicial, a data do ilícito.37 Nessa hipótese, não haverá alternativa. Se o legislador optou por esse marco inicial, o administrador estará vinculado à opção processada.


5.2. Emprego


5.2.1. Sentido


O emprego, ou emprego público, como preferem alguns, é o que resulta da contratação do servidor pelo Estado sob a regência da lei trabalhista, no caso a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT. A ideia que inspira esse tipo de contratação também é a de permanência no quadro funcional, ainda que fatos supervenientes possam provocar a rescisão contratual.

Aqui o servidor – denominado servidor trabalhista – não ocupa cargo público, mas desempenha função pública decorrente das competências funcionais que lhe foram atribuídas. A despeito do regime trabalhista, também se submetem aos deveres e responsabilidades funcionais e, quando for o caso, à aplicação de sanções. Na verdade, nenhum servidor está isento de punibilidade no caso de transgressão das normas disciplinares.


5.2.2. Espécies de emprego


O emprego comporta a existência de contrato de trabalho, seja qual for a modalidade de que se revestir. Quando nos referimos às espécies de emprego, queremos indicar a natureza das pessoas contratantes e do regime jurídico que as vincula aos servidores ou empregados.

Desse modo, o emprego pode integrar o sistema das pessoas políticas da federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) e das pessoas administrativas dotadas de personalidade jurídica de direito público (autarquias e fundações de direito público).  Pode, ainda, resultar de contratação efetuada pelas pessoas administrativas de direito privado (empresas públicas e sociedades de economia mista). Por fim, o emprego, para os fins da lei, alcança também as entidades não administrativas incluídas no art. 1º e parágrafo único, da LIA, e isso porque estão vinculadas à Administração pelo apoio que dela recebem.


5.2.3. Prazo da prescrição


Da forma como o legislador tratou do tema, foram criadas várias interpretações sobre o prazo de prescrição no caso de o ato de improbidade ter sido praticado por servidor trabalhista, contratado para exercer emprego. O motivo consiste no fato de que não existe lei específica que preveja a demissão a bem do serviço público.

Ofereceram-se vários caminhos para a interpretação da norma. Um deles seria a aplicação do art. 205 do Código Civil, que fixa o prazo prescricional em dez anos, quando outra lei não tiver sido estabelecido prazo menor. Para outros, a prescrição se consumaria em cinco anos, sendo aplicável aqui o Decreto 20.910/1932, que regula a prescrição quinquenal contra a Fazenda. Há também quem sustente que se deva aplicar o art. 23, I, da LIA, pelo fato de que empregos seriam tão transitórios como os mandatos e cargos em comissão.

Em nosso entender, contudo, a melhor interpretação é no sentido de que se deve aplicar o prazo prescricional estabelecido para os titulares de cargos efetivos nos respectivos estatutos. Aqui, o intérprete se socorreria do método analógico, permeando-se a lacuna com a norma adotada para situação similar.38   Alguns doutrinadores têm endossado essa interpretação.39 Como exemplo, se um servidor trabalhista de um Município pratica ato de improbidade, a prescrição ocorrerá no mesmo período adotado, no respectivo estatuto, para o servidor estatutário do referido ente municipal.


5.2.4. Contagem do prazo


Como já se antecipou, o art. 23, II, da LIA, fez remissão à lei específica, que trata da demissão do servidor.  Ocorre que a lei específica corresponde ao estatuto funcional da pessoa federativa, e vários podem ser os critérios para a contagem do prazo.

Por questão de coerência, deve empregar-se, para os servidores trabalhistas, o mesmo critério adotado para os estatutários. Ou seja, cumpre analisar cada estatuto e verificar qual o fato jurídico apontado como termo inicial da contagem do prazo prescricional.


5.3. Servidores temporários


5.3.1. Sentido


Os servidores temporários compõem uma parcela de agentes que se configura como exceção ao regime geral dos servidores. São contemplados no art. 37, IX, da CF, que admite sua contratação em regime temporário para atender a situações de excepcional interesse público. Apesar disso, muitas têm sido as distorções do sistema, processadas por administradores incompetentes ou inescrupulosos.

Dois aspectos merecem ser sublinhados nesse regime especial. Primeiramente, trata-se de recrutamento por via de contrato – não o contrato previsto na CLT, mas um contrato específico de direito público, adequado a esse regime provisório. O segundo aspecto é a marca da provisoriedade, vale dizer, os servidores são contratados por prazo determinado, para atendimento à situação de interesse público existente no momento.

Tais servidores estão incluídos na regência da LIA, porquanto o art. 2º desse diploma alude aos agentes que exercem suas funções temporariamente, e é nesse caso que se alojam os servidores temporários sujeitos ao regime especial. Sendo assim, os atos que praticarem, desde que tipificados na LIA, qualificam-se como atos de improbidade.


5.3.2. Prazo e contagem da prescrição


O mesmo que dissemos sobre o servidor trabalhista pode aplicar-se aos servidores temporários. E a razão é a mesma, ou seja, a lacuna legislativa: inexiste a lei específica a que se refere o art. 23, II, da LIA. 

Resulta que a solução é recorrer ao prazo de prescrição previsto no estatuto funcional da pessoa federativa contratante. Significa que o prazo de prescrição a ser utilizado para os servidores temporários é o mesmo a ser adotado para os servidores estatutários da mesma entidade.

Idêntica solução deverá ocorrer em relação à contagem do prazo. Deve o intérprete examinar o critério que o legislador estatutário preferiu como termo a quo da contagem do prazo e aplicá-lo ao servidor temporário.

Para exemplificar, se um servidor temporário contratado por um Estado comete ato de improbidade, tanto o prazo prescricional, quanto a contagem do prazo, obedecerão ao que dispuser a respeito o respectivo estatuto funcional. 


6. Entidades com menor suporte financeiro ou patrimonial


6.1. Fonte normativa


Esse terceiro grupo de prescrição não constava primitivamente na lei de improbidade. Foi a Lei 13.019/2014, alterada pela Lei 13.204/2015, disciplinadora do marco regulatório das organizações da sociedade civil, que introduziu o inciso III no art. 23 da LIA, contemplando esse novo preceito sobre prescrição da improbidade.

Reza esse dispositivo o seguinte:

“Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas:

III - até cinco anos da data da apresentação à administração pública da prestação de contas final pelas entidades referidas no parágrafo único do art. 1º desta Lei”.

Constata-se que o legislador, nesse terceiro caso de prescrição, socorreu-se do critério de prazo fixo e único, como o fez no inciso I do mesmo artigo. Resulta, então, que apenas o inciso II contém critério variável, por força da pluralidade normativa dos estatutos.


6.2. Destinatários da norma


De acordo com o texto do dispositivo, são destinatárias da norma as entidades referidas no parágrafo único do art. 1º da LIA. Primeiramente, trata-se de pessoas não integrantes da Administração, pertencendo, pois, ao setor privado. Em segundo lugar, são entidades que recebem suporte financeiro ou patrimonial de menor densidade do que as que figuram no caput do mesmo art. 1º.

O parágrafo único do art. 1º da LIA estabelece: “Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos”.

Tendo em vista que, no caput do art. 1º, as entidades recebem mais de cinquenta por cento para o patrimônio ou custeio, pode-se concluir que são elas beneficiárias de maior suporte financeiro ou patrimonial, diferenciando-se daquelas referidas no parágrafo único, destinatárias de menor suporte. Mas, na verdade, nada justifica que a norma só tenha abrangido as entidades do parágrafo primeiro e não as mencionadas no caput do art. 1º.


6.3. Agentes empregados


Os agentes sujeitos à improbidade são os empregados que integram o quadro de trabalhadores das entidades em tela. São empregados regidos pelo regime trabalhista comum, contido na CLT.

Embora sejam empregados privados e integrantes de pessoas privadas, equiparam-se, para os fins da lei, aos agentes públicos em geral. Desse modo, se um empregado de entidade com menor suporte financeiro pratica ato de improbidade, responderá nos termos da Lei 8.429/1992, como se fosse um servidor público.


6.4. Prazo e contagem


Já se antecipou, mas não custa reiterar, que o legislador adotou para essa hipótese o critério de prazo determinado para a prescrição – de cinco anos. Sendo assim, não importa a qual entidade pública esteja vinculada, isto é, a entidade da qual tenha recebido ou venha recebido apoio financeiro ou patrimonial. O prazo será sempre de cinco anos. 

A contagem do prazo também tem fato certo para o início: a data da apresentação da prestação de contas final a ser feita pela entidade subvencionada. Não basta, portanto, o oferecimento de relatórios de caráter interno. Cumpre que a entidade apresente formalmente a prestação de contas à Administração, e a partir dessa data começa a correr o prazo prescricional.

Em virtude da fixação desse termo inicial, será necessário que a entidade formalize efetivamente a apresentação de sua prestação de contas. Se não o fizer, o início do prazo prescricional se protrairá no tempo, sujeitando o autor do fato a um prazo que, conforme a hipótese, pode ser desproporcionalmente longo.


7. Terceiros


7.1. Sentido


Na apuração da improbidade administrativa, além do agente público que pratica o ato, pode também ser coautor ou beneficiário um terceiro, que não se qualifica como agente público, mas a este se equipara. Mas, para os efeitos da lei, e obviamente onde couber, o terceiro responderá, da mesma forma, nos termos da Lei de Improbidade.

A LIA prevê expressamente a participação e responsabilidade do terceiro no art. 3º, que dispõe: “As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta”. Caso o terceiro provoque induzimento ou colaboração, ou ainda se beneficie do ato, será tão responsável quanto o próprio agente público.


7.2. Prescrição


A LIA atribuiu responsabilidade ao terceiro pela prática de atos de improbidade, equiparando-o ao agente público para os fins da lei. Mas, assim como em outras hipóteses, foi silente quanto à prescrição da pretensão condenatória relativamente ao terceiro.

A omissão suscitou mais de uma interpretação sobre a questão. Um primeiro entendimento consiste em que se aplicaria ao terceiro o prazo de cinco anos, à luz do que dispõe o Decreto 20.910/1932, que trata da prescrição quinquenal para as pretensões da Fazenda Pública.40  

A melhor interpretação, porém, em nosso entender, é a que vincula a prescrição do terceiro à do agente com o qual produziu a improbidade. O fundamento reside no fato de que, embora possam ser diversas, as condutas do agente e do terceiro se incluem no mesmo núcleo da improbidade, o que se confirma com o propósito de ambos no sentido de beneficiar-se de seus atos.41 Alguns estudiosos adotam o mesmo entendimento.42 

Várias decisões judiciais têm endossado tal interpretação. O STJ, por exemplo, já estabeleceu: “O dies a quo do prazo prescricional aplicável aos servidores públicos e agentes políticos, previsto no art. 23, inciso I, da Lei 8.429/1992, é extensivo aos particulares que se valeram do ato ímprobo, porquanto não haveria como ocorrer tal ilícito sem que fosse em concurso com agentes públicos ou na condição de beneficiários de seus atos”.43 Outras decisões seguiram a mesma trilha.

Partindo-se dessa premissa, terá o intérprete que verificar primeiramente a qual tipo de agente público está associado o terceiro.  No caso de estar vinculado a titular de cargo em comissão ou de mandato, aplicar-se-á a regra do art. 23, I, da LIA, na qual o prazo prescricional e o termo inicial da contagem têm definição para todos os casos: prazo de cinco anos, contado a partir do término do exercício da função.

Não obstante, na hipótese de ter-se associado a servidor titular de cargo efetivo ou contratado para emprego público, submeter-se-á à variabilidade normativa, buscando-se a solução prevista no estatuto sob o qual se encontra o servidor. Então, para exemplificar, se o terceiro agiu em concurso com servidor efetivo estadual, ter-se-á que verificar qual o prazo de prescrição e o tipo de contagem previstos no estatuto desse servidor, de modo que o que estiver previsto nele se estenderá ao terceiro coautor.


Notas

LEAL, Antônio Luís da Câmara. Da prescrição e da decadência, p. 3.

2 LEAL, Antônio Luís da Câmara. Da prescrição e da decadência, pp. 13-14.

3  PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, p.29.

4  TEPEDINO, Gustavo; BARBOSA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código civil interpretado, p. 354.

5 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil, p. 618.

6 LEAL, Antônio Luís da Câmara. Da prescrição e da decadência, p. 101.

7 Art. 209, Código Civil.

8 MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil, p. 169.

9 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado, p. 503.

10 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de processo civil comentado artigo por artigo, p. 263.

11 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Improbidade administrativa. Prescrição e outros fatos extintivos, p. 07.

12 PAZZAGLINI FILHO, Marino. Lei de improbidade administrativa comentada, p. 19.

13 MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. O limite da improbidade administrativa, p. 168.

14 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Improbidade administrativa. Prescrição e outros fatos extintivos, p. 104.

15 Vide STF, RE 669.069, julgado em 03.02.2016.

16 Foi o que observamos em nossa Improbidade administrativa. Prescrição e outros fatos extintivos, p. 120.

17 DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico, p. 882.

18 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo, p. 509.

19  DECOMAIN, Pedro Roberto. Improbidade administrativa, p. 382. Adverte-se, no entanto, que o autor alude à sucessão de cargos em comissão, mas, ao que parece, é idêntica a ratio para mandatos.

20 Nossa Improbidade administrativa. Prescrição e outros fatos extintivos, p. 124.

21 STJ, REsp 1.107.833, julgado em 08.09.2009.

22 MARTINS, Flávia Bahia. Direito constitucional, p. 406.

23 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 537.

24 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, p. 306.

25 Art. 37, II, CF.

26 DECOMAIN, Pedro Roberto. Improbidade administrativa, p. 382.

27 STJ, REsp 1.179.085, julgado em 23.03.2010.

28 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Improbidade administrativa. Prescrição e outros fatos extintivos, p. 143.

29 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno, p. 398.

30 FIGUEIREDO, Lucia Valle. Curso de direito administrativo, p. 654.

31 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo, p. 246.

32 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito, p. 128.

33 Nossa Improbidade administrativa. Prescrição e outros fatos extintivos, p. 157.

34 Ibidem.

35 Art. 142, § 1º.

36 MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Lei 8.112/90 interpretada e comentada, p. 721.

37 É o caso do estatuto do Estado do Rio de Janeiro – Decreto-lei 220/1975 – no art. 57, § 2º.

38 Nossa Improbidade administrativa. Prescrição e outros fatos extintivos, p. 179.

39 DECOMAIN, Pedro Roberto. Improbidade administrativa, p. 382.

40 Vide MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. O limite da improbidade administrativa, p. 812.

41 Nossa Improbidade administrativa. Prescrição e outros fatos extintivos, p. 190.

42 DECOMAIN, Pedro Roberto. Improbidade administrativa, p. 387.

43 STJ, REsp 704.323, julgado em 16.02.2006.

Referências

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Citação

CARVALHO FILHO, José dos Santos . Improbidade administrativa: prazos extintivos. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Administrativo e Constitucional. Vidal Serrano Nunes Jr., Maurício Zockun, Carolina Zancaner Zockun, André Luiz Freire (coord. de tomo). 2. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2021. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/104/edicao-2/improbidade-administrativa:-prazos-extintivos

Edições

Tomo Direito Administrativo e Constitucional, Edição 1, Abril de 2017

Última publicação, Tomo Direito Administrativo e Constitucional, Edição 2, Abril de 2022

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