• Constructivismo lógico-semântico

  • Paulo de Barros Carvalho

  • Tomo Teoria Geral e Filosofia do Direito, Edição 1, Abril de 2017

O constructivismo lógico-semântico é um instrumento de trabalho, modelo para ajustar a precisão da forma à pureza e à nitidez do pensamento; meio e processo para a construção rigorosa do discurso, no que atende, em certa medida, a um dos requisitos do saber científico tradicional. O modelo constructivista se propõe amarrar os termos da linguagem, consoante esquemas lógicos que deem firmeza à mensagem, pelo cuidado especial com o arranjo sintático da frase, sem deixar de preocupar-se com o plano do conteúdo, selecionando as significações mais adequadas à fidelidade da enunciação.

1. O saber científico e a presença indispensável do método


A camada de linguagem que identifica o saber científico há de ter a presença indispensável do método para guiar-lhe os avanços. Não haverá ciência sem um conjunto organizado de procedimentos, de técnicas, de táticas, dispostas esquematicamente, para garantir a progressão do conhecimento, tendo em vista o fim de percorrer, da maneira mais eficiente possível, o domínio sobre o objeto devidamente demarcado. Explicando por outro modo, método aparece como condição epistemológica para controlar as oscilações inerentes ao campo investigado. Por isso, a rigidez do caminhar científico não tolera repetições, desvios e qualquer outro modo de abandonar, ainda que provisoriamente, a marcha concebida para cobrir a região da pesquisa. A própria retórica, também imprescindível no discurso das ciências, vê-se tolhida em certos limites, para não comprometer a eficácia da mensagem. O “chegar às causas primeiras” e “atingir as consequências últimas” há de ser a constante pensada e reiteradamente perseguida pelo agente, com esmerado rigor e alentada determinação.

Por outro lado, a experiência com os atos de fala, nos diversos níveis da comunicação, deixa-nos logo a advertência de que não existe “linguagem pura”, seja a vulgar, a técnica, a científica ou mesmo a filosófica. Aquilo que encontramos é a preponderância de termos, expressões, modos de progredir, estratégias de avanço e, sobretudo, no caso da linguagem das ciências, o “ânimo desinteressado” de quem compõe o discurso, voltado exclusivamente para realizar a tendência de neutralidade, a vocação de imparcialidade na produção da peça.

A relatividade do saber não admite definições terminativas, fortes o suficiente para conduzir o intérprete por espaços seguros e inequívocos. Os valores que ingressam na apreciação dos fenômenos, especialmente os sociais, impedem o saber definitivo e o conhecimento absoluto. As definições são expedientes enunciativos facilitadores do pensar sobre a multiplicidade de objetos que fazem os nossos contornos existenciais, internos e externos. Ao lado de outros instrumentos lógicos, como a nomeação, a divisão e a classificação, organizam a mente, preparando-a para o conhecimento. São demarcações de conceitos para fins de isolamento temático, sendo certo que a interpretação dependerá da subsequente inserção no contexto, imediatamente recuperado. Questão clara e incisiva, que transita inevitavelmente pela cabeça de quem lida com essas categorias da curiosidade humana, é aquela da compatibilidade entre a crença religiosa num ser absoluto, criador supremo de tudo quanto existe, diante da indiscutível mutabilidade da condição humana, em todos os momentos da vida, sobretudo naqueles que dizem respeito ao conhecimento mais sério e rigoroso, vale dizer, o discurso científico. Creio que devamos separar o mundo das crenças religiosas (doxa), daquele em que se alojam as vicissitudes da vida prática. Quanto ao primeiro, para os que creem no Deus uno, adota-se a premissa da verdade absoluta, consubstanciada no ser divino que tudo criou. Acreditando nos dogmas, há de fortalecer os caminhos da fé. No plano do conhecimento do mundo, contudo, em que o ser humano é protagonista único, as coisas são bem diferentes. Tratando-se de um ser carente, cheio de imperfeições, prisioneiro da matéria de que é constituído, vigora o relativismo dos conceitos e a oscilação dos correspondentes valores. Sua história é a luta pelas conquistas, pelos avanços, pela realização de ideais, sempre mutantes, em razão das necessidades materiais, espirituais e sociais por que passa. Inexistem aqui as verdades absolutas, as conquistas definitivas e as soluções imutáveis. Aliás, as ciências evoluem precisamente porque não são perfeitas, irremediavelmente vinculadas às ingentes limitações do homem. Este, por sua vez, tem a missão de resistir às dificuldades da experiência, transformando-a em objetos culturais, segundo os valores que sua filosofia lhe propõe. Penso estar aqui, no trato do homem com a experiência, a transformação que as crenças religiosas insistentemente proclamam: “modificar o mundo”, torná-lo melhor, em atinência aos preceitos de Deus.

Eis um ponto delicado: confundir expectativas, pela adoção de procedimentos dogmáticos, firmados em fé no absoluto e em revelações, aplicando-os ao plano da movimentação empírica, onde os acontecimentos se dão pelas regras advindas do saber técnico-material adequado. Em contrapartida, lidar com metodologias científicas, validadas para seu universo de discurso, em assuntos de crença espiritual: a chamada “lógica da conduta”, imprópria para a compreensão desses assuntos.

Em súmula estreita, tratemos das ciências com os recursos que Deus nos deu, recursos limitados, limitadíssimos até, lutando para o desenvolvimento e o progresso desse “talento” a que alude o Novo Testamento, com a convicção de que, quanto mais fizermos prosperar o feixe de predicados que nos foram conferidos, estaremos em condições de aprimorar o conhecimento técnico-científico, produzindo bens culturais mais próximos dos valores absolutos da fé religiosa. 

Reiterado e frequente erro histórico é o de atravessar esses dois mundos sem as cautelas da reflexão: tentar o emprego de categorias da razão raciocinante, por exemplo, para montar e concluir proposições de fé religiosa; ou avançar no conhecimento técnico ou científico, a partir de meras crenças que se sustentem apenas para fins espirituais. A advertência, porém, dista de ser o reconhecimento de incomunicabilidade entre as duas regiões, a admissão de que se trata de territórios estanques, isolados, insusceptíveis a um diálogo mais próximo para fins cognoscitivos. Muito ajuda a construção e o progresso do saber técnico-científico uma saudável e bem ordenada fé religiosa, que se manifesta na vontade firme e na ética rigorosa que o desafio do saber requer. Do mesmo modo, a mente organizada pelos padrões da lógica cognoscitiva, válida, em princípio, para o chamado “mundo da vida”, favorece a consolidação da fé e o aprofundamento do sentido religioso do espírito humano.


2. As "superações" de ideias e de sistemas como entraves para a progressão do conhecimento


Entre os argumentos que dificultam a exposição clara de ideias, impedindo a marcha do processo de convencimento, está o recurso à qualificação de conceitos, teorias e sistemas como “superados”. Que pensador não teve sua contribuição marcada pela coima de “ultrapassada”, simplesmente porque outras advieram, criando novas alternativas de conhecimento? A cada instante nos deparamos com “superações” que deixam para trás pensamentos importantes, sob a alegação de que seu tempo histórico já teria passado e, portanto, considerar aquele conjunto de proposições ou o sistema que lhe organiza a existência, algo acabado, posto em desuso pelo aparecimento de novas concepções. Agora, é preciso pensar que a Filosofia, na sua visão grandiosa do mundo, é, ela mesma, uma grande superação. A reflexão filosófica, com seu extraordinário poder de volver e revolver os mais relevantes assuntos da humanidade, é dotada de recursos argumentativos potentes. Não é preciso muito esforço para perceber que uma proposição afirmativa qualquer pode ser reduzida à condição de mera sentença paradoxal, com o emprego de poucas operações enunciativas. Além disso, como explicar as contínuas referências às propostas filosóficas milenares, que teimam em frequentar os escritos dos grandes pensadores, mostrando uma notável resistência às tentativas de corrosão das críticas especializadas? Dir-se-á que as necessidades retóricas não só justificam mas até recomendam a utilização de certas alusões, como providências de cunho estratégico para acentuar ou enfraquecer o teor persuasivo das mensagens. Aliás, quando o desempenho do raciocínio começa a ficar difícil, quando o autor encontra obstáculos discursivos de transposição duvidosa, um dos primeiros impulsos de nossa mente é lançar mão desse expediente argumentativo, pois se trata de instância inexorável, já que a não retórica é retórica também. Há, contudo, maneiras distintas de movimentar o pensamento, ajustando sua trajetória dentro de padrões mais serenos, tolerantes e produtivos, mesmo porque, se tudo está superado, então nada está superado e o espírito humano permanece pronto para locomover-se, livremente, nos horizontes da consciência.


3. Expediente metodológico com base filosófica


O constructivismo lógico-semântico é, antes de tudo, um instrumento de trabalho, modelo para ajustar a precisão da forma à pureza e à nitidez do pensamento; meio e processo para a construção rigorosa do discurso, no que atende, em certa medida, a um dos requisitos do saber científico tradicional. Acolhe, com entusiasmo, a recomendação segundo a qual não haverá ciência ali onde a linguagem for solta e descomprometida. O modelo constructivista se propõe amarrar os termos da linguagem, consoante esquemas lógicos que deem firmeza à mensagem, pelo cuidado especial com o arranjo sintático da frase, sem deixar de preocupar-se com o plano do conteúdo, selecionando as significações mais adequadas à fidelidade da enunciação.

Apesar de suas origens e das concepções que estão bem caracterizadas na plataforma inferior de suas bases, não se pretende um projeto filosófico: de método é seu estatuto. Todavia, um traço na configuração dessa proposta metodológica chama logo a atenção. Se, para a perspectiva semiótica, ao lado da estrutura lógica e da dimensão semântica, haverá sempre a projeção pragmática, por que omitir-se a instância na denominação do movimento epistemológico? Três razões podem explicar a ausência: de primeiro, a circunstância de sua necessária presença (do plano pragmático) na implicitude do nome, visto ser dimensão imprescindível na alusão ao plano semiótico, de tal sorte que as referências sintáticas e semânticas implicariam, necessariamente, as pragmáticas; de segundo, na elaboração do texto, as cogitações de ordem pragmática seriam sobremodo difíceis, pois esse é o tempo da própria criação do enredo textual, da preparação da mensagem para ingressar no contexto comunicativo, seguindo em direção ao destinatário ou receptor. Por certo que caberia melhor na interpretação do escrito para efeito de revisão, quando tomado na sua integridade constitutiva. E terceiro, o nome ficaria muito extenso, suscitando logo a pergunta sobre os motivos pelos quais não se teria logo adotada a expressão constructivismo semiótico.

Pois bem, evitando o perigo dos meros sincretismos metodológicos e da mistura irrefletida de correntes filosóficas tomadas ao acaso, aquilo que a observação nos permite ver, nessa dinâmica de ideias e de construções é uma admirável injeção de culturalismo, incidindo no que há de mais apurado entre as conquistas do neoempirismo lógico do Circulo de Viena, conjunção, aliás, que consulta bem à formação do Professor  Lourival Vilanova, muito influenciado pela Escola de Baden, a temperar suas conhecidas inclinações para privilegiar o plano sintático da análise textual.


4. Sobre a designação


O jusfilósofo pernambucano vinha frequentemente a São Paulo, nas últimas décadas do século passado, por três motivos importantes: visitar sua filha Ana Lúcia, genro e netos; atender aos insistentes convites para integrar bancas examinadoras na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco; e proferir palestras e conduzir grupos de estudos sobre Filosofia e Teoria Geral do Direito, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Fiz esse registro no prefácio do livro Escritos Jurídicos e Filosóficos, editado no ano de 2001, em dois tomos, pela Axis Mundi/Ibet:

“Certo dia, perguntando como conviria dar nome à sua atitude jurídico-filosófica e ao tipo de trabalho que vinha desenvolvendo, respondeu-me que poderíamos perfeitamente chama-lo de “constructivismo”. Não, segundo o modelo do “constructivismo ético”, todavia, agregando ao nome o adjetivo composto “lógico-semântico”, pois, afinal de contas, todo o empenho estaria voltado a cercar os termos do discurso, para outorgar-lhes a firmeza necessária (e possível, naturalmente), tendo em vista a coerência e o rigor da mensagem comunicativa. Isso não significa, porém, relegar o quadro das investigações pragmáticas a nível secundário. Expressa, tão somente, uma opção metodológica. Melhor seria até dizer que a proposta lógico-semântica aparece como contribuição para um estudo semiótico do discurso”.

A crença na existência de objetos extralinguísticos, que discretamente mobilizou o pensamento do mestre, não é molestada pelo constructivismo. Existindo ou não existindo tais entidades, elas somente entrarão para o âmbito do conhecimento quando vierem a fazer parte da intersubjetividade do social, inteiramente tecida pela linguagem.


5. Constructivismo e teoria comunicacional do direito


O Constructivismo mantém relação muito íntima com a Teoria Comunicacional do Direito. Esta, desenvolvida e apurada pelo Prof. Gregório Robles, tem abrangência maior, aproximando-se mais de uma concepção filosófica. Ambas, porém, tomam a linguagem como constitutiva da realidade, depositando no texto o objeto de todas as suas preocupações. Procuram levar às últimas consequências duas premissas fundamentais: a palavra é a morada do ser (Heidegger) e tudo aquilo que puder ser interpretado é texto (Gadamer). Nesse quadro, a hermenêutica não só adquire uma função decisiva, como passa a ser o modo, por excelência de compreender-se o mundo. E as coisas existem quando têm nomes... Sem nome as coisas não existem (Raffaele De Giorgi). Falo da hermenêutica geral, formada pelo conjunto organizado das hermenêuticas regionais, na linha de Ricoeur, para quem a hermenêutica é a teoria das interpretações ou da compreensão em sua relação com a interpretação dos textos.

Gregório Robles trata a teoria comunicacional do direito dentro do âmbito da hermenêutica analítica, posta sua missão de aprofundar o conhecimento do objeto com os delicados instrumentos da análise. É compondo e decompondo, articulando e desarticulando, reunindo e separando, organizando e desorganizando que o agente dirige seus procedimentos para dominar o texto e compreender a comunicação. Ora, precisamente esse é o caminho percorrido pelo Constructivismo Lógico-Semântico: enquadra-se nos parâmetros da hermenêutica atual, lendo e interpretando para compreender, porém, em todos os passos de sua trajetória está presente o tom da analiticidade. É analisando que o trabalho cognoscente prospera em direção a seus objetivos.

Outro dado importante que marca o perfil do constructivismo é ocupar-se do texto dentro do chamado factum comunicacional, indagando sempre pelo autor da mensagem, pelo canal por onde ela transita, pelo destinatário, pelo código linguístico comum a ambos, pela conexão psicológica que se estabelece e pelo contexto em que a comunicação se dá. O direito estudado como fenômeno comunicacional proporciona elementos valiosos para a construção de sentido e a compreensão do texto, associado, aqui e ali com os poderosos recursos da retórica realista, segundo as categorias pesquisadas e desenvolvidas por João Maurício Adeodato e a Escola Retórica de Recife. Aliás, a filosofia retórica, assim como o constructivismo, parte de uma antropologia carente, operando com a linguagem como único meio perceptível, de tal modo que não haveria acesso ao chamado mundo real, simplesmente porque não existem elementos externos a ela. Todo objeto é composto pela linguagem e, por isso, há de ter nome (Di Giorgi), o que significa dizer que o conhecimento é formado por acordos linguísticos intersubjetivos de maior ou menor permanência no tempo, mas todos eles circunstanciais temporários, autorreferentes e assim passíveis de constantes rompimentos (Adeodato).

A conversação tecida entre o constructivismo, a teoria comunicacional e a filosofia retórica, mencionada acima, flui, como se vê, de maneira natural e produtiva. Seus resultados são auspiciosos e percebe-se enorme entusiasmo entre todos aqueles que superam os obstáculos convencionais e alimentam as expectativas de implantar o diálogo.

Ainda sobre as aproximações existentes entre o constructivismo e a teoria comunicacional do direito, cabe dizer que em ambas se pesquisa o ethos da trilogia aristotélica, investigando o editor da mensagem, nos expedientes de que se utiliza para cumprir sua invariável vocação de controlar o curso e os efeitos do ato comunicativo que exerceu; mas também do pathos como a procura dos modos pelos quais se desperta, no receptor, as emoções indispensáveis ao entendimento cabal do que foi transmitido pelo orador; e do logos, empregado aqui como ciência ou razão, algo que brilha pela sua presença na descrição minuciosa e precisa do fenômeno comunicacional.

Nesta concepção, mantêm-se de pé os ideais do giro linguístico, em que se toma a realidade como constituída pela linguagem, conjunto de signos empregados pela comunicação ou potencialidade humana para comunicar-se. A totalidade dos signos, organizados por meio de regras de formação e de transformação, no seu feitio estático, é a língua, observada pela perspectiva sistêmica ou institucional. Língua, no sentido amplo, que entra em exercício mediante os atos de fala, instauradores do fato da comunicação.


6. Sobre a aplicação prática da proposta constructivista


A primeira aplicação do modelo constructivista, em termos de consciência a respeito de sua extensão e limites, penso ter ocorrido com a tese Direito Tributário – Fundamentos jurídicos da incidência, apresentada em concurso para a titularidade na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, logo depois lançada pela Editora Saraiva, em 1989, encontrando-se na 10ª edição. O tema da incidência jurídica foi analisado em suas proporções lógicas, com discussão de relevantes aspectos de ordem semântica, ficando assentado que não se dará a incidência se não houver um ser humano fazendo a subsunção e promovendo a aplicação que o preceito determina. As normas não incidem por força própria. Numa visão antropocêntrica, requerem o homem, como elemento intercalar, movimentando as estruturas do direito...

Hoje, há centenas de obras em que os autores aplicam o Constructivismo Lógico-Semântico e vale acrescentar que não é somente no Direito Tributário. As premissas do constructivismo foram penetrando outros setores, de tal sorte que os estudiosos o veem como instrumento poderoso para estabilizar o discurso, adjudicando-lhe rigidez e objetividade. Os textos básicos têm sido, além daquele acima referido, o Curso de Direito Tributário (São Paulo, Saraiva, 28ª edição, 2017); Direito Tributário, Linguagem e Método (São Paulo, Noeses, 6ª edição, 2015); os livros de Fabiana Del Padre Tomé (A prova no direito tributário – São Paulo, Noeses, 4ª edição, 2016), de Aurora Tomazini de Carvalho (Teoria Geral do Direito – O constructivismo lógico-semântico – São Paulo, Noeses, 5ª edição, 2016) e de Lucas Galvão de Britto (O lugar e o tributo – São Paulo, Noeses, 2014), acrescentando-se ainda, como primeiro na linha do tempo, a obra Teoria da Norma Tributária, atualmente editado pela Quartier Latin. Anote-se também o livro Vilém Flusser e Juristas – Comemoração dos 25 anos do Grupo de Estudos de Paulo de Barros Carvalho, coordenado por Florence Harret e Jerson Carneiro, Noeses, 2009, o volume I do livro Constructivismo Lógico-Semântico (2014) e a obra Lógica e Direito (2016), ambos coordenados por mim e publicados pela Editora Noeses.

É preciso dizer que muitos autores importantes operam regularmente com esse método, entre eles, Paulo Ayres Barreto, Tárek Moussalem, Robson Maia Lins, Tácio Lacerda Gama, Gabriel Ivo, Charles McNaugthon, Maria Ângela Lopes Paulino, Priscila de Souza, entre outros. A mais disso, hão de ser mencionados todos aqueles que lidam com a regra-matriz de incidência, em qualquer de seus aspectos, pois, certamente, estarão percorrendo os eixos desse esquema metodológico. Acontece que a estrutura da regra-matriz já é uma construção lógica, com a hipótese ou antecedente e o mandamento ou consequente expressos nas variáveis representadas por signos formais unidos por constantes. O passo subsequente é ingressar no plano semântico, saturando as variáveis lógicas com os conteúdos de significação da linguagem do direito positivo, para chegar, desse modo, à norma geral e abstrata. Em seguida, as determinações estabelecidas pelo processo de positivação nos conduzem a empregar a linguagem da facticidade social para preencher, mais uma vez, aquelas variáveis, promovendo, agora, o expediente formal da subsunção ou inclusão de classes. Eis o território das normas individuais e concretas. É oportuno lembrar que tudo isso requer o cuidadoso exame do modo como os termos são empregados pelos utentes dessa linguagem, o que equivale a pesquisar o ângulo pragmático da comunicação jurídica.

Realmente, tratar com a regra-matriz revela momentos de convívio intenso com partes do processo constructivista, e creio existir centenas de estudiosos que se envolvem com o tema, na procura do conhecimento mais atilado da situação jurídica que lhes interessa discutir.

É verdade, também, que o uso do modelo pode favorecer mais o plano sintático ou lógico. Contudo, há muitas investigações que isolam a plataforma dos significados para atingir os objetivos da pesquisa. E outro tanto ocorre com a dimensão pragmática, de tal sorte que as aplicações variam quanto à predominância dos setores de abrangência e, da mesma maneira, com relação à intensidade e permanência nos intervalos do modelo. Reafirmando a força desta notação, há textos que implantam o método, enfatizando a teoria dos valores, numa ostensiva manifestação da influência do culturalismo jurídico neste modo de conhecer o objeto. Esse aspecto, longe de revelar mero sincretismo metodológico, consubstancia precioso elemento para potencializar a compreensão da mensagem, ampliando-lhe o campo de análise.



7. A escola do constructivismo lógico-semântico


Com a apresentação de trabalhos em congressos e seminários nacionais e internacionais, o “Constructivismo lógico-semântico” difundiu-se, a ponto de ser reconhecido como uma autêntica “escola de pensamento jurídico”. Para tanto, foram relevantíssimas a atividade e a participação de núcleos de pesquisa espalhados por praticamente todo o território nacional, estudando Direito Tributário com o objetivo de estabelecer seus fundamentos na Teoria Geral e na Filosofia do Direito. É o que realizou e continua realizando o IBET – Instituto Brasileiro de Estudos Tributários, nas suas vinte e nove unidades, funcionando em vinte e um estados da federação.

Sob o ponto de vista histórico, é possível considerar a proposta constructivista em três momentos distintos: o período de formação (1973 a 1985), o intervalo de consolidação (1985 a 1997) e a fase de expansão (1997 aos nossos dias). Nos primeiros tempos, a preocupação básica foi a teoria da norma, que veio a configurar-se em 1985, já com a inequívoca presença do pensamento de Lourival Vilanova. Em termos de enriquecimento, porém, os tempos de consolidação foram extraordinários. É bom lembrar que o programa não teve, de início, aceitação tranquila, provocando fortes contestações. Cada asserção, cada sequência evolutiva, cada sugestão apresentada era objeto de oposições enérgicas, que obrigavam os adeptos do constructivismo a pensar, a refletir, a sopesar argumentos, tendo em conta a convicção da procedência daquilo que defendiam. Dele, movimento, pode dizer-se que foi exaustivamente percorrido por juízos críticos, às vezes implacáveis. Todavia, quem sabe, o esforço intelectual desenvolvido para fazer frente a tantos questionamentos tenham nutrido essa doutrina de bons recursos argumentativos, tenham servido de combustível para procurar e colher na realidade objetiva, na prática da experiência, no “munda da vida”, como o chamou Husserl, exemplos preciosos para sustentar posições e reforçar ideias. Constituiu-se, dessa maneira, um reservatório considerável de fundamentações, assentadas em exemplos concretos da realidade empírica. E o discurso de apresentação tornou-se forte, coeso, consistente, outorgando confiança ao expositor. Veio o entusiasmo e começou a expansão. As traduções em língua estrangeira se sucederam e as ideias foram expostas em vários países, principalmente Argentina, Uruguai, Chile, Peru, Colômbia e México, na América Latina, e Itália, Espanha, França e Portugal, na Europa.

Há uma atividade, entretanto, com papel preponderante durante todos os três períodos: o Grupo de Estudos que há 34 (trinta e quatro) anos se reúne para refletir sobre aspectos epistemológico-jurídicos, em geral, e sobre semiótica e direito tributário, em particular. São advogados, promotores, juízes e professores, dos mais diferentes estados do Brasil, dispostos a ler, pensar e discutir temas amplos, complexos, assuntos que em outros ambientes dificilmente poderiam ser tratados. As reuniões do Grupo de Estudos se prestaram a numerosos debates e a ele compareceram pensadores, nacionais e estrangeiros. 

Estão envolvidos no âmbito desta Escola, estudos de Filosofia e Teoria Geral do Direito, dos vários setores da Linguística, da Semiótica, da Retórica e da Lógica Jurídica. Entre os que influenciaram, mais de perto, as pesquisas estão, além do Professor Lourival Vilanova, Tércio Sampaio Ferraz, Alaor Caffé Alves, Dardo Scavino, Lúcia Santaella, José Luiz Fiorin, Celso Fernandes Campilongo, João Maurício Adeodato, Torquato Castro, Gregório Robles, Newton da Costa e Vilém Flusser, todos eles (com exceção deste último, falecido) já presentes em alguma sessão do Grupo.


Notas

Referências

BRITTO, Lucas Galvão de Britto. O lugar e o tributo. São Paulo: Noeses, 2014.

CARVALHO, Aurora Tomazini de. Teoria geral do direito: o constructivismo lógico-semântico. 5. ed. São Paulo: Noeses, 2016.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

__________________. Direito tributário, linguagem e método. 6. ed. São Paulo: Noeses, 2015.

__________________. Teoria da norma tributária. 5. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2009.

__________________. Constructivismo lógico-semântico. São Paulo: Noeses, 2014. Volume I.

__________________. Lógica e direito. São Paulo: Noeses, 2016.

HARRET, Florence; CARNEIRO, Jerson. Vilém Flusser e juristas: comemoração dos 25 anos do Grupo de Estudos de Paulo de Barros Carvalho. São Paulo: Noeses, 2009.

TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no direito tributário. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2016.

VILANOVA, Lourival. Escritos jurídicos e filosóficos. São Paulo: Axis Mundi: IBET, 2001. Volumes I e II.


Citação

CARVALHO, Paulo de Barros. Constructivismo lógico-semântico. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Teoria Geral e Filosofia do Direito. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga, André Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/101/edicao-1/constructivismo-logico-semantico

Edições

Tomo Teoria Geral e Filosofia do Direito, Edição 1, Abril de 2017

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